Por aceitação social, mulheres trans e travestis buscam cirurgias faciais

Artigo analisa discursos de gênero construídos em torno das chamadas “cirurgias de feminização facial”

 16/01/2019 - Publicado há 5 anos     Atualizado: 01/03/2019 as 16:57

Foto: Pixabay – CC

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Mais do que simples vaidade, travestis e mulheres transexuais optam pelas chamadas “cirurgias de feminização facial”, que deixam o rosto com um aspecto mais feminino, como forma de aceitação e desejo de reconhecimento social perante suas escolhas e a busca pela extinção do estigma ainda associado à transgeneridade. Um artigo da revista Saúde e Sociedade analisa os “discursos de gênero” sobre as chamadas “cirurgias de feminização facial”, tanto no âmbito científico biomédico como por clínicas que realizam essas cirurgias, atualmente muito populares entre travestis e mulheres transexuais. O autor analisa artigos científicos que abordam procedimentos cirúrgicos da “feminização facial”, cuja base é uma tese de doutorado sobre o Miss T Brasil, concurso de beleza para travestis e mulheres transexuais.

O artigo mostra as conversas em palestras sobre feminização facial cujos participantes são cirurgiões plásticos e o público-alvo da equipe da clínica Facialteam durante as atividades oficiais do concurso de beleza Miss T Brasil, dirigido a travestis e mulheres transexuais, iniciado em 2012 na cidade do Rio de Janeiro. Esse concurso, na verdade, foi “construído como um projeto político, cercando-se de um discurso no qual a construção de uma “visibilidade positiva” por meio da produção e veiculação da imagem de belos corpos de misses era sua tônica principal”. O autor mostra que é preciso desconstruir a imagem que a sociedade associa a travestis: “marginalidade e/ou a uma condição patológica”.

O padrão de beleza feminina em um concurso de beleza se estabelece como socialmente “natural”: harmonia, equilíbrio e proporção, normalmente características valorizadas nas classes mais altas, colocando à margem desse ideal os menos favorecidos economicamente, os quais consideram esses padrões como distantes da realidade popular. As que optam pelas cirurgias buscam “alinhar um rosto que socialmente pode ser identificado como masculino a um corpo geralmente construído e percebido como feminino no meio social”, que se completa com a cirurgia de transgenitalização – processo muito menos aderido do que as cirurgias faciais, segundo o modelo padrão de beleza para mulheres.

 

Foto: Marcos Santos/USP Imagens

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Um dos cirurgiões da equipe do Miss T Brasil Facialteam afirmou que “o gênero está no olhar”, na chamada cirurgia de feminização, enfatizando a transformação da órbita ocular e de sobrancelhas mais femininas, seguidos pelo nariz afinado (em uma valorização racista de traços europeus/caucasianos), o maxilar menos anguloso – todo esse conjunto visa à realização da paciente quer ser visível invisivelmente, ou seja, “ser vista, mas não apontada e identificada a todo momento como uma pessoa trans”, já que, apesar de não negar sua transgeneridade, também não gostaria de conviver no dia a dia com esse preconceito. O assumir publicamente a transgeneridade é “um importante ato político, porém ao mesmo tempo pode constituir um risco em um meio social machista nos quais vivemos”.

O reconhecimento social é buscado como antídoto da discriminação e da violência. O texto propõe que o gênero, na verdade, está no olhar de estranhos, que muitas travestis e mulheres transexuais esperam que seja de aprovação, como “o reconhecimento e a legitimação de sua feminilidade”. Ser considerada bela é o mesmo que ser socialmente identificada como feminina e vice-versa. Para o autor, é preciso ter consciência que a “visibilidade trans” acaba perpassada com normas e restrições da liberdade de ser quem se quer, “distanciando-se das inúmeras possibilidades de ser uma pessoa transgênero que recentes esforços ativistas e políticos buscam publicamente afirmar”.

Aureliano Lopes da Silva Junior é do Laboratório Integrado em Diversidade Sexual e de Gênero, Políticas e Direitos, da Universidade do Estado do Rio de Janeiro – aurelianolopes@gmail.com

SILVA JUNIOR, Aureliano Lopes da. Feminização, estigma e gênero facial: a construção moral do gênero feminino através de cirurgias de feminização facial para mulheres transgêneras. Saúde e Sociedade, São Paulo, v. 27, n. 2, p. 464-480, 2018. ISSN: 1984-0470. DOI: https://doi.org/10.1590/s0104-12902018170771. Disponível em: http://www.revistas.usp.br/sausoc/article/view/148224. Acesso em: 08 out. 2018.

Margareth Artur / Portal de Revistas da USP


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