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Movimento Parent In Science auxilia mães cientistas a manter carreira

Projeto que debate desafios de mães e pais na ciência recebe candidaturas para programa de auxílio financeiro; embaixadoras do projeto na USP falam sobre maternidade nesta fase da carreira

02/02/2021

Tabita Said

O Movimento Parent In Science (Mães e Pais na Ciência), que coloca em debate os desafios e consequências de quem concilia a maternidade e carreira como cientista no Brasil, começou a receber nesta segunda, dia 1º de fevereiro, candidaturas para o programa Amanhã, de incentivo à conclusão nos cursos de pós-graduação para as alunas mães. O objetivo do programa é garantir a obtenção dos títulos de mestra ou doutora para mães – adotivas ou biológicas de crianças com até 12 anos – que estejam nos últimos meses dos cursos de pós-graduação na modalidade stricto sensu. Por meio de auxílio financeiro, o programa visa a complementar a renda dessas alunas, regularmente matriculadas em cursos de mestrado e doutorado no Brasil, evitando o abandono dos cursos em um contexto agravado pela pandemia.

O valor do auxílio está previsto entre 400 e 800 reais mensais, por até nove meses (de abril a dezembro de 2021), mas dependerá da campanha de arrecadação, que está buscando apoiadores para alcançar 110 mil reais até 28 de fevereiro. Para contribuir, é possível doar qualquer valor através da Vakinha on-line ou de transferência Pix para parentinscience@gmail.com

As interessadas já podem se candidatar no site do Parent In Science. A documentação necessária e os critérios de seleção estão descritos em uma cartilha de candidatura, disponível neste link.

Filho, pesquisa e pandemia

Os dilemas da ciência para pesquisadoras adquirem massa, volume e peso adicionais após a maternidade. Observar um experimento científico, descrever o processo em artigos e atender aos prazos burocráticos do trabalho configuram uma luta diária de conciliação. O cuidado com os filhos não é mero desafio pessoal para as mulheres, que representam apenas 28,8% dos cientistas em todo o mundo. 

Além de fomentar a discussão sobre parentalidade e ciência, o Parent In Science também foi pioneiro no levantamento de dados para avaliar as consequências da chegada dos filhos na carreira de mulheres e homens, em diferentes etapas da vida acadêmica. Em especial, as questões de gênero e raça, assim como o impacto da pandemia na submissão de artigos e cumprimento de prazos.

Produtividade acadêmica durante a pandemia

Pesquisa realizada entre abril e maio de 2020,

com participação de

CERCA DE

10 mil

alunos de pós-graduação de todo o Brasil

demonstrou que entre as alunas
que são mães

MENOS DE

10%

estão conseguindo seguir com suas dissertações e teses neste momento

enquanto estão conseguindo seguir normalmente

20%

dos pais

35%

dos homens e mulheres sem filhos

Alunas (os) de Pós-graduação que estão conseguindo trabalhar remotamente

Mulheres

27%

Homens

36,4%

Efeito da raça

Mulheres negras
25,7%
Mulheres brancas
27,8%
Homens negros
32,4%
Homens brancos
38,7%

Efeito do gênero e parentalidade

Mulheres com filhos
11%
Mulheres sem filhos
34,1%
Homens com filhos
20,6%
Homens sem filhos
41,1%

Efeito da raça e parentalidade

Mulheres com filhos
9,9%
11,6%
Mulheres sem filhos
32,7%
35,1%
Homens com filhos
18%
22,3%
Homens sem filhos
37,1%
43,5%

A pandemia está impactando no progresso da dissertação ou tese?

NÃO

18%

SIM

82%

Mulheres
83,4%
Homens
77,5%

Os números reforçam a ideia de que a construção de uma carreira acadêmica de sucesso é incompatível com a formação de uma família. “Duas semanas depois que Joaquim nasceu, eu já estava na frente do computador com ele amarrado, escrevendo meu pedido de prorrogação de bolsa. Então, embora você tenha direito aos quatro meses adicionais (no caso da Fapesp), os prazos correm igualmente para todos”, conta a bióloga Isabella Bordon, pós-doutoranda do Instituto de Ciências Biomédicas da USP e uma das embaixadoras do Parent In Science na Universidade – atualmente, 73 cientistas são embaixadores do programa em centros de pesquisa de todo o Brasil. 

Ela lembra que a luta das mulheres na ciência abrange a paternidade ativa, sendo indispensável que pais cientistas também tenham direito a um afastamento temporário para dividir as tarefas de cuidado dos filhos. 

