Composto que mata fungos resistentes é isolado em microbiota de formiga

Projeto que reúne pesquisadores do Brasil e dos Estados Unidos explora bactérias que vivem em simbiose com insetos como fonte para novos fármacos

 13/03/2019 - Publicado há 5 anos
Projeto que reúne pesquisadores do Brasil e dos Estados Unidos explora bactérias que vivem em simbiose com insetos como fonte para novos fármacos (formigas do gênero Cyphomyrmex – foto: Weilan Melo; Taise Fukuda e Camila Pereira

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A resistência microbiana a medicamentos antibióticos e antifúngicos é um dos grandes problemas de saúde pública no mundo. E a solução, como sugere um estudo publicado recentemente na revista Nature Communications, pode estar nos pequenos corpos dos insetos ou, mais precisamente, na microbiota que carregam.


Essa hipótese inovadora foi proposta por pesquisadores brasileiros e norte-americanos como parte de um projeto colaborativo que teve início em 2014, com apoio da Fpesp e do National Institutes of Health (NIH), dos Estados Unidos.

A ideia era isolar bactérias que vivem em simbiose com formigas cortadeiras, como a saúva, em busca de compostos naturais com potencial para dar origem a novos fármacos.

Foi com essa estratégia que o grupo coordenado por Monica Tallarico Pupo, da Faculdade de Ciências Farmacêuticas de Ribeirão Preto (FCFRP) da Universidade de São Paulo (USP), e por Jon Clardy, da Harvard University, descobriu a cifomicina – molécula que nos testes in vitro e in vivo se mostrou capaz de matar fungos causadores de doenças em humanos e resistentes aos medicamentos hoje disponíveis.

“Foi um resultado que nos deixou bem animados, pois corrobora nossa hipótese: a microbiota dos insetos é uma fonte promissora para o isolamento de compostos com atividade contra bactérias e fungos. Claro que ainda não dá para afirmar que a cifomicina vai virar um fármaco, mas avançamos muito e isso motivou um pedido de patente”, contou Pupo em entrevista à Agência Fapesp.

Como explicou a pesquisadora, grande parte dos antibióticos hoje existentes teve origem em compostos produzidos por bactérias encontradas no solo – a maioria pertencente ao gênero Streptomyces. O grupo então decidiu explorar esse mesmo grupo de bactérias filamentosas nos corpos dos insetos. A hipótese era que, se a bactéria ajuda o inseto a se defender de patógenos, poderia fazer o mesmo pelos humanos.

“O solo já foi muito explorado na época em que os primeiros antibióticos foram descobertos e produzidos. Queríamos buscar um novo nicho ecológico e achamos que a pressão evolutiva teria tornado as bactérias dos insetos ainda mais eficazes no combate a patógenos”, disse Pupo.

Ampla amostragem

O trabalho de coleta envolveu colaboradores dos Estados Unidos, Costa Rica e Panamá. Além de formigas da tribo attine, que abrange vários gêneros de cortadeiras, foram incluídas borboletas, vespas, abelhas e mariposas. Ao todo, foram 1.400 insetos.

“No Brasil, foram mais de 300 colônias de formigas coletadas no Cerrado, na Mata Atlântica e na Amazônia. A cifomicina foi isolada em um espécime do gênero Cyphomyrmex coletado no próprio campus da USP, em Ribeirão Preto”, contou Pupo.

Estudo de microbiotas de formigas trazem novos avanços Foto: felixioncool via Pixabay – CC


Após a coleta dos insetos, as bactérias presentes em seus corpos foram isoladas, purificadas em laboratório e usadas em ensaios in vitro contra microrganismos patogênicos para humanos. As espécies que mostraram maior capacidade de matar os patógenos foram selecionadas para os estudos metabolômicos (que permitiram caracterizar os metabólitos produzidos pelo microrganismo e identificar os mais ativos) e filogenéticos (que por meio do sequenciamento de genes indicaram o quanto as bactérias isoladas dos insetos se assemelhavam às suas parentes do solo).

“Combinamos métodos quimiométricos e cromatografia líquida acoplada a espectrometria de massas para traçar o perfil químico dos compostos produzidos pela microbiota dos insetos. O objetivo era identificar as linhagens de Streptomyces que produzem uma química diferenciada, ou seja, compostos bem distintos daqueles sintetizados pelas bactérias do solo. Desse modo, aumentamos as chances de encontrar uma molécula realmente inovadora”, explicou Pupo.

Os compostos que se destacaram nessa seleção mais aprofundada foram testados novamente – in vitro e em camundongos – contra patógenos resistentes aos medicamentos usados na clínica.

De acordo com Pupo, a cifomicina não teve ação contra bactérias, mas se mostrou capaz de combater a infecção por Aspergillus fumigatus, fungo mais frequentemente encontrado em ambiente hospitalar e causador da aspergilose, doença que chega a matar 85% dos doentes mesmo após terapia antifúngica.

Além disso, combateu nos animais a infecção por Candida glabrata e Candida auris, duas espécies causadoras de candidíase em humanos também resistentes aos fármacos existentes.

“A cifomicina não foi o primeiro composto com ação antimicrobiana identificado em nosso projeto, mas nenhum outro apresentou esse nível de atividade”, disse Pupo.

A pós-doutoranda Weilan Gomes da Paixão Melo, bolsista FAPESP, participou da coleta dos insetos, do isolamento e da identificação da microbiota. Além disso, conduziu os estudos filogenéticos durante estágio de pesquisa em Madison, no laboratório de Cameron Currie.

O artigo The antimicrobial potential of Streptomyces from insect microbiomes, de Marc G. Chevrette et al, pode ser lido em: www.nature.com/articles/s41467-019-08438-0.

 

Karina Toledo, da Agência FAPESP


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