Novo centro de estudos investiga relação entre religião e políticas públicas

Pesquisadores da Faculdade de Economia, Administração, Contabilidade e Atuária da USP vão estudar a religião sob o olhar científico e como tema transversal em pesquisas sobre políticas públicas

 20/06/2022 - Publicado há 2 anos
Estudos vão analisar religião como tema transversal em áreas de políticas públicas- Foto: Divulgação/IURD SP

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Como valores e inclinações religiosas afetam as políticas públicas no Brasil? Esse é um dos temas de estudo do novo Centro de Estudos da Religião e Políticas Públicas (Cerp) da Faculdade de Economia, Administração, Contabilidade e Atuária (FEA), criado no final de 2021, em meio à pandemia, para reunir pesquisadores que trabalham a religião como tema transversal em suas pesquisas que abordam políticas públicas. Dessa forma, o centro atua em diversas frentes: educação, mudanças climáticas, saúde pública, representação política, segurança pública, desigualdade e crescimento econômico.

O centro faz parte do Departamento de Economia da FEA, não é ligado a nenhuma religião e nem pretende emitir opiniões acerca dos valores pregados por qualquer denominação religiosa, conforme explica seu coordenador, o professor Raphael Corbi. “Ele é simplesmente um centro de estudos que busca compreender como os movimentos afetam a sociedade e, em particular, as políticas públicas.”

Para Corbi, as pessoas se comportam influenciadas por convicções religiosas: há religiões que não aprovam o consumo de álcool, por exemplo, e isso tende a afetar o consumo. Assim como determinadas orientações também afetam o comportamento político, o que pode influenciar o voto.

A ideia é estudar o assunto religião sob o olhar científico. “No Brasil, não tem muita gente estudando religião baseada em dados e em teorias bem estabelecidas. Tem muito achismo. A gente precisa de uma abordagem mais científica. Temos que entender como a religião impacta a vida do País como um todo”, diz o professor.

Raphael Corbi, coordenador do Cerp e professor da FEA-USP – Foto: Divulgação/Cerp

Corbi é um dos autores do estudo A Economia Política do Pentecostalismo: Uma Análise Estrutural Dinâmica, feito em conjunto com Fábio Miessi Sanches, que foi professor da FEA e atualmente leciona na Norwegian Business School. Ele explica, por exemplo, como vincular a isenção tributária do setor religioso ao crescimento de templos e ao aumento das bancadas evangélicas nas casas legislativas é algo provocador. “Cada eleição que passa, assistimos a um aumento da bancada evangélica. Na nossa pesquisa, constatamos que esse aumento tem a ver com a expansão geográfica dos templos, que por sua vez está ligada aos incentivos fiscais”, destaca.

O professor da FEA também afirma que a isenção fiscal beneficiou muito mais as igrejas evangélicas do que as igrejas católicas. “A gente percebe no estudo uma expansão bem rápida nos últimos 20, 30 anos de algumas denominações evangélicas mais novas, e uma expansão mais lenta da Igreja Católica e também de denominações evangélicas mais antigas, mais tradicionais.”

O benefício tributário para as igrejas de qualquer denominação foi conferido pela Constituição de 1988. Mais recentemente, foi promulgada a Emenda Constitucional 116 que expande a isenção do IPTU para imóveis alocados para as igrejas.

Isenção de impostos e aumento da bancada evangélica

Com a ajuda de modelos matemáticos, os economistas do centro projetaram como seria a expansão das igrejas evangélicas no País caso elas precisassem pagar impostos. O estudo usou dados fornecidos pelas igrejas à Receita Federal. Com base na alíquota de 34%, que seria a taxa média cobrada das demais atividades, os pesquisadores chegaram à conclusão que o número total de templos no Brasil poderia ser até 74% menor caso houvesse a cobrança de impostos.

O estudo também cruzou os dados de expansão das igrejas com o voto na bancada evangélica, utilizando informações do TSE. Os pesquisadores mediram a variação de votos que os candidatos recebem antes e após a abertura de novas igrejas em determinadas regiões. A conclusão foi de que, após uma igreja ser aberta, os candidatos desse grupo religioso recebem 7% a mais de votos.

“Vamos comparar duas cidades parecidas. Uma tem uma igreja evangélica e a outra não tem. A gente estima que, na média, a cidade com a igreja evangélica teria por volta de sete pontos porcentuais de votos a mais do que a cidade sem nenhuma igreja”, diz Corbi. Esse fenômeno não se verifica para as igrejas católicas, cuja expansão não se traduz em votos, de acordo com o estudo.

Monitor de lideranças do Cerp sobre cobrança de mensalidades nas universidades públicas e sobre homeschooling – Foto: Reprodução/Cerp

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Monitor de lideranças

Desde o mês de março, o Cerp emite boletins com dados sobre o comportamento das lideranças religiosas, políticas e da mídia com o objetivo de avaliar como o discurso de pessoas influentes para políticas públicas no Brasil se divide segundo a sua participação em instituições religiosas. Um dos boletins, por exemplo, analisou a posição de parlamentares dentro e fora da Frente Parlamentar Evangélica sobre a cobrança de mensalidade em universidades públicas e sobre o homeschooling.

O grupo ainda está desenvolvendo uma metodologia de análise dos dados, mas atualmente acompanha 707 indivíduos, considerando tweets feitos por pessoas e instituições que são relevantes para a agenda de políticas públicas no Brasil, segundo a vinculação desses agentes a entidades ou organizações religiosas. Todos os boletins estão disponíveis neste link.

Para acompanhar os estudos do Centro de Estudos da Religião e Políticas Públicas acesse o site https://sites.usp.br/cerp.

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Texto adaptado de Cacilda Luna, da Comunicação da FEA-USP

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