Gravidez ainda é o principal caminho para a parentalidade de homens trans

Assunto vem ganhando visibilidade no meio acadêmico e estudos concentram-se nos cuidados da saúde física, como aponta Letícia Carolina Boffi

 Publicado: 26/09/2024 às 7:30
Por
Imagem é um aarte que mostra desenho uma mulher grávida de perfil de um lado e, do outro lado, um ´par de mãos abertas em concha com uma família de duas mães e uma criança de papel
Os cuidados gestacionais fisiológicos para pessoas trans não diferem dos cuidados com mulheres cisgêneras – Fotomontagem Jornal da USP feita com imagens de Freepik e Freepik
Logo da Rádio USP

Uma análise feita com estudos publicados entre 1998 e 2023 mostra que a gravidez ainda é o principal caminho para a parentalidade de homens trans, ou seja, a relação entre aqueles que cuidam, educam e compõem o núcleo familiar de uma criança. O assunto tem ganhado visibilidade nos últimos anos tanto na mídia quanto na academia. Na mídia, a gestação transmasculina, que são pessoas que se identificam com aspectos do gênero masculino, mas foram designadas como do gênero feminino ao nascer, ainda é apontada como um fenômeno curioso, com a necessidade de visibilizar histórias a partir do afeto e do cuidado. Na academia, os temas mais estudados concentram-se nas vivências e cuidados de saúde no período gestacional, havendo uma lacuna em temas como saúde mental e experiências sociais e afetivas. 

De acordo com a psicóloga Letícia Carolina Boffi, doutoranda em Psicologia pelo Programa de Pós-Graduação em Psicologia da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto (FFCLRP) da USP e pesquisadora na área dos Estudos de Gênero, Saúde da População Transexual, Homens Trans e Transmasculinidade, uma das autoras do artigo Caminhos para a experiência parental entre homens transgênero: uma revisão sistemática e meta-síntese, publicado no periódico Trends in Psycology – que analisou resultados de estudos científicos sobre a experiência vivida da parentalidade por homens transgêneros -, cada experiência gestacional vivida por homens trans é “única e depende de fatores como condições financeiras, acesso a serviços de saúde, sexualidade, raça e condições psíquicas”. 

Letícia Carolina Boffi – Foto: Reprodução/Instagram @psi.leticiaboffi

Letícia diz ainda que “os principais desafios enfrentados por pessoas transmasculinas durante a gestação referem-se aos processos disfóricos corporais”. Os processos disfóricos corporais citados pela psicóloga referem-se ao fato de algumas pessoas poderem ter dificuldade em lidar com partes específicas do corpo, como, por exemplo, genitália e seios, além do sentimento de dissociação com seu gênero. Essas questões podem afetar a saúde mental dessas pessoas, segundo a psicóloga.

De acordo com Letícia, os cuidados gestacionais fisiológicos para pessoas trans não diferem dos cuidados com mulheres cisgêneras, no entanto, requerem mais atenção ao uso de pronomes, gênero e papel parental corretos, conforme o desejo da pessoa gestante. Ela ainda diz que “é importante que a pessoa transgestante sinta-se respeitada pelos profissionais de saúde, que devem validar a gestação, fornecendo cuidados adequados, realizando exames ginecológicos invasivos apenas quando necessário, além de se atentar à linguagem, utilizando uma linguagem mais neutra, como o termo pessoa gestante ou órgão genital ao se referir a partes do corpo normalmente associadas ao feminino”.

Formação continuada

A psicóloga Letícia diz ainda que é necessário que profissionais de saúde tenham uma formação continuada para poder cuidar desses pacientes. “Para aprimorar o atendimento a gestantes transmasculinos de maneira inclusiva e acessível, os profissionais de saúde devem buscar letramento em gênero e sexualidade, tanto com as próprias pessoas trans que contam suas histórias quanto em pesquisas científicas, para poderem tomar ações individuais e coletivas de maior acolhimento desses pacientes.”

Outro ponto abordado pela psicóloga é que os profissionais de saúde devem ser bem informados para atender a outras possíveis demandas da população transmasculina. As principais demandas citadas são “contracepção para aqueles que não querem gerar, modos de acesso à reprodução assistida para aqueles que querem gerar; também sobre quais são as possibilidades de aleitamento para quem deseja aleitar, seja com banco de leite humano, ao peito para os homens que desejarem, aleitamento por fórmula ou até mesmo a indução à lactação para pessoas companheiras que queiram e podem lactar”.

Dinâmica familiar

Letícia afirma que não há diferença entre a parentalidade transmasculina e a parentalidade de pessoas cisgêneros em termos de cuidado e afeto. Segundo ela, “o fenômeno da parentalidade transmasculina não é socialmente esperado”. Por isso, esses pais “devem se preocupar excessivamente com as possíveis violências que eles e seus filhos possam enfrentar, como na escola ou em outras instituições”. A psicóloga também diz que “os pais podem receber muitos questionamentos sobre a capacidade de cuidado com os filhos, sentindo-se mais pressionados e tendo condições psíquicas possivelmente mais vulneráveis”.

Segundo ela, “estudos apontam que não há impacto na dinâmica das famílias com pessoas transmasculinas, mas elas vivenciam diversos modos de discriminação”. Essas violências podem gerar questões de saúde mental, como depressão, ansiedade, estresse e pânico. A psicóloga conclui dizendo que “é importante pensarmos também sobre os direitos sexuais e reprodutivos das pessoas trans, que devem obter mais atenção no sistema de saúde, com políticas públicas, pensando que o direito a constituir família consta na Constituição Federal”.

Letícia é responsável pela pesquisa Gestação transmasculina: esquadrinhando processos e vivências sob o olhar contranormativo, que tem como público-alvo homens trans e pessoas transmasculinas, que gestaram após a transição e exercem a parentalidade. Os interessados em participar podem entrar em contato através do Instagram @psi.leticiaboffi ou do e-mail leticiaboffi@usp.br.


Jornal da USP no Ar 
Jornal da USP no Ar no ar veiculado pela Rede USP de Rádio, de segunda a sexta-feira: 1ª edição das 7h30 às 9h, com apresentação de Roxane Ré, e demais edições às 14h, 15h, 16h40 e às 18h. Em Ribeirão Preto, a edição regional vai ao ar das 12 às 12h30, com apresentação de Mel Vieira e Ferraz Junior. Você pode sintonizar a Rádio USP em São Paulo FM 93.7, em Ribeirão Preto FM 107.9, pela internet em www.jornal.usp.br ou pelo aplicativo do Jornal da USP no celular. 

*Estagiária sob supervisão de Rose Talamone e Ferraz Jr


Política de uso 
A reprodução de matérias e fotografias é livre mediante a citação do Jornal da USP e do autor. No caso dos arquivos de áudio, deverão constar dos créditos a Rádio USP e, em sendo explicitados, os autores. Para uso de arquivos de vídeo, esses créditos deverão mencionar a TV USP e, caso estejam explicitados, os autores. Fotos devem ser creditadas como USP Imagens e o nome do fotógrafo.