Audálio, o jornalista que fez história

Luiz Roberto Serrano é jornalista e superintendente de Comunicação Social da USP

 31/05/2018 - Publicado há 6 anos     Atualizado: 05/06/2018 as 15:46

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Luiz Roberto Serrano – Foto: Divulgação

 

Por amarga ironia do destino, Audálio Dantas, ex-presidente do Sindicato dos Jornalistas de São Paulo, morreu nesta quinta-feira, 30/5, na qual o Jornal da USP publica, no dossiê da Comissão da Verdade da USP, o assassinato do jornalista Vladimir Herzog, em 1975, como um dos casos emblemáticos das tenebrosas páginas da repressão do regime militar.

Naqueles sombrios dias de 1975, Audálio fez história à frente do Sindicato. Liderou os jornalistas e a sociedade civil num movimento de protesto para dar um basta na tirania reinante, que eliminava adversários políticos nos porões dos órgãos de repressão, apesar das promessas de “distensão lenta e gradual” do governo do general Geisel.

O horizonte ainda estava toldado por incertezas e o medo fazia parte do dia a dia. A trágica morte de Herzog nos fez superá-lo e lotar a Catedral da Sé e suas imediações, em São Paulo, num ato ecumênico que expressou a indignação com o que se vivia (ou morria) no País. Audálio estava lá, no altar, ao lado de Dom Paulo Evaristo Arns, do rabino Henry Sobel e do pastor James Wright, que abençoavam e protegiam nossa indignação.

Passaram-se dez anos antes que o regime militar devolvesse o governo aos civis, mas aquele ato na Catedral demarcou que essa devolução aconteceria, mais cedo ou mais tarde.

Ao se eleger presidente do Sindicato dos Jornalistas de São Paulo, apoiado por uma frente ampla de jornalistas, Audálio colocou seu talento, já fartamente demonstrado em sua carreira como repórter, a serviço da restauração da democracia.

Foi o primeiro presidente da Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj) eleito pelo voto direto, reflexo da ampla renovação política por que passavam os sindicatos estaduais de jornalistas em todo o País. E em 1978, elegeu-se deputado federal pelo então Movimento Democrático Brasileiro, o MDB, e foi considerado um dos dez parlamentares mais influentes daquela legislatura.

Audálio foi o típico jornalista cidadão, profissional que se dedica às causas públicas, seja em uma redação ou outros espaços. Em sua longa trajetória pelas redações mais importantes do Brasil – ocuparia muito espaço enumerá-las todas – sempre contou histórias que levassem o brasileiro a conhecer melhor o seu país, suas mazelas e suas riquezas, seus problemas e seus potenciais, suas alegrias e seus dramas – a começar pela organização do best-seller Quarto de Despejo, de Carolina de Jesus, em 1960, um relato das agruras da vida em favelas de São Paulo.

Em entidades como a Associação Brasileira de Imprensa, a ABI e diversas fundações, como a Ulysses Guimarães, por exemplo, defendeu o bom jornalismo e as causas democráticas. Foi bastante premiado por tudo que realizou, inclusive pela ONU por sua luta pelos direitos humanos.

Audálio foi o típico jornalista cidadão, profissional que se dedica às causas públicas, seja em uma redação ou outros espaços.”

Foram 89 anos bem vividos pelo menino que saiu duas vezes, aos 5 e aos 12 anos, de Tanque D’Arca, no agreste de Alagoas, e se encantou, ainda criança, pelas letras, como seu inspirador, Graciliano Ramos. E veio brilhar, como jornalista e ativista, nos principais centros deste Brasil tão promissor e tão confuso.

Descanse em paz, Audálio.

 

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