Argélia hoje, o drama dos presos políticos

Por Arlene Clemesha, professora de História Árabe da FFLCH/USP; Everaldo Andrade, professor do Departamento de História da FFLCH/USP; Jean-Pierre Chauvin, professor da ECA/USP

 23/10/2019 - Publicado há 5 anos
Arlene Clemesha – Foto: Leonor Calasans / IEA

 

Everaldo Andrade – Foto: Leonor Calasans / IEA

 

Jean Pierre Chauvin – Foto: Marcos Santos/USP Imagens

 

Qual a situação da Argélia, ontem e hoje? Como o chamado “Ocidente” a representa, contaminando a visão que os próprios envolvidos têm da situação? A quais métodos a imprensa tradicional recorre, ao retratar a trajetória política, cultural e religiosa do país? Por que as grandes mobilizações populares e prisões arbitrárias de dirigentes democráticas como de Luísa Hanoune, primeira mulher candidata a presidência em um país árabe, vêm sendo ignoradas em nosso país? Essas foram algumas das questões que motivaram o encontro realizado em 3 de outubro, no Departamento de História da FFLCH-USP, com a presença dos professores Arlene Clemesha (curso de Letras/História Árabe, FFLCH), Everaldo Andrade (curso de História, FFLCH) e Jean Pierre Chauvin (curso de Editoração, ECA).

Na fala de abertura, Andrade observou que a situação enfrentada pela Argélia, especialmente em 2019, pauta-se pelo incremento da revolta social e política contra o antigo regime que busca se perpetuar no poder mesmo após o afastamento do presidente Bouteflika, que tentava um quinto mandato consecutivo. Semanalmente, milhões de pessoas passaram a sair às ruas desde 22 de fevereiro, a protestar contra o governo instituído, que rege o país praticamente desde a independência após a revolução de 1962, e exigindo eleições e um novo regime político.

Nos últimos anos o governo tem defendido abertamente a ingerência do capital das megacorporações, sob a velha nova justificativa de “abrir” e “modernizar” a economia do país, com privatizações e rebaixamento dos direitos sociais e trabalhistas, o que vai ao encontro da lógica especulativa e exploratória de grandes corporações e potências europeias e norte-americanas.

A resistência a essas medidas tem alimentado grandes ações dos jovens argelinos e de ampla e crescente parcela do povo pelo fim do sistema político, suas instituições e práticas autoritárias. Uma das protagonistas dessas mobilizações foi a deputada Luísa Hanoune, que renunciou ao seu mandato e se pronunciou pela dissolução do parlamento e a convocação de uma assembleia constituinte para dar a palavra ao povo argelino.

Hanoune tem uma larga trajetória ao longo de cinco mandatos desde 1997 como parlamentar em defesa da paz, dos direitos das mulheres, pela democracia e contra os planos de privatização dos recursos naturais e públicos da nação argelina. Em 9 de maio ela foi presa e agora em 25 de setembro foi condenada a 15 anos de prisão por conta de suas posições políticas. Sua prisão é uma tentativa do regime para aterrorizar e fazer calar as vozes de todos os argelinos que saem aos milhões às ruas da capital Argel e outras cidades do país. Inúmeras entidades de direitos sociais e instituições de direitos humanos, além de organizações democráticas em todo o mundo têm se pronunciado pela liberdade de Hanoune e de todos os atuais presos políticos da Argélia.

A seu turno, Clemesha apresentou um panorama histórico do país, considerando aspectos relativos às religiões, à cultura e aos idiomas falados no país. Possessão francesa por mais de um século (entre 1830 e 1962), a Argélia enfrentou, durante décadas, contradições relativas ao posicionamento dos pieds-noirs – colonos coniventes com as diretrizes oriundas da matriz francesa, durante o século XX. A pesquisadora ressaltou o sincretismo religioso e o relevante papel das diferentes culturas no país, como fatores que reforçariam a sobreposição de conflitos.

Por sua vez, Chauvin resumiu a trajetória, a obra e o pensamento de Albert Camus (1913-1960), autor de A peste, com vistas a sugerir que o filósofo, escritor e jornalista argelino teria se posicionado de modo ambíguo em relação ao seu país de origem, despertando a reação de antigos amigos franceses – a exemplo de Jean Paul Sartre, que condenava as ressalvas de Camus em relação a propostas de rupturas políticas mais radicais. O romance foi publicado em 1947, oito anos após a mudança do escritor para aquele país, onde atuou em periódicos de orientação progressista, a exemplo do Le Combat.

Ao final do debate estava prevista a exibição do clássico A batalha de Argel, filme de 1966 que retrata o drama da revolução de independência da Argélia contra as tropas colonialistas francesas. As ações pela liberdade imediata de Luísa Hanoune e dos demais presos políticos do país motivaram os presentes a continuarem e desdobrarem estas questões em novas ações em defesa da liberdade e democracia na Argélia de hoje, na necessidade de se seguir refletindo sobre sua história, sua cultura e o papel do seu povo nos desdobramentos do mundo contemporâneo.

 


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