Turma de alunos registrando em fotografias o primeiro contato, na prática, com a arquitetura- Foto: Ulysses Varela

Ícone da arquitetura moderna em São Paulo é tema de aula na USP

Estudantes da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP visitaram a casa Gerassi, na Vila Madalena, em São Paulo, como parte das atividades de disciplina de Desenho Arquitetônico; fotos serão disponibilizadas na Plataforma Arquigrafia

 01/09/2023 - Publicado há 8 meses

Ulysses Varela*

Vivenciar, tocar, sentir e registrar a arquitetura, essas foram algumas das ações da turma de estudantes do segundo semestre do curso de Arquitetura e Urbanismo (FAU) da USP durante a visita à casa Gerassi, em agosto de 2023.

A visita faz parte de uma atividade inicial proposta na disciplina obrigatória de Desenho Arquitetônico para estudo de uma obra arquitetônica. Artur Rozestraten, um dos docentes responsáveis pela disciplina, explica que essa atividade experimental teve início com uma pesquisa sobre a casa, realizada na internet e a reunião de informações, desenhos, fotografias e links para a montagem de um caderno de referências, a ser impresso no Laboratório de Produção Gráfica da FAUUSP. Esse caderno, construído pelos próprios estudantes, é complementado por um conjunto de imagens fotográficas feitas in loco, durante a visita, compartilhado no ambiente colaborativo Arquigrafia www.arquigrafia.org.br.

Com a experiência da visita feita à Casa Gerassi, somada ao conteúdo desse caderno e à constelação de imagens compartilhadas no Arquigrafia, os(as) estudantes irão realizar, ao longo do semestre, uma série de desenhos arquitetônicos.

“Após a visita, durante as aulas futuras, eles vão desenhar essa casa em planta, corte, elevação, que são os desenhos fundamentais da arquitetura. A abordagem pedagógica do desenho arquitetônico inclui, neste caso, a pesquisa anterior das referências iconográficas, a visita in loco, que é o que está acontecendo agora e, na sequência, o contato com uma maquete estrutural dessa casa a qual os estudantes vão manusear e trabalhar com ela a partir do que eles perceberam durante a visita”, esclarece o professor.

O professor Artur Rozestraten, o proprietário da casa, Antônio Gerassi Neto e o mestrando na FAUUSP, monitor voluntário na disciplina, Leopoldo Schettino - Foto: Ulysses Varela

Como parte do material pedagógico da disciplina, a monitora graduanda Rafaela Bessi Martinez, com bolsa da diretoria da FAU, construiu no Laboratório de Modelos e Ensaios da unidade, uma maquete estrutural da Casa Gerassi, como um “jogo de armar”. A maquete possui uma base na qual há uma gaveta cheia de peças em madeira – pilares, lajes e vigas – que os estudantes podem montar e desmontar livremente. A interação com a maquete estimula a compreensão do sistema construtivo pré-fabricado da Casa Gerassi que, depois, será desenhado em escala com as devidas normas técnicas. 

“Toda essa aproximação sensível à casa é importante porque, com a experiência da visita, o estudante de arquitetura entra, de fato, no desenho que ele vai produzir. O desenho é produzido com base na memória e nas representações dessa experiência direta dos materiais, dos espaços, das interações entre interior e exterior”, afirma Artur Rozestraten.

A plataforma colaborativa de imagens de arquitetura, Arquigrafia, atualmente amparada por projeto temático Fapesp (2020/05134-9) integra-se a essa iniciativa experimental. As fotografias que foram produzidas pelos estudantes durante a visita serão inseridas no Arquigrafia, com informações de georreferenciamento e serão criadas hashtags – #aut0512; #casagerassi; #desenhoarquitetônico, para que este acervo seja identificável e possa ser recuperado e visualizado por qualquer pessoa em qualquer lugar do mundo.

Portas abertas

Sobre a importância da visita dos estudantes da FAU para conhecer a Casa Gerassi o Engenheiro Civil e proprietário da Casa, Antônio Gerassi Neto, lembra das palavras do arquiteto e autor do projeto arquitetônico da casa, Paulo Archias Mendes da Rocha.

Segundo ele, o arquiteto falava que a melhor relação de um imóvel, de uma casa, de uma residência com a cidade deve se dar a partir do envolvimento com os passantes na rua, isto é, as pessoas que convivem na e no entorno da casa. 

