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Quase todo mundo sabe que a palavra saudade só existe na língua portuguesa, “os outros idiomas não têm tradução para saudade, costuma-se destacar”. Porém, o sentimento que ela expressa, de falta, de ausência de pessoas ou situações não é exclusividade de ninguém, é universal. Mas, afinal, o que é a saudade? “As respostas não darão conta desse sentimento. Apesar de alguns debates já terem sido levantados, a saudade segue conservando certo ar de mistério”, afirma Michel de Oliveira. Em artigo publicado na revista Novos Olhares ele põe em pauta a relação entre saudade e fotografia, e reflete sobre os novos modos de existir desta última na atualidade.
Todos concordam que se sente saudade daquilo que se perdeu, e o autor, no texto, apresenta a fotografia como uma espécie de recuperação do perdido, da falta, do que se perdeu, que se amou e que não mais existe. A saudade é observada como resgate do passado. Assim, a fotografia é uma forma de amenizar a saudade, tornando atemporal e eterno aquilo do qual se sente saudade. O texto expõe as perdas relacionadas com a fotografia: “dos entes queridos que não mais existem – imortalizados nos retratos –, da materialidade da imagem e da vocação mnemônica atribuída aos registros da câmera” que, nesse caso, retrata, além de outros objetivos sociais, “sua vocação de tristeza, a suscitar saudades”.
Como é um tema bastante subjetivo, pesquisas científicas sobre o mesmo têm seu limite, e os poucos estudiosos que o tratam apontam a saudade e sua relação com a ausência, afirmando que essa só está presente por “estar envolvida com outro sentimento tão incógnito e indefinível quanto a saudade: o amor. Só faz falta aquilo que se ama”. É justamente a saudade, com seus paradoxos de dor e prazer, que aplaca a falta eterna deixada pelos que se foram. A saudade ultrapassa as barreiras do tempo, que é “único, que sobrepõe presente, passado e a noção de futuro”. Já a fotografia é como a materialização presente do que está ausente e, dessa maneira, a imagem fotográfica cria uma segunda realidade da saudade, que passa a ser a representação da mesma (já que não se pode fotografar o real).
Se todo o contexto que envolve a fotografia desaparece – as pessoas retratadas, as cenas, os fotógrafos -, a fotografia é a única que permanece. Com o advento da fotografia digital, tem-se outra perda, além daquilo que se ama: o “suporte material da imagem […] sem superfície palpável […] imagem errante, aparição luminosa de códigos informáticos”. O autor alerta para o fato de que, como são suportes materiais, as fotografias “perdem a dimensão do tato, do cheiro de coisa guardada, aspectos que se somavam ao suporte visual na evocação de lembranças”. O acervo fotográfico que permanece somente nos arquivos digitais está sujeito à extinção, a que o autor denomina como uma terceira perda: o enfraquecimento da memória, a não preservação da história da família, de uma época, de um acontecimento marcante.
Na sociedade de hoje, sobrepõe-se o imediatismo, um foco no agora que torna os registros fotográficos cada vez mais descartáveis e passíveis de esquecimento. O mundo virtual requer sempre a novidade, e as fotos postadas em um determinado momento desaparecerão, pois entrarão na cena das redes sociais novas fotos, transitórias, “incapazes de suscitar recordações”. Assim, diante da iminência de extinção, a fotografia “encontra outras configurações para existir, tirando das perdas a força para continuar”. Nesse contexto, o autor finaliza com um questionamento: “quantas saudades cabem em uma fotografia?”.
Michel de Oliveira – Doutorando do Programa de Pós-Graduação em Comunicação e Informação da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, mestre em Comunicação e especialista em Fotografia: práxis e discurso pela Universidade Federal de Londrina e bolsista da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes). E-mail michel.os@hotmail.com.br
Artigo
OLIVEIRA, Michel de. Fotografia e saudade: três considerações sobre a perda. Novos Olhares, São Paulo, v. 7, n. 1, p. 56-65, jul. 2018. ISSN: 2238-7714. DOI: http://dx.doi.org/10.11606/issn.2238-7714.no.2018.134327. Disponível em: http://www.revistas.usp.br/novosolhares/article/view/134327/141084 . Acesso em: 21 ago. 2018.
Margareth Artur / Portal de Revistas da USP