Ferramenta gerada por pesquisadores do Centro de Estudos da Metrópole permite cruzamento de dados sobre zonas de uso da cidade - Foto: Marcos Santos / USP Imagens

Para onde São Paulo cresce?
Ferramenta da USP facilita estudos sobre zoneamento da capital

Base de dados busca facilitar o acesso a informações sobre o zoneamento da cidade de São Paulo; instrumento pode ajudar a compreender os efeitos do Plano Diretor de 2014

 05/04/2022 - Publicado há 2 anos     Atualizado: 17/05/2023 as 20:48

Valentina Moreira

Você já parou para pensar por qual razão alguns bairros recebem mais investimento público e oferecem melhores serviços de transporte? Ou até, por que em determinadas ruas existem prédios e estabelecimentos comerciais, enquanto que, em outras, só é possível construir casas? Questões como essas, relacionadas à ocupação do espaço urbano, passam por um planejamento, que direciona como uma cidade será organizada. No município de São Paulo, desde a aprovação do Plano Diretor (PD) de 2014, esse planejamento foi modificado, com o objetivo de reformular a forma como a capital se organiza. 

Para compreender melhor como essa mudança tem afetado a vida das pessoas, pesquisadores do Centro de Estudos da Metrópole (CEM) – sediado na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP e no Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap) – desenvolveram uma base de dados que sintetiza informações sobre a ocupação urbana na capital paulistana. A base unifica informações sobre os 37 zoneamentos previstos na Lei de Zoneamento de 2016, tornando possíveis investigações sobre os efeitos das novas diretrizes de planejamento urbano. O instrumento é voltado para pesquisadores, sendo necessário que o usuário tenha softwares de visualização geoespacial para executá-lo, e pode ser baixado gratuitamente neste link.

A base de dados criada pelo CEM une, em um único espaço, vários sistemas de informações sobre as 37 zonas propostas pela Lei de Parcelamento, Uso e Ocupação do Solo (LPUOS) de 2016. Daniel Waldvogel, pesquisador geógrafo do CEM e um dos responsáveis pelo processamento do banco de dados, explica o projeto por meio de uma metáfora: “Funciona como um retroprojetor antigo, em que você vai colocando diferentes transparências/slides e pode enxergar tudo junto em uma mesma visão”. Cada “slide” representa um tipo de informação, como as ruas, quadras, locais de rotação, hospitais, postos de saúde, delegacias, dados do Censo, pontos de IPTU, etc., que o usuário opta por visualizar separadamente ou em conjunto. Com a base, além dessas informações, as zonas tornam-se camadas de transparência. Assim, ele conclui, “juntamos tudo em um único arquivo: é possível colocar em um mesmo plano os dados que antes estavam separados.”

No mapa gerado a partir da base de dados do CEM, é possível visualizar a região central da cidade de São Paulo com o perímetro do zoneamento segundo o Plano Estratégico Diretor de 2014. À direita, a legenda descreve as zonas representadas - Foto: Reprodução/CEM

Waldvogel diz que, antes do trabalho de geoprocessamento feito para a construção da base, era difícil unir e comparar essas informações. “A forma como os arquivos são disponibilizados pela prefeitura dificulta demais o cruzamento de dados, porque a PMSP [Prefeitura Municipal de São Paulo] disponibiliza 37 arquivos diferentes, um para cada zona. Se eu quiser fazer um estudo sobre os zoneamentos da cidade hoje, tenho que fazer 37 downloads, acrescentar 37 arquivos no meu mapa e fazer as adaptações para cada um deles. Cada um deles é único, e não conversa com o outro.” 

Nesse sentido, Guilherme Minarelli, doutorando do Departamento de Ciência Política da USP e pesquisador do CEM, completa que, agora, “especialistas não necessitam mais realizar uma série de procedimentos para padronização, correção e verificação de dados, que eram imprecisos nos dados publicados originalmente pela PMSP e que dificultavam e tornavam demorada e pouco segura qualquer análise com base neles”. 

Para Minarelli, isso pode ser útil principalmente por facilitar análises sobre os efeitos do PD de 2014 e a Lei de Zoneamento de 2016. “A base pode ser usada para verificar quais foram as zonas que geraram maior transformação do uso e ocupação do solo, como verticalização ou mudança do tipo de padrão de imóvel, durante o período de vigência dessa lei, para ver se os objetivos desejados de direcionamento do crescimento da cidade estão sendo alcançados”, afirma.

