Criar corregedoria no STF seria prejudicial à sua independência

Especialista entende ainda que mecanismos devem ser aperfeiçoados para acabar com privilégios

 18/02/2019 - Publicado há 5 anos
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jorusp

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Nove em cada dez juízes do Brasil acreditam que o Supremo Tribunal Federal deve se submeter a algum tipo de atividade correicional e apoiam a criação de uma corregedoria interna no próprio tribunal. É o que mostra a pesquisa da Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB), que ouviu mais de 4 mil magistrados do País sobre diversos temas em pauta na sociedade e no Judiciário. Pesquisa anterior foi realizada em 1996. Entre os temas pesquisados, a maioria defende uma mudança no sistema que prevê vagas na magistratura destinadas a advogados e integrantes do Ministério Público: quase 90% dos juízes de primeira instância dizem que o ingresso pelo quinto constitucional não se justifica mais e deve ser suprimido, mesma opinião de 63,4% dos magistrados de segundo grau. A consulta também indica o apoio acima de 80% dos magistrados ao uso de videoconferência nos processos penais. E cerca de 50% dos juízes acreditam que a audiência de custódia é um importante mecanismo de garantia processual do acusado e deve ser aperfeiçoada.

O Jornal da USP no Ar conversou sobre os assuntos da pesquisa com o professor Conrado Hubner, do Departamento de Direito do Estado da Faculdade de Direito (FD) da USP. Ele explica que o STF é um órgão de cúpula e, por conta disso, não está sujeito a mecanismos de controle. “Mas isso não significa que os ministros do Supremo não estejam sujeitos, há o processo de impeachment, por crimes de responsabilidade. E o Supremo também está sujeito a um monitoramento da sociedade civil, é uma corte que está com os holofotes em todo o tempo”.

Panorama da sede do Supremo Tribunal Federal em Brasília – Foto: Cayambe/Wikimedia Commons

Em sua análise, Hubner diz que uma corregedoria prejudicaria o STF. “É muito perigoso pensar nesses mecanismos internos e corporativos para submeter o Supremo Tribunal Federal a esse particular tipo de controle. A política corporativa pode ser prejudicial a um órgão como o STF. O que não significa que a gente não possa pensar em reformar o sistema, tal como existe hoje”. Um dos riscos, segundo o especialista, seria a perda da autonomia e da independência necessárias da Suprema Corte. “É mais importante a gente pensar nos mecanismos e no aperfeiçoamento dos mecanismos de nomeação dos ministros, no aperfeiçoamento dos processos do STF e no aprofundamento desse controle pela esfera pública, pelo debate público, pelo monitoramento dos juízes, pelo que decide a corte, do que esse mecanismo correicional corporativo que pode sujeitar o Supremo a chantagens e pressões”, complementa Hubner.

Na questão da composição da magistratura, atualmente nomeada pelo quinto constitucional, Hubner cita os casos dos tribunais de segunda instância. “Eles são formados por desembargadores que progridem na carreira. Só que os tribunais de segunda instância não são apenas formados por esses que entraram por concurso e progrediram na carreira, ⅕ desses tribunais vem de nomeações das outras instituições jurídicas. O objetivo é arejar o tribunal, não deixar esse tribunal totalmente sujeito à corporação da magistratura, é trazer a experiência de advogados, promotores e procuradores”. Ele afirma que a democratização do Judiciário é um enorme desafio e envolve uma série de fatores. “A magistratura é muito resistente às formas de controle. Ela entende a democratização do Judiciário como ampliação do acesso à justiça. Mas envolve uma série de coisas: progressão de carreira de forma mais transparente, por exemplo. A magistratura brasileira é a mais cara do mundo e há mecanismos muito ilegítimos para a manutenção desses privilégios”.

Sobre o apoio que a audiência de custódia recebeu na pesquisa, o professor acredita que isso seja um sinal positivo a ser considerado. “Ela serve, sobretudo, para que pessoas presas em flagrante sejam sujeitadas imediatamente, ou dentro de 24 horas, a um juiz que possa avaliar essa prisão em flagrante. Esse mecanismo tem sido responsável e certamente deve ser aperfeiçoado, pois é muito importante para se controlar uma taxa muito alta de encarceramento e para investigar eventuais abusos policiais”. Já em relação às videoconferências nos processos penais, Hubner acredita que seria prejudicial ao direito de defesa do acusado.

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