“Isso ficou na minha cabeça, e é exatamente o que fazemos há mais de 30 anos ao abrir as portas para a visitação de profissionais e estudantes. Por ser a última obra residencial construída do Paulo, por ela ser pré-fabricada e pela procura dos alunos e profissionais, eu achei muito interessante fazer a integração entre a casa e quem busca pela casa”, explica.

Proprietário da casa e arquiteto Antônio Gerassi Neto - Foto: Ulysses Varela

O proprietário lembra que difundir a história e a importância arquitetônica da construção é uma forma de manter preservada a história da casa que hoje tem o seu acervo (fotos originais, plantas e filmagens da montagem da casa e outros materiais) sob os cuidados da Casa da Arquitectura, em Portugal.

Sobre o projeto da Casa Gerassi

Paulo Mendes da Rocha é um dos dois únicos arquitetos brasileiros a conquistar o Prêmio Pritzker 2006, um prêmio Internacional de arquitetura pelo conjunto da sua obra, ele foi professor na FAUUSP durante décadas e no final dos anos 1980 desenvolveu o projeto de uma residência com um sistema construtivo pré-fabricado. Uma inovação que, para a época, não era comum. Com isso ele trouxe para o universo residencial um sistema construtivo, que normalmente, só é visto na arquitetura industrial. 

O projeto arquitetônico parte de um sistema pré-fabricado, em concreto, da estrutura da casa que depois é montado com o encaixe de pilares, vigas, lajes, recebendo, depois, o acabamento com os elementos que fazem a vedação, fechamento de espaços e preenchimento de vãos com esquadrias na faixada e janelas. 

Há para os interessados, aqui, um vídeo que registra a montagem da estrutura da casa.

Pesquisa coletiva na Internet como atividade preparatória para visita com pesquisa sobre a casa Gerassi e a fotografia da maquete em madeira feita para amparar as atividades de desenho arquitetônico - Fotos: Artur Rozestraten

Para o professor Artur Rozestraten, a casa Gerassi conjuga uma certa simplicidade na proposição construtiva com uma riqueza espacial evidente. “Este é um dos aspectos notáveis dessa arquitetura. A continuidade dos espaços públicos no espaço privado e vice-versa. A casa conecta a cidade com a espaço de intimidade de uma família, como podemos perceber entre a rua e o pavimento térreo e no primeiro piso, isso permite que as pessoas que habitam a casa vejam a rua e sejam vistas da rua. Esse tipo de conexão de continuidade espacial é uma característica forte na proposição do espaço da casa, e isso incluí os jardins com sua vegetação densa, as laterais e todo o terreno. Tudo sugere que poderia existir e ser reforçada uma continuidade espacial entre espaços públicos e privados na cidade de São Paulo”, ressalta o professor.

Fachada da casa demonstrando a integração com o espaço urbano e a continuidade espacial no interior do terreno com piscina e jardins - Fotos Ulysses Varela

O professor destaca ainda outro aspecto muito interessante neste projeto: as entradas de luz natural. A luz atravessa a estrutura e ilumina o que poderia ser uma opacidade muito grande da estrutura de concreto. Algumas passagens no teto, no chão e nas laterais permitem que a luz do Sol atravesse a estrutura de concreto o que confere uma certa leveza para um elemento que parece, a princípio, muito pesado.

O arquiteto italiano, Leopoldo Schettino, que vive no Brasil há mais de 15 anos, é aluno do mestrado em Arquitetura e Urbanismo e monitor voluntário junto à disciplina de Desenho Arquitetônico na FAU, também participou da visita e produziu seu próprio desenho.

O arquiteto conta que é um privilégio estar perto e tocar essa arquitetura, além de conhecer Antônio Gerassi, que é o proprietário da casa. “Acompanhar a turma de alunos ingressantes durante a visita e ver a reação deles durante a primeira proximidade com a arquitetura na prática é, de fato, uma oportunidade única para poder conhecer as habilidades de cada um e, também, ter conhecimento sobre a arquitetura, por meio desse exercício”, esclarece. 

