Revista ilumina acervo raro da Biblioteca Brasiliana

Com “Revista BBM”, Biblioteca Brasiliana Guita e José Mindlin busca visibilidade para suas coleções e pesquisas

 09/01/2019 - Publicado há 5 anos     Atualizado: 10/01/2019 as 16:32
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Sala da Biblioteca de José Mindlin, com vista para a jabuticabeira – Fotos: Acervo Biblioteca Brasiliana Guita e José Mindlin

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“Com a determinação de, a cada número, iluminar porções do vasto conjunto de obras que constitui a Biblioteca Brasiliana Guita e José Mindlin (BBM) da USP – um acervo bibliográfico num país ainda carente de livros, sobretudo livros de alta densidade – (…), a Revista BBM apresenta-se como uma chave alegórica para abrir o espaço da biblioteca a uma diversidade de interesses e gentes”, afirmam os editores Plinio Martins Filho, professor da Escola de Comunicações e Artes (ECA) da USP, e Carlos Alberto de Moura Ribeiro Zeron, diretor da BBM.

Segundo os editores, a revista, neste primeiro momento, expõe pesquisas feitas com base no rico acervo da biblioteca e, “curiosa e deliciosamente, algumas de suas gralhas, pastéis e afins”. É o caso do texto de Thiago Mio Salla, doutor em Ciências da Comunicação e em Letras pela USP, que apresenta a segunda edição de Poesias completas, de Machado de Assis, publicada em 1902, na qual a primeira sílaba da palavra cegara foi estampada não com “e” mas com “a”, o que alterou de forma radical o sentido da frase.

Nesta edição de estreia, o destaque é o dossiê Viajantes, com textos dedicados aos relatos de visitantes que, em sua maioria, chegaram ao Brasil com o estabelecimento da corte portuguesa. O tema tem atravessado séculos e ainda hoje é objeto de pesquisas de estudiosos e teóricos, que buscam nesses diários informações históricas, estéticas e literárias.

Os editores citam alguns dos mais célebres viajantes franceses, como Jean-Baptiste Debret, Voyage pittoresque et historique au Brésil (1839), Charles Ribeyrolles, Brésil pittoresque (1859), e Auguste de Saint-Hilaire, Voyage aux sources du Rio de S. Francisco et dans la province de Goyaz (1847). Ou, ainda, o alemão Friedrich Wilhelm Sieber, voltado a estudos geológicos e botânicos na bacia amazônica, e os naturalistas, também alemães, Georg Freyreiss (1789-1825) e Friedrich Sellow (1789-1831) acompanhando o príncipe Maximilian von Wied-Neuwied. Todo esse material constitui um importante legado da vida pessoal dos exploradores, revelando impressões sobre a descoberta do novo território, não apenas sobre suas dimensões gigantescas, mas também por sua diversidade étnica e geográfica.
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Le Brésil, ou Histoire des Mouers, Usages et Coutumes des Habitantes de ce Royaume. Tome Cinquième (1822), de Ferdinand Denis e Hippolyte Taunay – Fotos: Acervo Biblioteca Brasiliana Guita e José Mindlin
Viagem Pitoresca Através do Brasil (1989), Joham Moritz Rugendas – Fotos: Acervo Biblioteca Brasiliana Guita e José Mindlin

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O título que abre o dossiê, Representações e redes transatlânticas – relações França-Brasil nos escritos de um viajante oitocentista, apresenta o resultado do projeto de pesquisa de Ana Beatriz Demarchi Barel, da Universidade Estadual de Goiás (UEG), junto à BBM acerca de dois textos que integram o conjunto da obra do viajante, historiador e escritor francês Ferdinand Denis (1789-1890), um dos mais importantes atores das relações franco-brasileiras do século 19.

Segundo a pesquisadora, Ferdinand Denis vem ao Brasil, assim como muitos viajantes europeus, em busca de fortuna, tendo vivido no País entre 1816 e 1819. “Ele viajará pelo País, durante esse período, descrevendo, em seu diário e nas cartas enviadas à família, as paisagens, os hábitos e os costumes brasileiros. Seus escritos, material epistolar de natureza íntima e familiar, se aliam a um precioso acervo de informações sobre o Brasil oitocentista compreendido pelo olhar estrangeiro – sua natureza, suas cidades, seus costumes, seus habitantes e a forma como se relacionam em sociedade –, reflexões sobre nossa produção literária”, escreve Ana Beatriz.

