As lutas, motivações e dificuldades das comunidades de imigrantes que contribuíram para a formação do Brasil atual – portugueses, italianos, judeus, alemães, espanhóis e italianos, entre outros – estão narradas no livro Histórias Migrantes – Caminhos Cruzados, organizado pelos professores Sedi Hirano e Maria Luiza Tucci Carneiro, ambos da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP. Publicado pela Editora Humanitas, o livro traz 18 ensaios de especialistas em migração, que discutem temas como fontes documentais da imigração judaica no Brasil, os retratos de imigrantes no Arquivo Nacional, as rotas de fuga dos fugitivos do nazismo e a recepção dos imigrantes japoneses e espanhóis no Brasil.
“Os autores desta coletânea procuraram resgatar, através de seus projetos individuais e coletivos, os fatores e os atores que, de alguma forma, contribuíram para a composição da população e da cultura brasileira”, escreve a professora Maria Luiza, do Departamento de História da FFLCH, na apresentação do livro. Ela destaca que os autores, em seus artigos, buscam identificar como cada grupo de imigrantes reagiu nos seus países de origem às pressões demográficas, culturais, políticas e econômicas que o levaram a emigrar. “Em muitas situações, a guerra, a fome, o racismo e a superpopulação despontaram como fatores promotores da ‘vontade ou do ato de emigrar'”, escreve a professora. “Estes estudos, fundamentados em fontes primárias e secundárias, passam das sociedades expulsoras (comunidades de origem) para as receptoras, em busca dos laços sociais que continuam a unir os imigrantes, cujos caminhos se cruzam nas cidades grandes e pequenas, nas zonas rural e urbana.”
.
.
Esses “caminhos cruzados” de imigrantes no Brasil estão descritos, por exemplo, no acervo do Arquivo Histórico Judaico Brasileiro (AHJB), tema de artigo assinado por Lucia Chermont, que abre o livro Histórias Migrantes. Fundado em 1976 por iniciativa de um grupo de alunos e professores da USP, o AHJB possui cerca de 11 mil livros em vários idiomas, além de 8 mil obras em iídiche. Conta também com 12 mil periódicos, entre jornais e revistas, e 40 mil imagens. “Essa documentação permite estudar as diversas formas de inserção dos imigrantes em São Paulo e outros centros urbanos do País e como se deu a organização de comunidades e outras formas de associação baseadas em etnicidade”, escreve Lucia. “São fontes que permitem a realização de pesquisas sobre etnicidade no País e temas como questões de gênero, associativismo e cooperativismo, produção cultural, atividades políticas, assistência social, grupos de jovens, lazer e esportes e uma série de temas que dizem respeito não apenas à história dos judeus no País, mas igualmente à história social e cultural do País de forma ampla.”
Em outro artigo, Lidia Reiko Yamashita discute a digitalização do acervo do Museu Histórico da Imigração Japonesa no Brasil, projeto que permite a recuperação e a divulgação de dados sobre o movimento migratório que formou uma colônia no Brasil hoje estimada em 1,5 milhão de pessoas, entre imigrantes e seus descendentes – a maior colônia japonesa fora do Japão. “A principal barreira ao acesso às informações sobre a história da imigração japonesa no Brasil sempre esteve no fato de que a maior parte dos documentos e publicações sobre o assunto encontra-se exclusivamente em língua japonesa”, escreve Lidia, que é formada em Arquitetura e Urbanismo pela USP e ocupa o cargo de vice-presidente da Comissão de Administração daquele museu. Desde 2008, o museu mantém um projeto de digitalização de todo o seu acervo, com mais de 5 milhões de dados em português e japonês.
A professora Maria Luiza Tucci Carneiro assina o artigo sobre os refugiados do nazismo. Ela destaca que, entre 1933 e 1939 – quando ainda era possível sair da Alemanha -, cerca de 139 mil refugiados judeus entraram nas Américas. “Os Estados Unidos, apesar de impor cotas por nacionalidades para a liberação de vistos, estão entre os países que mais receberam refugiados (102.222), seguidos pela Argentina (63.500), Brasil (11.000), Canadá (6.000), Cuba (3.000) e República Dominicana (472).”
Maria Luiza relata histórias de famílias judaicas como a de Mathilde Maier, que fugiu da Alemanha com o marido em 1938. “Ajudados por amigos católicos, os Maier conseguiram embarcar num trem, mas, na divisa de Emmerich, ficaram detidos por cerca de oito horas”, destaca a professora. “Possivelmente, entre os soldados das fronteiras havia alemães que eram contrários a Hitler. Deixaram o casal passar e, como por um milagre, conseguiram atravessar a divisa da Alemanha para a Holanda.” Dali eles foram para a Inglaterra e, em seguida, embarcaram para o Brasil.
Outros artigos publicados em Histórias Migrantes são, por exemplo, “Tra Genova e Santos – I viaggi dei migranti nei giornali nautici (1892-1915)”, de Federico Croci e Carlo Stiaccini, “Emigración española a Cuba y Brasil – Notas comparativas sobre los modelos migratorios y suas repercusiones en España”, de Elda Evangelista González Martínez, e “Notas estudantis sobre Alfonso Bovero: um anatomista italiano em terras paulistas (1914-1937)”.
Histórias Migrantes – Caminhos Cruzados, de Sedi Hirano e Maria Luiza Tucci Carneiro (organizadores), Editora Humanitas, 378 páginas, R$ 47,00.