“Revista USP” debate a imigração e o refúgio no mundo globalizado

O novo dossiê “Interculturalidades” apresenta artigos que abordam xenofobia, racismo, memória e a intolerância

 16/01/2018 - Publicado há 6 anos
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Crise dos refugiados é um dos assuntos da nova Revista USP – Foto: Manu Gomez/Fotomovimiento

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Refletir sobre o momento que a sociedade contemporânea atravessa entre o drama de refugiados sírios, africanos e em um cenário onde o desafio é combater a xenofobia, o racismo e a intolerância é um dos propósitos do dossiê Interculturalidades que a Revista USP está lançando. Organizado pela professora Sylvia Dantas, coordenadora do Grupo de Pesquisa Diálogos Interculturais do Instituto de Estudos Avançados (IEA) da USP, reúne artigos de professores de diversas áreas que observam e questionam os deslocamentos humanos no mundo globalizado.

“Interculturalidade é um termo que assinala uma dimensão de interação, contato entre pessoas de culturas distintas”, explica Sylvia Dantas no texto de apresentação. “Segundo a Organização das Nações Unidas, cerca de 244 milhões de pessoas residem em um país diferente daquele onde nasceram, um aumento de 41% em relação ao ano 2000. Destes, quase 20 milhões são refugiados. Este número se eleva consideravelmente se levarmos em conta os filhos de migrantes que nascem nos países onde seus pais se estabeleceram.”

Sylvia lembra que o Brasil entra na dinâmica da migração internacional, enviando e recebendo imigrantes. “Constituímos, portanto, uma sociedade plural e aprofundar a temática migratória revela os processos presentes na formação da sociedade brasileira e nos aproxima de um fenômeno extremamente dinâmico. Quem hoje chega, amanhã pode estar partindo.

Com efeito, faz-se necessário debater mais sobre xenofobia, racismo e intolerâncias várias…

Paulo Daniel Farah, professor da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP, aborda a discriminação contra imigrantes e refugiados. “Com efeito, faz-se necessário debater mais, no Brasil e no mundo, sobre xenofobia, racismo e intolerâncias várias e sobre formas de enfrentá-los em contextos que não se restrinjam a ações imediatistas pós-assassinatos e outras atrocidades”, protesta. “De um lado, observam-se iniciativas no campo da judicialização que visam a deter pessoas que incitam ao ódio e à violência. De outro, ações educativas promovem conscientização e humanização ao mesmo tempo em que reduzem estranhamentos e preconceitos.”
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“Interculturalidade é um termo que assinala uma dimensão de interação, contato entre pessoas de culturas distintas” – Arte sobre foto de Marcos Santos/USP Imagens

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O dossiê traz também um encontro com o brasileiro-congolês, Kabengele Munanga, professor de Antropologia da USP. A conversa foi coordenada e registrada por Sylvia Dantas, Ligia Ferreira e Maura Pardini Bicudo Veras, integrantes do Grupo Diálogos Interculturais do IEA – USP. Munanga, especialista na questão da identidade negra do Brasil, fala sobre os 20 anos de colonização na República Democrática do Congo que define como “uma verdadeira lavagem cerebral na educação da população”.
Os deslocamentos para São Paulo são analisados no artigo de Maura Pardini Bicudo Véras, professora de Sociologia e do Programa de Estudos Pós-Graduados em Ciências Sociais da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. “Um retrato impressionista sobre a realidade paulistana, ao percorrer suas áreas centrais, vai evocar um quadro no já conhecido e descrito fervilhar de transeuntes, na imagem de um formigueiro de pessoas apressadas.”, descreve. “Nesse espaço de circulação, podem-se ver pessoas de diferentes etnias, cores e lugares, marcando a cidade e se metamorfoseando nos espaços públicos, comércios, ambulantes de tecidos, produtos alimentícios, industrializados de marca e sem marca…”

Munanga, especialista na questão da identidade negra do Brasil, fala sobre os 20 anos de colonização na República Democrática do Congo, que define como “uma verdadeira lavagem cerebral na educação da população”.

Segundo Sylvia Dantas, no artigo Saúde mental, interculturalidade e imigração, os deslocamentos e seus contatos interculturais apresentam desafios subjetivos profundos tanto para quem imigra como para as sociedades que recebem os novos grupos. “No Brasil, ao lado de iniciativas exitosas de acolhimento, presenciamos situações de discriminação, estigmatização e patologização, por parte de uma sociedade comumente vista como hospitaleira.”

Histórias do apartheid, memória e pertencimento entre a população da diáspora sul-africana na Austrália é o artigo assinado por Christopher C. Sonn, professor em Psicologia Comunitária da Universidade de Victória, na Austrália, e Garth Stevens, psicólogo e professor da Universidade de Witwatersrand, na África do Sul. “O movimento geográfico humano não é um fenômeno novo, mas a história da modernidade ocidental é particularmente marcada pelo tráfico negreiro entre o Atlântico e o Pacífico, a colonização de muitas nações do Sul global e o deslocamento forçado de muitos povos”, analisam. Neste artigo, os professores têm como meta expandir a história oficial pela inclusão de histórias e narrativas de pessoas comuns sobre a vida durante o apartheid.

Nos dias de hoje, o volume de pessoas que circulam o mundo, deixando seus países para habitar outras localidades é sem precedentes…

Adriana Capuano de Oliveira, professora adjunta da Universidade Federal do ABC, propõe uma leitura abrangente de um panorama sobre a complexidade que envolve os sentimentos de pertença e identidade em um mundo de deslocamentos crescentes. “Diante da realidade de milhões de refugiados e tantos outros milhões de pessoas que partem de forma voluntária de seus países de origem em busca de melhores condições de trabalho, criando cenas que acabam chocando a opinião pública mundial, como conceber o futuro?”, questiona.

A partir da palavra “alma”, usado originalmente na obra de Freud, o artigo de Plinio Montagna, professor da Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo, discute a migração humana em seus componentes intra e interpsíquicos, aspectos identitários e as ansiedades despertadas em processo de potencial traumático, podendo levar a experiências de despersonalização e desrealização.
No artigo O Perfil sociodemográfico e de saúde dos retornados mineiros para a região de Governador Valadares, o médico C. Eduardo Siqueira, professor da University of Massachusetts Boston e a socióloga Sueli Siqueira, professora da Universidade Vale do Rio Doce, apresentam um estudo sobre trabalhadores imigrantes brasileiros em Massachusetts e na região em torno de Governador Valadares, mostrando o perfil de sua saúde em empregos precários que demandavam grande esforço físico.

Serviço

Revista USP, número 114, dossiê Interculturalidades, 200 páginas.

Publicação da Superintendência de Comunicação Social. Preço: R$ 20,00


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