Estudo revela o que brasileiro faz no tempo livre e como escolaridade influencia

Alguns associam o lazer a atividades sociais e esportivas, outros a experiências culturais e intelectuais

 15/10/2018 - Publicado há 6 anos     Atualizado: 12/11/2018 as 13:31
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Pesquisadores entrevistaram 2.400 pessoas em todas as regiões do País para saber o que os brasileiros faziam em seu tempo livre e o que gostariam de fazer caso não houvesse nenhum impedimento – Foto: Divulgação / PRCEU via Giro Cultural

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Lazer e formação escolar estão intrinsecamente ligados. Para além das barreiras econômicas que determinam as escolhas, as pessoas com menores níveis de escolaridade associam o lazer às atividades de caráter social (encontros com amigos e familiares) e às de cunho físico esportivo (o futebol, por exemplo). As com maiores níveis de escolaridade expandem sua percepção e buscam uma maior variedade de experiências, como as artísticas (teatro e cinema) e as intelectuais (leitura de livros e visita a museus). Esse panorama foi traçado por pesquisa inédita de âmbito nacional que entrevistou 2.400 pessoas em todas as regiões do País. O objetivo era saber o que elas faziam em seu tempo livre e o que gostariam de fazer em seu lazer se não houvesse restrições. O estudo envolveu sete universidades brasileiras, incluindo pesquisadores e alunos da Escola de Artes, Ciências e Humanidades (EACH) da USP.

Professor Ricardo Ricci Uvinha, vice-diretor da EACH e um dos pesquisadores envolvidos no estudo – Foto: Cecília Bastos / USP Imagens

O vice-diretor da EACH e um dos pesquisadores envolvidos no estudo, Ricardo Ricci Uvinha observou que, no geral, os brasileiros possuem uma visão reducionista a respeito do lazer: normalmente, associam ao descanso, ao entretenimento alienante ou à possibilidade de consumo de conteúdos culturais de forma passiva, como assistir televisão, por exemplo. Os dados confirmam o que diz o pesquisador. Dos entrevistados, 77% associam a palavra lazer ao divertimento, 20% ao descanso e apenas 0,3% à perspectiva de desenvolvimento social.

Quando foi feito o cruzamento de dados com o nível de escolaridade, a pesquisa verificou que, dos 2.400 entrevistados, 39% possuíam apenas o ensino fundamental. Na opinião do pesquisador, a escolaridade teve grande influência quanto aos fatores que dificultaram as pessoas a ter uma consciência mais crítica sobre o assunto. “O lazer é um direito garantido na Declaração Universal dos Direitos Humanos e na Constituição do Brasil e, quando compreendido de forma mais ampla, pode se tornar uma dimensão social que auxilia no desenvolvimento da educação, na aquisição de conhecimento e na autonomia do indivíduo”, explica Ricardo Uvinha.

Giro Cultural é um programa que permite conhecer o patrimônio arquitetônico, artístico e cultural da USP – Foto: Cecília Bastos / USP Imagens

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Outra questão que a pesquisa constatou foi que viajar é um desejo unânime em todas as classes sociais, mas as pessoas não o fazem por barreiras econômicas ou restrições de tempo. Na pesquisa, isso se refletiu quando foi perguntado o que gostariam de fazer (e não o que fazem ) no tempo livre. O turismo apareceu como resposta de maior destaque entre todos os entrevistados. No entanto, quando foram questionados sobre o motivo pelo qual não viajavam, as respostas se diferenciaram. Os de nível escolar mais baixo alegaram falta de dinheiro, enquanto os de nível mais alto citaram a falta de tempo como impeditivo para aproveitarem mais a vida viajando. Neste último grupo, o porcentual é mais relevante ainda quando se trata dos que possuíam pós-graduação, cerca de 57%.

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A pesquisa chamou a atenção também para a sobreposição dos fatores econômico e de formação escolar que impediam as pessoas de realizarem atividade de turismo. No caso das pessoas que tinham menor escolaridade também justificaram a questão da renda familiar como barreira para viajar. No Brasil, este aspecto é relevante porque, segundo levantamento feito pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, 4,4% dos domicílios não possuem renda, 14,7% têm renda de até um salário mínimo e 21,5%, entre um e dois salários mínimos. Segundo Ricardo Uvinha, a situação pode ser explicada quando se imagina que um indivíduo que tenha que trabalhar diuturnamente para sobreviver dificilmente priorizará tempo e dinheiro para usufruir de algum tipo de atividade de lazer. Na opinião do pesquisador, “o lazer tem ficado cada vez mais mercantilizado e associado ao consumo, em oposição ao seu necessário entendimento como um direito social”, relata.

Os que possuem mais escolaridade expandem seus horizontes e usufruem também de atividades artísticas e culturais – Foto: Cecília Bastos / USP Imagens

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Durante as férias, as diferenças de vivências de lazer também destoaram entre os que têm mais e menos renda. Aqueles com menores índices apontaram o ócio (compreendido na pesquisa como o não fazer nada) como principal ocupação durante as férias, enquanto que os com maior renda disseram que viajavam. A pesquisa corrobora tais premissas identificando que os brasileiros que recebem acima de vinte salários mínimos são os que mais fazem turismo, 50,9% .

Para minimizar as lacunas existentes entre diferentes classes sociais nas vivências de atividades de lazer, Ricardo Uvinha propõe ações efetivas que possibilitem o acesso gratuito das pessoas às modalidades de caráter cultural – como visitas a museus, cinemas, teatros, concertos, dentre outros. Como exemplo, cita o  Giro Cultural USP, um programa da Pró-Reitoria de Cultura e Extensão Universitária que promove passeios gratuitos à população. O objetivo é divulgar o patrimônio arquitetônico, artístico e cultural da Universidade. Atualmente, são três roteiros. O professor Ricardo Uvinha é o coordenador do programa.

A pesquisa, financiada pelo Ministério do Esporte do governo federal, foi publicada em formato de artigo intitulado Leisure practices in Brazil: a national survey on education, income, and social class no World Leisure Journal. O estudo também deu base à publicação do recente livro Lazer no Brasil: grupos de pesquisa e associações temáticas (Edições Sesc, 2018).

Mais informações: e-mail uvinha@usp.br, com o professor Ricardo Ricci Uvinha


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