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Partículas de sólidos e líquidos na atmosfera podem ter consequências diretas e indiretas no clima e também afetar a saúde do ser humano. São os aerossóis atmosféricos. As emissões de isopreno (composto precursor do ozônio) na floresta amazônica, por exemplo, podem produzir partículas de aerossóis e núcleos de condensação de nuvens. Como já mostram pesquisas, também podem ser um elo entre o funcionamento ecológico da floresta e o clima na Amazônia. Um destes estudos aponta que o impacto da urbanização de Manaus na floresta amazônica é muito significativo, pois altera os mecanismos de formação e desenvolvimento de nuvens.
O professor da Universidade de Maryland BC e pesquisador da Nasa Vanderlei Martins explica que os aerossóis estão presentes em todo lugar. Existem os naturais, produzidos por exemplo, pela floresta, os provenientes dos oceanos, como os aerossóis de sal marinho, do solo, na forma de poeira, e existem também os aerossóis de poluição. “Alguns aerossóis refletem a luz que chega na atmosfera, enquanto outras partículas, como aquela fuligem mais preta, absorvem a radiação e ajudam a esquentar a atmosfera. Então eles participam desse balanço, refletindo radiação de volta ao espaço e esfriando a Terra, ou a absorvendo e aquecendo o Planeta.”
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A professora do Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas da USP Márcia Yamasoe diz que a relação entre poluição e clima já é um fato conhecido há bastante tempo, e indiscutível. Veículos e indústrias emitem gases para a atmosfera, alguns deles de efeito estufa, o que evidencia a ação humana diretamente sobre o clima. Além disso, outros poluentes, como pequenas partículas, interagem na formação de nuvens, e com o excesso dessas partículas na atmosfera as características das nuvens vão mudar também. O que pode implicar menos chuvas, e quando acontecem, muito mais torrenciais. “Isso depende muito da quantidade de poluição, da meteorologia do local onde ela está sendo emitida e, pior: esta poluição não fica só no local, ela pode ser transportada para longas distâncias. A poluição que foi gerada aqui em São Paulo pode causar transtornos em outros locais”, adverte.
Nesta semana, a USP recebe um grande evento para ensinar, na teoria e na prática, jovens cientistas sobre as propriedades dos aerossóis e seus efeitos. Dentre os professores, além dos próprios Vanderlei Martins e Márcia Yamasoe, estão pesquisadores da Nasa, Universidades de Estocolmo, Maryland, Weizmann Institute e especialistas da USP, como Paulo Artaxo, Fátima Andrade e Paulo Saldiva. Organizada pelo Instituto de Física (IF) da USP com apoio da Fapesp, a São Paulo School of Advanced Science on Atmospheric Aerosols: Properties, Measurements, Modeling, and Effects on Climate and Health conta com 150 alunos, 50 deles de fora do Brasil.
Os temas incluíram as propriedades dos aerossóis e como medi-los; aerossóis gerados pela ação humana e seus efeitos na saúde; interação entre radiação, nuvens e aerossóis; sensoriamento remoto de aerossóis e nuvens; as perturbações causadas pelos aerossóis no clima e como fazer a modelagem de seus efeitos.
Poluição gera custos financeiros e perda de vidas
A professora Simone Miraglia, da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), levou a uma mesa-redonda alguns dos principais pontos de como devemos lidar com os problemas de governança relacionados à poluição do ar e à saúde. Com o passar das décadas e o incentivo de compra de automóveis particulares, não demorou muito para grandes metrópoles apresentarem problemas, como os congestionamentos quase que diários, por exemplo, nas megalópoles Nova Dhéli (Índia) e São Paulo.
Esses e diversos outros problemas afetam os custos da saúde ambiental por parte dos governos, que terão cada vez mais uma população que sofre com o ar poluído e com a saúde fragilizada, desenvolvendo doenças cardiovasculares e respiratórias. Segundo informa a pesquisadora da Unifesp, doenças relacionadas à evolução do uso de carros e suas consequências (uso de combustíveis fósseis, emissão de gases na atmosfera, entre outros) custam até 7% do orçamento nacional de algumas nações. “Temos anos de nossas vidas perdidos devido à poluição do ar e isso significa custo”, apontou.
O diretor do Instituto de Estudos Avançados (IEA) e professor da Faculdade de Medicina da USP (FMUSP) Paulo Saldiva apresentou resultados de pesquisas com modelos animais e com seres humanos, inclusive que ele conduziu, que indicam como a exposição à poluição do ar afeta a saúde respiratória e cardiovascular. Ele diz que “a concentração de poluentes no ar em metrópoles como São Paulo não é homogênea, dependendo dos meios de transporte de massa e uso da terra.”
