

Foi nessa ocasião, como aluno do quarto ano, em 1968, que o conheci e, dizia ele, brincando, que eu não andava sem um livro ou revista embaixo do braço. Passamos a discutir medicina com frequência, e esse contato nos aproximou muito, mesmo durante o internato, a residência, e a preceptoria. Foi o período que mais aprendi, tendo sido essa época os alicerces de minha formação como clínico geral e cardiologista. Iniciava-se a pós-graduação, em nível de mestrado, e Fúlvio estimulou a minha inscrição na primeira turma. Logo após, convidou-me a ser contratado como médico assistente, e me colocou, juntamente com outros, no curso de doutorado e desde então nos acompanhou diuturnamente, querendo ser informado sobre o andamento de todas as atividades na instituição. Fui comunicado por ele que deveria defender a livre-docência, sem direito à argumentação. Simplesmente ordenou, e assim foi. Como não ser grato a alguém que participou ativamente, construtivamente, de minha formação? Tinha uma academia, um time que, sob sua orientação, levou o Incor ao apogeu, formando líderes interna e externamente, exigindo qualidade.
Tinha também paixão por outra academia, o Palmeiras. Conhecia tudo, e todos, como grande líder que era. Cobrava, a seu modo, resultados, auxiliado por uma equipe invejável, com Macruz, Tranchesi, Serro-Azul, Bellotti, Ebaid, Del Nero, e tantos outros, a seu lado. Agregava aqueles que produziam, recebendo o respeito de todos, valorizando o mérito. Era desbocado, como bom descendente de calabreses, gritando e esperneando, mas não era homem de mágoas, como bom sentimental que era, que a agressividade escondia. Tivemos, como é natural, algumas discórdias conceituais, que logo se resolveram. A porta de sua sala estava sempre aberta, recebendo a todos sem agendamentos. Chegava às lágrimas, ouvindo seus tenores e barítonos italianos. Certa vez, em sua casa, chorou ao ouvir Giglio, após algumas taças de vinho, uma de suas paixões. Construiu uma adega invejável e era generoso para oferecê-los. Certa vez, em um jantar em sua casa, na companhia de um pesquisador italiano, ofereceu-nos um Romanée-Conti, e presenteou-o com um Chateau Lafite. Em nossos almoços de quarta-feira, no restaurante Massimo, levava o que havia de melhor. Era também admirador da boa cozinha, e o anfitrião fazia questão de agradá-lo.
Certa vez contou, emocionado, como havia comunicado seu pai que tinha sido o terceiro colocado no vestibular da USP. Seu pai perguntou-lhe: por que não em primeiro? Exigências e exigente desde pequeno.
As rédeas do Incor estavam sempre em suas mãos, não as largando mesmo em fins de semana, e férias. Essa paixão construiu. Os poderosos que aqui se tratavam eram instados a fazer doações. Certa vez, estando em sua sala, um banqueiro que aqui havia sido operado, solicitou um determinado valor para a compra de um equipamento. O paciente vacilou, e Fúlvio disse-lhe que, sendo seu médico, exigia a quantia, pois o hospital havia salvo sua vida. No mesmo instante, ligou para o banco, liberando a verba. Colocava o Incor acima de tudo, dizendo que permanecia mais aqui do que em sua casa, pois era também sua casa. Esse legado, esse espírito acadêmico foi, para mim, o que de mais importante ele cultuou. Sempre usou seu poder, que era muito grande, em prol desta casa. Poucas vezes desanimou, como resultado de certos eventos políticos. Mas logo se levantava, voltando a produzir. Era avesso à mídia, nunca a procurando. Ao contrário, a mídia queria chegar a ele, sem sucesso.
Em seu concurso para professor titular, o tema sorteado foi “Pericardites”, tendo ministrado uma aula magistral. Aposentou-se aos 70 anos, desgostoso com certos fatos. Conseguimos trazê-lo de volta, a duras penas, voltando a se reunir com amigos antigos, gerando alegria para todos.
Por tudo, terá sempre um local de destaque na Medicina. Esteja onde estiver, saiba que o seu Incor tem um enorme respeito por você, e que sempre será lembrado, com saudade, por ter deixado um legado inesquecível. Você fez a diferença, com coragem e determinação. Descanse em paz.