Independência inibiu produção do romance em Moçambique

Pesquisa analisa como a independência de Moçambique influenciou a produção literária local, desestimulando a prosa nos anos seguintes

 26/08/2019 - Publicado há 5 anos
Desfile público em comemoração pela vitória da Frente de Libertação de Moçambique na Guerra de Independência – Foto: José Chasin / Wikimedia

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A história política de Moçambique nos anos 1970 influenciou diretamente a produção literária local e inibiu o desenvolvimento da prosa nos anos seguintes à independência do país. O tema foi desenvolvido por Ubiratã Roberto Bueno de Souza em doutorado defendido na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP pelo Programa de Pós-Graduação em Estudos Comparados de Literaturas de Língua Portuguesa.

Moçambique foi colônia de Portugal até 1975, quando conquistou sua independência após 10 anos de guerra entre moçambicanos e exércitos portugueses. Vitoriosos, os revolucionários passaram a governar o país, quando questões internas e externas deram início a uma guerra civil em 1976, que só terminaria em 1992.

O pesquisador explica que a literatura moçambicana no tempo colonial produzia muita poesia e pouquíssima prosa. Souza divide a produção do período entre três grupos: brancos ligados à metrópole, que produziam temas ligados às questões coloniais de Portugal; negros, mestiços e grupos que se opunham à colonização por meio de textos sobre identidade social, cultural e política; e um terceiro grupo, cujas obras foram esquecidas por influências políticas de suas respectivas épocas.

A pesquisa analisou o período de ascensão de textos poéticos diretamente ligados aos ideais revolucionários da independência. Tais obras expressavam a linha ideológica do Estado, com enaltecimento de heróis da nação e os triunfos do partido. As poesias foram compiladas na chamada Poesia de Combate, em 1977, 1979 e 1983.
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Ascensão da prosa

Soldados portugueses nas matas angolanas durante a Guerra de Independência de Angola (1961-1974) – Foto: Joaquim Coelho / Copyrighted free use via Wikimedia Commons

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Em 1987, com o colapso e falência do governo revolucionário se inicia um período de transição política para um capitalismo ocidental, com liberalismo na economia e acordos internacionais. Na literatura, o marco desse período foi o lançamento de Ualalapi, do escritor Ungulani Ba Ka Khosa, que tanto adota elementos próprios do romance quanto aborda a poesia revolucionária sob uma ótica invertida. 

“Se é ou não um romance, não importa muito: interessou para a pesquisa observar como existem formas do romance que estão dentro daquela obra e são trabalhadas em consonância com as dinâmicas históricas de Moçambique”, explica o pesquisador.

A partir desse momento, a prosa passa a predominar em Moçambique. “A literatura passa a explorar a diversidade e a multiplicidade cultural do país com um gênero literário, o romance, que se fundamenta em essência sobre a multiplicidade e a diversidade discursiva”, avalia Souza.

E é nessa mudança de vetores que está a tese do trabalho: a Poesia de Combate, expressão literária que ajudou na construção do Estado socialista, inibiu o desenvolvimento do romance em Moçambique. E, com a falência dos ideais revolucionários, a partir de 1987, a prosa passou a expressar as dinâmicas históricas e culturais do país.

“Quando se compara o tipo de narrativa histórica única e teleológica da Poesia de Combate com o tipo de narrativa histórica contraditória e implodida em suas bases de Ualalapi, tem-se um inequívoco arco de distensão muito inquietante para a crítica”, explica o pesquisador.

Moçambique x Brasil

Souza também aponta semelhanças entre as dinâmicas históricas brasileiras e moçambicanas: “O Brasil viveu diversos episódios em que a constituição de uma expressão literária se encontrava cruzada por uma teia de disputas, arranjos e confrontos de ideias próprios do nascimento de um Estado independente”. 

Para o pesquisador a literatura contribui na formação de uma identidade nacional. “A literatura toma parte no processo de constituição e definição dos diversos nacionalismos que coexistiram quando o Brasil se tornou um país, e tem um papel fundamental nas diversas identidades nacionais que circulam até os nossos dias.”

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Por Paulo Andrade / Serviço de Comunicação Social da FFLCH

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