Apesar dos picos de poluição coincidirem com as áreas onde há pico de tráfego, ele ressalta que as medidas das estações da Cetesb não indicam qual a dose de poluentes à qual cada pessoa é exposta, o que, além do tempo passado no tráfego, inclui fatores como idade, tempo vivido em São Paulo, tabagismo ativo ou passivo e densidade de vias no entorno em que circula. Moradores da periferia da cidade são especialmente afetados, pelo tempo maior de deslocamento diário até o trabalho, por exemplo.
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Mão na massa
No sábado, 27 de julho, aconteceram aulas práticas de instrumentação para detecção remota e medidas e análises de aerossóis e nuvens ao ar livre, no telhado do Museu de Arte Contemporânea (MAC) da USP, no Ibirapuera. Os participantes realizaram medidas, calibraram sensores, estudaram e modelaram as propriedades de partículas suspensas na atmosfera.
Um dos organizadores do evento, o professor do Instituto de Física (IF) da USP Henrique Barbosa dá mais detalhes. “O professor Vanderlei [Martins] propôs uma atividade em que eles podem fazer medidas de poluição atmosférica usando o próprio telefone celular.” Assim, foram construídos dispositivos muitos simples usando canudinhos, peça de madeira e outros materiais para fazer um aparato que imita o que um instrumento de verdade faz.
“Estamos fazendo uma fotometria, medindo a quantidade de radiação solar espalhada por diferentes direções pelos aerossóis, e assim conseguimos determinar qual o tipo e o quanto de aerossóis está em suspensão na atmosfera”, disse Vanderlei Martins.
“Eles se revezaram metade aqui em cima, no terraço, e a outra metade lá embaixo, num laboratório didático que montamos, para fazerem a caracterização dos próprios telefones, que são os instrumentos de medidas deles aqui em cima. Queremos que eles entendam que cada tipo de sensor, como o da sua máquina fotográfica, o sensor de luminosidade do seu celular, ou o do colega, tem uma resposta diferente, assim como acontece com os sensores de vários satélites. Diferentes respostas em relação à sensibilidade para as cores no espectro eletromagnético. Alguns veem melhor no verde, outros no vermelho, por exemplo”, explicou Henrique Barbosa.
“É também uma maneira de eles aprenderem a fazer as perguntas certas, do ponto de vista experimental, do que tem que ser medido”, complementou Vanderlei Martins. “Também temos aqui no prédio um robô da Nasa que está fazendo ao mesmo tempo as mesmas medidas, de uma maneira mais profissional, e então poderemos comparar com os resultados a que os alunos chegaram”, contou ele ao Jornal da USP.
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Henrique Barbosa disse que, para sua surpresa, a grande maioria dos alunos não havia tido na formação essa parte prática de construir um instrumento e entender como ele funciona. “Estudantes de outros países aqui nos relataram que nunca tiveram a oportunidade de fazer nada experimental assim nos países deles. Mesmo jovens pesquisadores, que já dão aulas, e agora poderão usar essas ferramentas para mudar o jeito que ensinam. Eles estão empolgados, no sol, fazendo essas medidas e analisando os dados no computador… ninguém quer parar”, comemora.
O professor do IF destacou ainda que um dos objetivos do evento da Fapesp é atrair pesquisadores em potencial para essa linha de pesquisa nas instituições do Estado de São Paulo. “Aqui eles podem entrar em contato com a boa ciência que se faz em um país do qual talvez só conhecessem a parte turística.”
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Arte e ciência
Antes da atividade prática no MAC, os participantes assistiram a uma palestra com o diretor do Museu, Carlos Brandão, que aproveitou para convidá-los a conhecer a riqueza do acervo.
Perguntado como era ter um evento de ciências exatas acontecendo num museu de arte, Brandão explicou que, nos museus universitários, especialmente os da USP, essas diferenças entre arte e ciência não são tão marcadas. “Nós temos um contato muito grande com outras unidades da Universidade nos nossos programas, e até um Projeto Temático da Fapesp liderado pela vice-diretora do museu, professora Ana Magalhães, que trabalha em colaboração com o Instituto de Física para entender como algumas peças nossas foram construídas, algumas esculturas, por exemplo, usando diferentes imagens e tecnologias. Também recebemos, na última semana, um grupo da Faculdade de Medicina, que passou uma manhã aqui visitando o MAC”, exemplificou. “Então, esse entrelaçamento das artes com a ciência é próprio da Universidade, e enriquece a experiência dos alunos durante o seu desenvolvimento”, disse ao Jornal da USP.
Ele contou que ele mesmo estudou biologia e desenvolveu toda sua carreira científica no Museu de Zoologia, e mais recentemente começou a ampliar seu escopo de atuação trabalhando no Conselho Internacional de Museus com vários tipos de museus. “Os museus têm suas particularidades, mas eles trabalham dentro de uma perspectiva comum que é o ciclo curatorial – aquisição, conservação, documentação, pesquisa e difusão do conhecimento que as coleções nos proporcionam. Então estou aqui na direção do MAC hoje, mas não fazendo curadoria, que isso é próprio dos pesquisadores daqui”.
Luiza Caires, com colaboração de Caio Santana