Tecnologias astronômicas são essenciais para descoberta e estudo de exoplanetas

De acordo com Roberto Dell’Aglio Dias da Costa, biomarcadores de planetas são a principal forma de analisar a sua habitabilidade

 Publicado: 20/09/2024 às 12:11
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Imagem do universo, com o planeta Terra se destacando em meio a milhares de estrelas
Atualmente já são cerca de 5.700 exoplanetas catalogados e o número está crescendo exponencialmente – Foto: Min An/Pexels
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Em estudos recentes, descobriu-se que o planeta Gliese 12b tem potenciais habitáveis, já que está na fronteira interna da zona habitável, conceito que define a região ao redor de uma estrela onde é possível a existência de água líquida em superfícies planetárias. A hipótese — ainda muito vaga — é de que ele tenha em torno de 42°C de temperatura na superfície, inferior à da maioria dos exoplanetas previamente confirmados pelos astrônomos.

De acordo com Roberto Dell’Aglio Dias da Costa, professor do Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas (IAG) da Universidade de São Paulo, o planeta também está em torno de uma estrela fraca — o que facilita seu estudo. Outros pontos apontados são que o planeta está a uma distância de apenas 40 anos-luz do nosso sistema solar, além de possuir um período orbital muito rápido por conta da sua proximidade com sua estrela, em torno de 12 dias.

Contudo, muitos estudos ainda precisam ser feitos para analisar as hipóteses criadas sobre o planeta. “O primeiro passo crítico é tentar ver se ele tem atmosfera ou não, porque isso muda completamente as condições de habitabilidade. Se ele não tiver, em termos de habitabilidade, que é um conceito relacionado com zona habitável, já cairia muito a possibilidade. Se tiver, é o caso de entender que tipo de atmosfera é. Outra coisa que teria que ser estudada é se ele tem travamento, se ele tem órbita síncrona ou não, como o caso da Lua em relação à Terra — a Lua tem sempre a mesma face voltada para a Terra, o período de rotação é o mesmo período orbital. Isso não é incomum para objetos menos massivos próximos de objetos muito massivos, então é outra variável que precisaria ser entendida dos modelos”, afirma.

Descoberta e estudo de exoplanetas

Atualmente, já são cerca de 5.700 exoplanetas catalogados, e o número está crescendo exponencialmente, algo impensável poucas décadas atrás. Dell’Aglio Costa comenta que, segundo dados do satélite Kepler, lançado em 2009 especificamente para procurar exoplanetas, a grande maioria das estrelas têm planetas — não é uma exceção, como se imaginava até o início dos anos 1990. O docente conta que, apenas na Via Láctea, existem entre 200 a 400 bilhões de estrelas, o que significa que há provavelmente trilhões de planetas. “A quantidade de planetas que se conhece ainda é muito pouca em relação à quantidade estimada, então ainda não dá para formular uma teoria geral da formação de planetas ou da evolução de planetas”, complementa.

Roberto Dell’Aglio Dias da Costa  – Foto: Reprodução/Lattes

Sobre os planetas que se tem conhecimento, ele ainda diz: “A amostragem que se tem é muito enviesada por uma razão bem simples, é muito mais fácil descobrir planetas gigantes gasosos, como Júpiter, do que planetas pequenos e rochosos, como a Terra”. Além disso, ele questiona a própria definição de habitabilidade, já que ela é definida de acordo com conceitos antropocêntricos, baseando toda estatística de vida a partir de um único ponto — apesar de não sabermos se os conceitos usados para essa questão estão realmente completos, fato é que a procura por evidências de vida é algo estudado e analisado por especialistas e, para isso, Dell’Aglio Costa explica que é utilizado o conceito de biomarcadores.

Análise de atmosfera: biomarcadores

O professor relata que os biomarcadores de planetas seriam evidências químicas da atividade biológica possíveis de serem detectadas com espectroscopia, uma técnica de decomposição da luz, suas cores e detalhes em um telescópio profissional, a fim de procurar traços de moléculas. “A ideia é procurar, através da espectroscopia, evidências da existência de vida. Os biomarcadores que indicam vida na atmosfera da Terra são metano, resultante da decomposição da matéria orgânica, e ozônio, resultante do oxigênio produzido pela fotossíntese”, completa.

Para essa busca e análise, Dell’Aglio Costa informa que é preciso telescópios muito grandes — os maiores telescópios profissionais em funcionamento estão na faixa de oito a dez metros de diâmetro, mas há uma outra geração de telescópios sendo construída, os chamados ELTs (Extremely Large Telescopes), na faixa de 30 metros para mais de diâmetro. Ele afirma que, com telescópios desse porte, vai ser possível procurar biomarcadores em atmosferas de exoplanetas, por multiplicar consideravelmente a sua área coletora, mas alerta: “Isso significa que vamos ter instrumentos capazes de coletar muito mais luz e, portanto, de atacar problemas astronômicos novos que, com a tecnologia atual, ainda não são possíveis. Mas não podemos tirar conclusões precipitadas, vida é uma coisa, vida complexa é outra. São conceitos bem diferentes, vida simples, vida complexa, vida inteligente, vida civilizada, vida civilizada tecnológica”.

Telescópios avançados

Os ELTs, comentados pelo especialista, são a próxima geração dos telescópios terrestres. Historicamente, as gerações de telescópios têm se sucedido em uma escala de 20 a 30 anos — por volta dos anos 1920 e 1930 foram projetados telescópios com cinco metros de diâmetro (mas só foram entrar em funcionamento no final dos anos 1940, por conta da Segunda Guerra Mundial); entre os anos 1970 e 1980, surgiram telescópios com a mesma faixa de diâmetro, mas equipados com eletrônica analógica. A geração seguinte, que surgiu a partir dos anos 1990 e ainda é utilizada atualmente, obteve um grande salto tecnológico, com o suporte da eletrônica digital e na faixa de oito a dez metros de diâmetro.

Nessa geração, outras mudanças, como uma montagem altazimutal, técnicas de óptica ativa e diminuição da espessura dos espelhos — podendo ter até dez centímetros, como no caso do Observatório Gemini, consórcio de dois telescópios idênticos do qual o Brasil faz parte — também foram feitas. A próxima geração, ainda em fase de construção, deve começar a ser operada até o início dos anos 2030, de acordo com Dell’Aglio Costa: “Tanto o GMT (Giant Magellan Telescope), consórcio do qual o Estado de São Paulo faz parte, quanto o E-ELT (European Extremely Large Telescope) devem estar prontos entre 2030 e 2032. Sempre pode ter imprevistos de construção, não tem nenhuma economia de escala que dê para aplicar uma fórmula que já existe e faz mais um. Tudo tem que construir, projetar desde o começo, testar do zero, então atrasos são bem naturais nesse tipo de projeto”.

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Além dessas tecnologias, o professor comenta que a utilização de outros meios para análises astronômicas, como os telescópios espaciais, também são feitas — um exemplo é o James Webb, que opera no infravermelho (algo impossível de ser feito, de forma satisfatória, na atmosfera da Terra). Sobre isso, ele conclui: “Além de permitir o infravermelho, a qualidade da imagem é muito melhor, porque não tem a turbulência do ar, então é uma ferramenta absolutamente indispensável para estudar exoplanetas. Os telescópios terrestres têm o problema da atmosfera, da turbulência, mas aí ganham em área, o poder coletor de luz é muito maior. Então esses equipamentos todos se complementam”.

*Sob supervisão de Paulo Capuzzo e Cinderela Caldeira


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