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O diretor do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), Ricardo Galvão, foi exonerado na manhã desta sexta-feira, 2 de agosto, duas semanas depois de desafiar publicamente o presidente Jair Bolsonaro a comprovar as acusações que levantara contra a instituição — ao dizer que os dados do Inpe sobre o aumento do desmatamento na Amazônia eram “mentirosos” e de que Galvão estaria agindo “a serviço de alguma ONG”. Nenhuma evidência concreta foi apresentada, mas Galvão perdeu o cargo assim mesmo, sob a justificativa de “quebra de confiança”.
Cientistas rechaçaram imediatamente a postura do governo. Um grupo de pesquisadores, denominado Coalizão Ciência e Sociedade, afirmou em nota que as recentes decisões contribuem para o “rápido sucateamento da credibilidade, nacional e internacional, construída com esforço e perseverança por gerações de cientistas”.
“As críticas feitas não têm qualquer base científica e desconsideram a imensa contribuição que o Instituto Nacionais de Pesquisas Espaciais dá ao Brasil e ao mundo”, afirmou, ainda no início da semana, a Academia de Ciências do Estado de São Paulo (Aciesp) — a exemplo de diversas outras entidades e especialistas, nacionais e internacionais, que se manifestaram publicamente em defesa do Inpe.
O anúncio da demissão foi feito pelo próprio Galvão, após reunião com o ministro da Ciência e Tecnologia, Marcos Pontes, em Brasília. “Diante da maneira como eu me manifestei com relação ao presidente, criou-se um constrangimento, ficou insustentável, e eu serei exonerado”, disse o pesquisador, ao deixar o gabinete.
Em entrevistas à imprensa, no dia seguinte às declarações de Bolsonaro sobre os dados da Amazônia (20 de julho), Galvão disse que as acusações eram “ofensas inaceitáveis” e que o presidente agira de forma “covarde”, levantando suspeitas infundadas sobre o trabalho dele e do Inpe perante a opinião pública, como se estivesse numa “conversa de botequim”. Disse que não pediria demissão e desafiou Bolsonaro a repetir o que disse “frente a frente”, olhando nos seus olhos.
“Eu sou um senhor de 71 anos, membro da Academia Brasileira de Ciências, não vou aceitar uma ofensa desse tipo. Ele que tenha coragem de, frente a frente, justificar o que ele está fazendo”, disse Galvão ao jornal O Estado de S. Paulo. O encontro com o presidente nunca ocorreu, mas ele foi convocado a dar explicações em Brasília.
Formado em física e engenharia, Galvão é livre-docente da Universidade de São Paulo (USP) desde 1983 e estava como diretor do Inpe desde setembro de 2016, com mandato previsto de quatro anos — ou seja, até setembro de 2020. Antes disso, foi diretor do Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas (CBPF), no Rio de Janeiro, e presidente da Sociedade Brasileira de Física (SBF), consolidando-se como uma das figuras mais experientes e respeitadas na comunidade científica nacional.
“O diretor do Inpe, Dr. Ricardo Galvão, é um cientista reconhecido internacionalmente, que há décadas contribui para a ciência, tecnologia e inovação do Brasil. Críticas sem fundamento a uma instituição científica, que atua há cerca de 60 anos e com amplo reconhecimento no País e no exterior, são ofensivas, inaceitáveis e lesivas ao conhecimento científico”, declarou a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC). “Em ciência, os dados podem ser questionados, porém sempre com argumentos científicos sólidos, e não por motivações de caráter ideológico, político ou de qualquer outra natureza.”
O Inpe é um instituto público de pesquisa subordinado ao Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações (MCTIC), mas com autonomia administrativa. Seus diretores — assim como os dos outros institutos de pesquisa federais — são escolhidos a cada quatro anos, por meio de um processo seletivo, aberto à toda sociedade. As indicações passam por uma comissão de especialistas, incumbida de elaborar uma lista tríplice de nomes para seleção do ministro.
Galvão disse ter indicado a Pontes um nome de perfil técnico para substituí-lo, mas não revelou quem seria. A indicação natural dentro do Inpe seria o engenheiro aeroespacial Petrônio Noronha, atual diretor substituto e coordenador de Gestão Científica e Tecnológica do instituto, considerado um dos quadros técnicos de maior experiência no programa espacial brasileiro.
Pontes não falou com a imprensa. Pelas redes sociais, o ministro agradeceu Galvão por sua “dedicação e empenho à frente do Inpe”, e concluiu a mensagem com “abraços espaciais”.
Desmatamento
O pano de fundo desse conflito é o aumento explosivo do desmatamento na Amazônia, registrado pelos sistemas de sensoriamento remoto do Inpe. Segundo os dados do Sistema de Detecção do Desmatamento em Tempo Real (Deter) — que Bolsonaro chamou de “mentirosos” —, a área desmatada na Amazônia nos primeiros sete meses deste ano (janeiro-julho) foi da ordem de 4,5 mil quilômetros quadrados, 60% maior do que no mesmo período de 2018 (veja gráfico).
A maior parte desse aumento ocorreu nos meses de junho e julho, quando as condições climáticas se tornam mais favoráveis ao desmatamento e há menos nuvens no céu para bloquear a visão do satélite. Todos os dados de monitoramento do Inpe são abertos para a sociedade e podem ser acessados gratuitamente por meio da plataforma digital TerraBrasilis.
Uma equipe de técnicos do Inpe esteve em Brasília na quarta-feira, 31 de julho, para explicar os dados a Pontes e ao ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles. No dia seguinte, Salles anunciou em uma coletiva de imprensa, ao lado de Bolsonaro, que o governo vai contratar um novo serviço privado de monitoramento da Amazônia, capaz de produzir imagens diárias em alta resolução.
Ambos voltaram a criticar os dados do Inpe. “Os números, no meu entender, foram espancados, com o objetivo, ao que parece, de atingir o nome do Brasil e do governo”, disse Bolsonaro.
Entidades científicas e acadêmicas defenderam o trabalho do Inpe e criticaram duramente a postura agressiva e anticientífica do governo.
“O insistente descrédito dos dados públicos pelo Presidente Jair Bolsonaro e parte de seus ministros não é fundamentado em argumentos técnicos sólidos e transparentes”, diz a nota da Coalização Ciência e Sociedade, assinada por 65 cientistas — entre eles, vários professores da USP.
“Estamos vivenciando a inédita situação de termos um ministro de Meio Ambiente que não defende, ao contrário, ataca o meio ambiente, e um ministro de Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações que é tímido na defesa da Ciência e silencia sobre a qualidade do trabalho de um dos mais conceituados institutos deste ministério e exonera seu diretor. Ambos contribuem assim com o rápido sucateamento da credibilidade, nacional e internacional, construída com esforço e perseverança por gerações de cientistas e tecnólogos ao longo de diferentes governos”, diz a nota.
“O Inpe reafirma sua confiança na qualidade dos dados produzidos pelo Deter. Os alertas são produzidos seguindo metodologia amplamente divulgada e consistentemente aplicada desde 2004. É amplamente sabido que ela contribuiu para a redução do desmatamento na região amazônica, quando utilizada em conjunto com ações de fiscalização”, diz uma nota oficial do instituto, publicada na quinta-feira. “O trabalho do Inpe sempre foi norteado pelos princípios de excelência, transparência e honestidade científica. A busca pelo aperfeiçoamento e pela melhoria constante da qualidade de seu trabalho também são componentes fundamentais de sua cultura técnica e científica.”
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