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Um ponto de cultura reconhecido até pelo extinto Ministério da Cultura. Um ponto de ancestralidade. E de respeito e resistência da cultura negra e popular. “São outras formas de conhecimento, com tradição oral. É um produto intelectual com outras visões de mundo”, conta Eliany Funari. A pesquisadora da USP se refere ao local em que aprende e participa de aulas de capoeira, danças afro, maculelê, samba de roda e percussão: o Núcleo de Extensão e Cultura em Artes Afro-brasileiras, no campus Cidade Universitária, na capital paulista.
As aulas recebem alunos de graduação, pós-graduação e também moradores da região. O grupo desenvolve atividades de extensão, como o Encontro de Artes Afro-Brasileiras, realizado em outubro deste ano. “Mestres e mestras do samba de roda, da capoeira, dos saberes tradicionais, artistas, pesquisadores e pesquisadoras, crianças e quem mais quis aprender convivendo” estiveram no evento, segundo descrição na página oficial do núcleo. Algumas das participações foram dos Mestres Cinho e Elói, do grupo de samba de roda Raízes de Acupe.
“É como um intercâmbio, uma troca de quem vem aqui e a gente”, diz Thiago Mendes. Ele é integrante do Conselho Deliberativo do núcleo e faz parte do grupo originário do projeto Guerreiros da Senzala desde 1997.
Além de eventos, há ações para a comunidade, como o Angolerê, projeto voltado a crianças. As atividades são ministradas por integrantes do próprio núcleo e convidados. Já Eliany ressalta que o período de convivência com os mestres e convidados é como algo documental. “Aqui não é só capoeira. Tem maculelê e as outras atividades, mas é uma rede de pessoas, estabelecemos relações.”
Na troca de conhecimentos e experiências, os pesquisadores e pesquisadoras já visitaram a região do Recôncavo Baiano. É justamente de lá que vêm as origens de todo o núcleo. Por isso, atualmente, está em andamento o projeto Ajagunã. Em 2000, foi adquirido um terreno no município de Dias d’Ávilla, região metropolitana de Salvador, na Bahia.
Desde então, mutirões estão sendo feitos para a construção do Centro de Educação e Cultura Guerreiros de Senzala. Nele, serão organizadas atividades para crianças, adolescentes, adultos e idosos nos mesmos moldes do que ocorre no núcleo da USP.
Para a construção do espaço, há uma “vaquinha virtual” para captar doações de recursos que serão utilizados na finalização das obras e início das ações culturais e educativas. “É dar uma devolutiva. Levar o trabalho para aquela comunidade. Como se nós comêssemos do fruto e, agora, devolvemos algo para as raízes”, diz Eliany Funari.
A arrecadação é uma ação voluntária da participante do núcleo da USP Inaiê Goulart. Através do site, você pode acompanhar as doações e ver um pouco mais do projeto Ajagunã.
Mestre da luta
A semente de toda a história e desenvolvimento das atividades do núcleo é o Mestre Pinguim. Ele foi o criador do espaço dentro da USP, voltado à valorização e respeito às manifestações artístico-culturais afro-brasileiras. Mas bem antes disso, já espalhava o canto e o toque da capoeira, a percussão afro-baiana e do maculelê e do samba de roda.
Luiz Antonio Nascimento Cardoso, o Mestre Pinguim, foi orientado por Mestre Gato Preto — que já ganhou o prêmio Berimbau de Ouro da Bahia — a realizar algumas atividades culturais e educativas junto ao grupo de capoeira angola Guerreiros da Senzala nos anos 1990, na zona oeste de São Paulo.
Em 1997, o grupo passou a atuar dentro da USP em locais indefinidos. Antes de ter nome e sobrenome de órgão vinculado à Universidade e — provisoriamente — um endereço, o núcleo surgiu de um histórico de ocupação e resistência, como conta Eliany. “Era uma instabilidade dos locais para se apresentar. No início, só tínhamos algo para oferecer, nossas ações. E só tivemos apoio dos professores, dos docentes aqui.”
Nessa época, eles também passaram a atuar na antiga Fundação Estadual para o Bem-Estar do Menor (Febem), hoje Fundação Casa, com apoio da Secretaria Estadual de Cultura e coordenação da Cia. de Dança Ballet Stagium.
O grupo teve como sede um espaço no prédio restaurante universitário do Instituto de Química (IQ) da USP. Por incômodo de docentes, foram para o bloco 28 da travessa 5, sua atual sede, com o apoio do Núcleo de Consciência Negra.
Só em 2007, dez anos depois do começo oficial da atuação dos Guerreiros da Senzala na USP, foi reconhecido o vínculo com a Universidade, passando a ser um Núcleo de Apoio às Atividades de Cultura e Extensão.
A falta e a resistência de um espaço
Mesmo com o reconhecimento do órgão da USP, ainda existem instabilidade e falta de apoio. “Isso não nos garante um espaço físico até hoje. Fazemos períodos de avaliação, relatórios. Mas é instável. A nossa base são os mutirões”, diz Eliany.
Hoje, instalado na travessa 5, atrás do prédio do Centro de Difusão Internacional da USP, o núcleo funciona com limitações. De acordo com os integrantes, há necessidade de melhorias em sua estrutura, como troca de telhado. Os integrantes pedem doações e fazem mutirões para, justamente, tornar o local mais adequado para o funcionamento.
“Pensar políticas em conjunto. Pensar os planos em conjunto. Queremos decisões e a estrutura adequada para trabalhar”, conta Thiago.
O Núcleo em Artes Afro-Brasileiras tem a coordenação do professor John Cowart Dawsey, do Departamento de Antropologia da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH), e é ligado à Pró-Reitoria de Cultura e Extensão Universitária.
A Pró-Reitoria informa que o órgão “não tem relação com os núcleos no que se refere a financiamento, apoio financeiro ou gerenciamento do dia a dia, já que eles são autônomos”, cabe a ela “aprovação de mérito acadêmico para sua criação ou prorrogação e também de fiscalização nesse sentido”. O financiamento, segundo a Pró-Reitoria, é externo à Universidade e deve ocorrer sob coordenação de seus próprios proponentes e equipe responsável.
O núcleo realiza suas atividades de segunda-feira à sexta-feira, na Av. Prof. Lúcio Martins Rodrigues, Travessa 5 – Bloco 28, no campus Cidade Universitária, no bairro Butantã, em São Paulo.