Isabella e o filho Joaquim. Foto: Arquivo pessoal
Carla e o filho Urko. Foto: Arquivo pessoal

Carla Batissoco, farmacêutica-bioquímica e pós-doutoranda da Faculdade de Medicina da USP, conta que não apenas a extensão da bolsa é importante, mas a manutenção do apoio financeiro às mães, uma vez que o pesquisador bolsista não é assistido por direitos trabalhistas. “Quando tive meu filho, 12 anos atrás, eu consegui seis meses de licença pela pós-graduação, dos quais fiquei três meses sem receber porque não tinha bolsa. O financeiro pesa muito, você começa a ficar desiludida e ponderar se vale a pena prosseguir”. Carla também é embaixadora do Parent In Science na USP e admite que já deixou de participar de congressos por ter filhos. 

A pesquisadora explica que é comum pais cientistas permanecerem ativos na carreira nos dois primeiros anos dos filhos, apesar de toda a dificuldade para acompanhar experimentos, por exemplo, por ainda terem resultados de colaborações feitas até a gravidez. No entanto, a ausência de formas mais adequadas de avaliação aprofundam as desigualdades no meio acadêmico e científico.  

Um olho na tese, o outro na fralda

Nas redes sociais, o Parent In Science foi responsável por lançar a hashtag #maternidadenolattes incentivando mulheres a descreverem o período de licença no currículo profissional da plataforma CNPQ. A possibilidade de indicar o tempo dedicado aos filhos evitaria os “buracos” de meses ou anos, que prejudicam a avaliação das cientistas quando concorrem a editais de fomento ou participam de programas de bolsa. 

A campanha nas redes também é uma forma de levar a público a discussão sobre formas de permanência e amparo a essas mulheres. De acordo com o coletivo, a falta de políticas de apoio que lidem com a trajetória de vida das mulheres cria desvios para a carreira científica gerando o “efeito tesoura”, que é a queda da proporção de mulheres na ciência conforme a carreira progride.

“Quanto mais a mulher tem rede de apoio, menos chance ela tem de sair da academia e se evadir. Apenas 28% das mulheres que entram no curso de biologia chegam ao cargo de professora/doutora. Para onde foram essas mulheres?”, questiona Daniella França, pós-doutoranda do Museu de Zoologia da USP. Para a herpetóloga e embaixadora do Parent In Science na USP, embora as pesquisas científicas tenham ganho notoriedade na pandemia de covid-19, as bolsas, assim como as cotas, ainda ocultam um sentimento de desqualificação. “As bolsas são os nossos salários e como mantemos as nossas famílias. Não são esmolas, nem regalias”, diz. 

As ações do grupo levaram a mudanças concretas no cenário científico brasileiro. É o caso de editais de financiamento que atualmente consideram os períodos de licença-maternidade na análise de currículos. As Fundações de Amparo à Pesquisa do Rio de Janeiro e do Rio Grande do Sul adicionaram um ano na contagem do tempo de defesa e na avaliação do currículo Lattes para pesquisadoras que se tornaram mães, respectivamente. 

Na USP, em resposta à pandemia da covid-19, foi instituída a suplementação emergencial de bolsas de estudos concedidas pelas agências de fomento em razão de licença-maternidade, paternidade e adoção.

Apesar das conquistas, Isabella, Carla e Daniella reiteram que é necessário que as universidades acolham as mulheres, para que tenham condições de exercer plenamente a maternidade e a pesquisa científica. Para elas, o cargo de embaixadora do Parent In Science na Universidade é uma forma de ocupar o espaço e aproximar as questões de parentalidade a uma prática mais inclusiva.

Daniella grávida em trabalho de campo. Foto: Arquivo pessoal

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O que pensam as embaixadoras

Quantas vezes eu ouvi que era impertinente por questionar algo, quando sabemos que se fosse um homem seria chamado de ‘audacioso’. São coisas que vivemos todos os dias e só nos damos conta depois que uma mulher percebe que não é tolerável."

Isabella Bordon, pós-doutoranda do Instituto de Ciências Biomédicas da USP

Por que não agregar? Eu gostaria que houvesse chances iguais para todos, mas é necessário criar essas políticas de oportunidades até que se chegue a uma mudança cultural. Eu não quero que as novas alunas passem pelo que eu passei."

Carla Batissoco, farmacêutica-bioquímica e pós-doutoranda da Faculdade de Medicina da USP

Esse tipo de cultura costuma sair das universidades. Talvez possamos ampliar ações que já existem e nos tornar um modelo de colaboração para inspirar o setor corporativo. Quem sabe expandir para toda a sociedade."

Daniella França, pós-doutoranda do Museu de Zoologia da USP