Daniel Waldvogel - Foto: Arquivo pessoal

Daniel Waldvogel, geógrafo pesquisador do CEM junto ao Cebrap - Foto: Arquivo pessoal

20220405_guilherme_minarelli

Guilherme Minarelli, doutorando do Departamento de Ciência Política da USP (DCP) e pesquisador do CEM - Foto: Arquivo pessoal

Planejando uma metrópole: o plano diretor e as mudanças no zoneamento de São Paulo

A lei brasileira determina que todo município com mais de 20 mil habitantes tenha um plano diretor, um documento-base que planeje o crescimento urbano, determinando quais parâmetros devem ser aplicados na ocupação do território durante um período de tempo. Normalmente, uma década.

Nabil Bonduki, professor da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo (FAU) da USP e relator do Plano Diretor da cidade de São Paulo de 2014, explica que, com base no PD, é criada a Lei de Zoneamento, instrumento que estabelece o que pode ser feito ao redor da cidade. “O zoneamento estabelece regras, determina o tipo de construção permitida em cada região, se pode ou não construir em um lugar e qual será o uso dessas construções – comercial, residencial ou para o lazer.” 

No caso da capital paulistana, Bonduki chama a atenção para a necessidade de analisar a ocupação do espaço levando em consideração os primeiros decretos de zoneamento, feitos na década de 1970. “Existe todo um histórico no zoneamento de São Paulo, que, de certa forma, até hoje marca um pouco como a cidade trata essa questão.” 

O arquiteto conta que, nessa época, criaram-se, por exemplo, as zonas industriais, onde as indústrias de grande porte eram priorizadas, em detrimento do uso residencial. “Essas zonas industriais foram historicamente colocadas em áreas próximas às ferrovias – nessas áreas não era proibido ter habitações, mas quem fosse se estabelecer nessas regiões teria uma vizinhança com fábricas, fumaça, caminhões circulando, barulho, etc.”

Também foram criadas zonas para que determinados bairros não sofressem modificações com o aumento da população. “Um dos primeiros decretos feitos em São Paulo visava a ‘proteger’ áreas como os Jardins, o Pacaembu e Pinheiros de transformações como a verticalização e o comércio no meio das residências. Para isso, foi restringido o uso não residencial das construções, as edificações multifamiliares e a altura dos edifícios na área.”

Bonduki conta que, a partir do PD de 2014, há a intenção de modificar essa lógica. Enquanto as antigas diretrizes contribuíram para aproximar o sistema de transporte às indústrias e proteger determinados bairros, o novo Plano Diretor passou a direcionar a ocupação urbana tendo como prioridade a mobilidade da população. 

Para isso, no novo zoneamento, é incentivada a construção de prédios mais altos e de moradias menores nas regiões próximas às estações de metrô e a outros meios de transportes. A ideia é que a maior concentração de pessoas nesses locais incentive o uso do transporte coletivo e, consequentemente, reduza a demanda por automóveis na cidade.

“Uma mudança importante a partir do plano diretor de 2014, e que está expresso no zoneamento de 2016, foi a orientação de zonas de maior verticalização junto aos sistemas de transporte coletivo. Com isso, a intenção é criar zonas de alta densidade populacional, que antes não estavam orientadas pela questão da mobilidade – elas estavam orientadas por outras razões.”

Neste contexto, Bonduki avalia que é importante que a população tenha conhecimento do que está sendo desenvolvido. “Eu entendo que é absolutamente fundamental você ter não só a disponibilização dos dados, mas também de uma base facilmente acessível, de modo que a população possa compreender e, assim, participar dessas mudanças.”

Imagem ilustrativa da estratégia de zoneamento estabelecida pelo PNE de 2014, disponível na cartilha da Prefeitura de São Paulo - Foto: Reprodução/PMSP

Sobre o Centro de Estudos da Metrópole

O Centro de Estudos da Metrópole (CEM) é um dos Centros de Pesquisa, Inovação e Difusão (Cepid) da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp). Sediado na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP e no Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap), o centro é constituído por um grupo multidisciplinar, que inclui demógrafos, cientistas políticos, sociólogos, geógrafos, economistas e antropólogos. Além da base de dados sobre as zonas de São Paulo, o CEM disponibiliza, gratuitamente, mapas, infográficos e outras ferramentas de análise geográficas em seu site.

Baixe aqui a base de dados do CEM sobre o zoneamento da cidade de São Paulo.

Acompanhe o CEM nas redes sociais:  


Política de uso 
A reprodução de matérias e fotografias é livre mediante a citação do Jornal da USP e do autor. No caso dos arquivos de áudio, deverão constar dos créditos a Rádio USP e, em sendo explicitados, os autores. Para uso de arquivos de vídeo, esses créditos deverão mencionar a TV USP e, caso estejam explicitados, os autores. Fotos devem ser creditadas como USP Imagens e o nome do fotógrafo.