Frei Agostinho de Jesus (c.1600/10-1661) – um artista beneditino na fronteira entre dois mundos – a América portuguesa e espanhola é assunto do arquiteto Rafael Schunk, enquanto relatos fantásticos de inúmeros viajantes coloniais, entre eles Jean de Léry, são tratados pelo sociólogo Carlos Alberto Dória. Como o próprio Léry descreve: “[…] depois de minha viagem à América […] Devo confessar que, embora não aceitando como verdadeiras as fábulas encontradiças em vários autores […] vi coisas tão prodigiosas quanto tantas outras tidas por impossíveis. Completa o dossiê texto do historiador Marcos Horácio Gomes Dias, contextualizando a exploração das minas no século 18, passando por Minas Gerais e Goiás.
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Capa do romance Frida Meyer, de Vivaldo Coaracy (Companhia Graphico – Editora Monteiro Lobato) – Fotos: Acervo Biblioteca Brasiliana Guita e José Mindlin
Viagem Pitoresca Através do Brasil (1989), Joham Moritz Rugendas – Fotos: Acervo Biblioteca Brasiliana Guita e José Mindlin
Viagem Pitoresca Através do Brasil (1989), Joham Moritz Rugendas – Fotos: Acervo Biblioteca Brasiliana Guita e José Mindlin

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A revista traz ainda a seção Raros e raríssimos, em que Milena Ribeiro Martins, da Universidade Federal do Paraná (UFPR) se debruça no romance Frida Meyer, de Vivaldo Coaracy, para tratar da sociabilidade feminina nos anos 1920 em Porto Alegre. Já em Memória, Ana Luiza Martins expõe sua experiência de investigação na Biblioteca Mindlin e presta homenagem ao bibliófilo José Mindlin.

Em Publicações BBM, a invenção das “brasilianas” no século 20 é tratada por Thiago Lima Nicodemo, da Universidade de Campinas (Unicamp), que relata a contribuição  de Rubens Borba de Moraes (1899-1986), bibliotecário, bibliógrafo, bibliófilo e historiador, para a construção da coleção Guita e José Mindlin. Fecha a publicação, as Oito viagens de Gustavo Piqueira, resenha da professora da ECA Marisa Midori Deaecto para o livro As oito viagens ao Brasil, que reúne oito pequenas brochuras contendo diferentes versões das viagens ao Novo Mundo. Como a própria autora diz: “São oito viagens que podem bem ser lidas como oito viagens de um viajante deslocado no turbilhão de imagens sem memória que invadem nossas cidades”.

O projeto

Plinio Martins Filho conta que, quando ingressou na Brasiliana, tinha como projeto desenvolver um setor de publicações, como existe em todas as grandes bibliotecas. O objetivo seria divulgar o acervo, as publicações, fac-símiles e, sobretudo, as pesquisas feitas na BBM, além das suas atividades, como os seminários acerca da bibliofilia, das brasilianas e de tudo que diz respeito ao livro.

Esse objetivo é reiterado pelo diretor da BBM, que ressalta a especificidade da biblioteca e o acesso restrito a pesquisadores. “Com a revista, queremos divulgar as pesquisas realizadas com base no acervo”, diz Zeron. Ele também adianta que a perspectiva é digitalizar toda a coleção da biblioteca.

A edição da Revista BBM tem 188 páginas e sua viabilidade contou com o apoio de duas empresas: a Casa Rex, de Gustavo Piqueira, que realizou todo o projeto gráfico, e da Gráfica Santa Marta, com a impressão dos 1 mil exemplares. Segundo Martins Filho, haverá distribuição em bibliotecas públicas, mas uma parte também será comercializada pela Editora da USP (Edusp). Uma versão on-line, com todo o conteúdo da revista impressa, segue em preparação.

Com periodicidade semestral, a próxima edição, prevista para junho ou julho deste ano, traz o tema “Bibliofilias: circuitos e memórias”, além de temas sobre preservação e conservação que estiveram presentes em um seminário dedicado a Guita Mindlin. Segundo os editores, a tarefa da revista não é pequena. Com seções que não são fixas e podem mudar a cada novo número de acordo com o tema, seus conteúdos “abarcam a raridade de determinadas obras, os pastéis (…), a bibliofilia e o estudo das formas imateriais de edição e mesmo correção e circulação de uma obra. O que significa dizer uma promessa de felicidade – para tomar de empréstimo uma expressão de Stendhal – para quem ama os livros”.

O primeiro número da Revista BBM (Publicações BBM, 188 págs., R$ 35,00) pode ser adquirido em todas as livrarias da Edusp. Mais informações pelo e-mail bbm@usp.br ou pelo telefone (11) 2648-0310.


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