“Carreiras devem ser baseadas em projetos pessoais”

É o que afirma o professor anglo-americano Michael B. Arthur, criador da tese das “carreiras sem fronteiras” e que esteve recentemente na USP

 20/02/2020 - Publicado há 4 anos
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Em um mundo em constante mutação, as carreiras profissionais também estão se modificando. Não só com a criação de novas formas de trabalho e de especialização profissional, mas também a partir de uma perspectiva mais ampla e mais direta — aquela que diz que quem deve gerir sua carreira é o próprio trabalhador, e não deixar que essa gestão fique a cargo de uma empresa. É a “carreira sem fronteiras”, termo criado pelo professor anglo-americano Michael B. Arthur, da Universidade de Sufolk, em Boston, nos Estados Unidos. Professor Emérito da Faculdade de Negócios e Estratégia Internacional naquela instituição, Arthur criou o termo ainda nos anos 1990 para definir o fim dos tradicionais planos de ascensão dentro das empresas.

Em recente visita à Universidade de São Paulo, Michael Arthur participou de eventos e atividades acadêmicas  na FEA e na FIA, além de ter ministrado uma palestra para professores e pesquisadores do Escritório de Desenvolvimento de Carreiras (ECar), ligado à Pró-Reitoria de Graduação. O ECar tem como proposta apoiar alunos da USP em suas reflexões e ações em suas trajetórias profissionais. 

Veja, a seguir, os principais trechos da entrevista que o professor Michael B. Arthur deu com exclusividade ao Jornal da USP.

Professor Emérito da Faculdade de Negócios e Estratégia Internacional da Universidade de Suffolk, Michael B. Arthur – Foto: Cecília Bastos/USP Imagens

Jornal da USP – Professor, o senhor criou a o interessante conceito das bounderless careers, ou “carreiras sem fronteiras”. Mas a questão é: esse conceito se aplica apenas a carreiras novas, do século 21, ou também a carreiras mais antigas, as ditas “tradicionais’?

Michael Arthur – É uma pergunta muito interessante e importante, não me lembro de já me terem feito. Estamos ainda em busca de uma resposta para ela. A antiga concepção de carreira remonta a séculos atrás. As pessoas faziam sempre a mesma coisa, como continuaram fazendo ao longo dos anos. Eu nasci em uma cidade pesqueira da costa da Inglaterra, e os pescadores de lá pescam hoje da mesma forma que o faziam anos atrás. Isso precisa mudar, se atualizar. O mundo mudou muito de meados do século 20 para cá, depois da Segunda Guerra: ganhamos equipamentos eletrônicos, eletricidade plena, passamos a ver televisão, o grande entretenimento do século. Com isso, as perspectivas mudaram, o mundo mudou. E as carreiras, novas ou antigas, precisavam, e precisam, mudar também. Por exemplo, a indústria cinematográfica teve que mudar suas perspectivas diante do entretenimento barato que a TV oferecia — e oferece.

 

Jornal da USP – O que é esse conceito de “carreiras sem fronteiras”?

Michael Arthur – As relações profissionais precisam ser renovadas. As pessoas têm habilidades que precisam ser desenvolvidas, este é o primeiro e o mais importante ponto. Trata-se de uma perspectiva de mobilidade, e não de imobilidade. Por volta dos anos 1980, pesquisas mostravam que as empresas estavam tentando fazer coisas demais, mas não as executavam bem. As empresas precisavam se especializar mais, mas ficaram menos aptas para oferecer oportunidades de carreiras que as pessoas gostariam de ter. A insegurança ficou maior. A única maneira de entender essa carreira é se afastar de uma organização e ter uma visão mais ampla de como a vida profissional pode evoluir. Ou seja, não se deve deixar que a empresa defina sua carreira. Quem deve defini-la é o trabalhador.

 

Jornal da USP – E como se aplica esse conceito?

Michael Arthur – A partir do momento em que você assume a mobilidade, e não a imobilidade. O conceito se baseia em ideias de carreiras baseadas em projetos. Você deve ver com clareza as várias perspectivas, os inúmeros projetos que podem orientar sua carreira. A orientação para guiar uma carreira de uma pessoa está dentro dela. Só ela sabe o que fez até agora e o que pretende fazer daqui por diante. É essa pessoa que deve decidir que caminhos tomar, quais as novas oportunidade de emprego, sem amarras. Sem fronteiras, por assim dizer.

 

Jornal da USP – Esses novos projetos não devem ser necessariamente para uma fábrica ou para uma indústria, mas sim para si mesmo, não é?

Michael Arthur – Sim, deve haver a disponibilidade para a pessoa desenvolver seus projetos individualmente. As novas companhias, principalmente as de tecnologia, estão derrubando as antigas estruturas compartimentadas, estão desenvolvendo novas perspectivas de trabalho para seus funcionários. Usamos uma abordagem que chamamos de “carreira inteligente”, que é, de forma geral, como aplicar sua própria inteligência à situação. É saber por que, como e com quem se trabalha.

 

Jornal da USP – Neste cenário, as startups, empresas novas, criadas por gente jovem, baseadas em tecnologia, podem ser uma forma de apoiar, de incentivar a “carreira sem fronteiras”?

Michael Arthur – É uma possibilidade. A inovação tem se baseado muito em tecnologia, mesmo as antigas companhias têm feito isso. 

 

Jornal da USP – A tecnologia é a base da nova carreira?

Michael Arthur – Estamos tentando entender isso, à procura dessa resposta, mas ainda estamos no olho do furacão. Mas certamente, a inovação e a tecnologia são as ferramentas de um novo mundo e, claro, de novas carreiras.

 

Jornal da USP – E qual o papel que as universidades podem desempenhar neste novo quadro?

Michael Arthur – Principalmente desenvolvendo mais pesquisas no campo das novas carreiras e no futuro das carreiras que já estão solidificadas. Procurar soluções, buscar novas áreas de pesquisa, saber como colaborar com o mundo fora da academia. Afinal, estamos diretamente ligados a este grande fenômeno global que nos torna aptos a buscar soluções para problemas com os quais antes não tínhamos como lidar. Este novo mundo, por assim dizer, nos proporciona esta oportunidade. Temos como criar uma rede colaborativa de pesquisadores ao redor do mundo e sairmos em busca das soluções necessárias para as questões que se apresentam.


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