“Werneck tratou com brilhantismo da modernização conservadora brasileira”

O sociólogo Luiz Werneck Vianna, ex-presidente da Anpocs, faleceu, neste dia 21/2, aos 85 anos

 22/02/2024 - Publicado há 2 meses
Luiz Werneck Vianna foi sociólogo e escritor brasileiro – Foto: Reprodução/YouTube EMERJ

 

“Werneck foi um intelectual público. Escreveu obras fundamentais para se entender o Brasil”, disse ao Jornal da USP a vice-reitora da Universidade de São Paulo, Maria Arminda do Nascimento Arruda, sobre o sociólogo Luiz Werneck Vianna, falecido nesta quarta-feira, dia 21, aos 85 anos.

Maria Arminda foi secretária-executiva da Anpocs – Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Ciências Sociais – na presidência de Werneck à frente da instituição, no período 2003-2004. “Foi um sociólogo que tratou com brilhantismo da modernização conservadora da sociedade brasileira”, disse a vice-reitora.

Werneck se formou em Direito na Universidade do Estado de Rio de Janeiro, em Ciências Sociais na Universidade Federal do Rio de Janeiro e realizou seu doutorado pela Universidade de São Paulo. No site da Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da Universidade Estadual do Rio de Janeiro, Pedro Barboza resume a sua carreira:

Em 1958, ingressou na Faculdade de Direito da Universidade do Estado da Guanabara (atual Universidade do Estado do Rio de Janeiro/ UERJ), concluindo o curso em 1962. Dois anos antes, um marco em sua vida: a entrada para o Partido Comunista Brasileiro (PCB). Werneck definiu essa experiência como uma “universidade viva”. Em 1964 iniciou a segunda graduação, em Ciências Sociais, pela Universidade Federal do Rio de Janeiro. Este também é o ano que irrompeu no país o golpe civil-militar.

O texto continua, referindo-se à passagem de Werneck pelo Centro Popular de Cultura da UNE e prisão após a volta do Chile de Allende:

À época [início da década de 1960], Werneck estava envolvido em um movimento que caracterizou como um “momento luminoso em minha vida”: sua atuação no Centro Popular de Cultura (CPC), instituição criada em 1962 por intelectuais de esquerda em associação com a União Nacional dos Estudantes (UNE). Em 1967 graduou-se em Ciências Sociais e, dois anos após, ingressou na primeira turma de mestrado do Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro (IUPERJ). Neste momento sua trajetória foi interrompida pela perseguição sofrida pelo regime – Werneck chegou a responder cinco inquéritos policiais-militares. Em fins de 1970 partiu para o exílio no Chile. Retornou um ano após, e, tão logo pisou em solo brasileiro, foi detido por seis meses.

No passo seguinte, segundo o relato, Werneck fez doutorado na USP e trabalhou no Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap), em São Paulo:

Após sair da cadeia foi acolhido em São Paulo. Sob orientação de Francisco Weffort, iniciou seu doutorado em Sociologia pela Universidade de São Paulo (USP) e começou a trabalhar no Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap). Suas atividades no PCB também continuavam, ao integrar um grupo de intelectuais que se dedicavam ao estudo da obra de Karl Marx. Em 1974, este grupo foi à União Soviética fazer um curso teórico na “Escola de Quadros” com o professor Anastacio Mansilla, importante referência teórica dentro do Partido Comunista soviético à época. Nesse mesmo ano Werneck redigiu com outros intelectuais o programa político do Movimento Democrático Brasileiro (MDB) – à época o único partido legalmente instituído de oposição ao regime ditatorial. Em 1975, fugindo da repressão ao PCB em São Paulo, retornou ao Rio de Janeiro e, escondido na casa do dramaturgo Paulo Pontes, companheiro da época de CPC, escreveu sua tese.

“Conheci Luiz Werneck Vianna em Santiago, Chile, no final de 1970”, escreveu ao Jornal da USP a cientista social Maria Hermínia Tavares de Almeida, que receberá o título de Professora Emérita pela Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP no próximo mês de março. Ela segue seu relato:

Ele estava lá fugido de repressão da ditadura militar. Depois convivemos no Cebrap, ainda na primeira metade dos anos 1970. Aí, ocupávamos uma sala envidraçada, apelidada de aquário, que dividíamos com José Álvaro Moisés, Regis de Castro Andrade e Fabio Munhoz, todos do chamado grupo da “classe operária” por estudarmos, sob a liderança intelectual de Francisco Weffort, o sindicalismo brasileiro e outros temas relacionados com as classes trabalhadoras no Brasil. Dali saiu a tese de doutorado de Werneck, que se transformou em um clássico da sociologia política: “Liberalismo e sindicato no Brasil” (1976).

Werneck foi sempre um sociólogo político interessado em entender como a maneira específica — e conservadora — de nossa modernização impactava de forma profunda a vida politica do país no presente e moldava as possibilidades de progresso democrático. Era um estudioso de mão cheia que sabia submeter à disciplina das regras do trabalho acadêmico sua frondosa imaginação sociológica. Como muitos de sua geração, foi também um intelectual público apaixonado. Nesta condição, teve um papel relevante no debate dos anos 70-80 travado nas esquerdas de orientação marxista, sobre o valor da democracia, não como degrau para uma imaginada sociedade socialista, mas como um fim em si mesmo, digno de ser defendido e almejado.

Algumas de suas obras

Liberalismo e sindicato no Brasil. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1976.

A revolução passiva: iberismo e americanismo no Brasil. Rio de Janeiro, Revan, 1997.

A judicialização da política e das relações sociais no Brasil, em parceria com Maria Alice Rezende de Carvalho, Manuel Palacios Cunha Melo e Marcelo Baumann Burgos. Rio de Janeiro, Revan, 1999.

Esquerda brasileira e tradição republicana: estudos de conjuntura sobre a era FHC-Lula. Rio de Janeiro, Revan, 2006.

Uma sociologia indignada. Diálogos com Luiz Werneck Vianna. Rubem Barboza Filho e Fernando Perlatto (orgs.). Juiz de Fora, Ed. UFJF, 2012.

Confira também entrevista de Luiz Werneck Vianna a Marco Antonio Villa, de 2001:

Veja palestra de Luiz Werneck Vianna, de 2003, no canal Percy Reflexão, no YouTube:


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