Ele explicou ainda que a visita proporcionou um contato direto com essa arquitetura moderna que precisa ser estudada, mas que não é de fácil acesso. Ele enfatiza que a casa Gerassi representa uma aula de arquitetura proporcionada por Paulo Mendes da Rocha que, infelizmente, nos deixou em 2021, com 93 anos. Um brasileiro que, segundo ele, pode ser considerado um dos pilares da arquitetura mundial.

Foto: Divulgação/ Casa Gerassi

Sobre a experiência de acompanhar a turma durante a visita o arquiteto italiano lembra que, levando em consideração que até um ano atrás arquitetura para estes estudantes era apenas uma palavra ou algo que viam em jornais e revistas, hoje, ela representa algo construído e vivenciado. 

“Agora eles entendem o que é a arquitetura e suas várias áreas de conhecimento, seja o conhecimento técnico e artístico ou conhecimento de sociedade política é como ler um livro. A gente lê um livro, estuda o livro e só depois consegue resumir seu conteúdo. Os estudantes estão acostumados a ver a arquitetura em fotos ou percorrendo a cidade, mas sem o conhecimento específico. A disciplina de desenho arquitetônico vai treiná-los a viver tridimensionalmente a arquitetura e conseguir desenhá-la bidimensionalmente”, finaliza. 

Leopoldo Schettino, arquiteto italiano monitor voluntário na FAU - Foto: Ulysses Varela

Aprendizado para os futuros arquitetos

Para a estudante do primeiro ano do curso de Arquitetura e Urbanismo da FAU, Julia Gasparette, está sendo incrível conhecer a casa Gerassi de perto. “Nós estudamos a respeito da casa antes de vir aqui, nós descobrimos que esta casa foi o último projeto residencial do Paulo Mendes da Rocha e que ele adotou neste projeto várias técnicas que ele se envolveu ao longo da carreira. Temos a pré-fabricação, a pré-montagem, o concreto armado e o aspecto brutalista, que é deixar os reparos à mostra, ou seja, como foi o funcionamento da montagem da casa, suas juntas e os detalhes. Tudo muito à mostra, isso é grandioso” revelou a estudante.

Em razão de ter abrigado recentemente uma exposição, a casa estava sem móveis no dia da visita, e Julia comenta que não a visualizou como uma residência, mas como uma obra de arte da arquitetura com suas pequenas nuances da montagem, seu aspecto brutalista e tudo mais. Apesar de ser possível entender onde fica a sala, os banheiros, os quartos, mesmo com a ausência dos móveis, a visita proporcionou a ela uma excelente experiência de refletir sobre seus usos enquanto fotografava seus ambientes.

Julia Gasparette, aluna da FAU - Foto: Ulysses Varela

O que mais me chamou a atenção foi a presença do concreto e o fato dele ser aconchegante para uma residência, falo isso porque estamos na FAU, que está em um prédio que tem a mesma estrutura de  concreto armado, sendo também um espaço aconchegante, mas a gente não enxerga os detalhes por ele ser muito amplo, é uma caixa inteira, um teto único, então você se sente meio perdido dentro dele. Aqui na casa Gerassi também existe este aspecto de grandiosidade, mas é um espaço onde você tem muitas aberturas de luz. A disposição das paredes e o próprio cimento à mostra ajuda a tornar o espaço mais aconchegante” 

Julia Gasparette

Detalhes da estrutura de concreto à mostra que marca a arquitetura moderna da casa - Fotos Ulysses Varela

A opinião do aluno do segundo semestre do curso de arquitetura e urbanismo da FAU, Pedro Sousa Brito é de que a visita o possibilitou poder levantar críticas e opiniões relevantes sobre o acabamento aplicado no projeto. “Esta é a primeira visita que eu faço à uma casa durante o curso. Eu procurei sair de casa mais cedo para chegar aqui e conhecer o entorno da casa e para tentar me localizar melhor. A visita foi muito proveitosa, pois além de aproveitar bem a manhã de sábado conseguimos agregar conhecimento a nossa formação. A partir dessa experiência eu e muitos colegas pudemos ter uma referência e um contato com uma das obras de um grande arquiteto de são Paulo, que é o Paulo da Rocha” destacou

O estudante fez questão de registrar que conseguiu reparar cada detalhe da casa, além de conhecer e conversar com proprietário que também foi o engenheiro participando da realização do projeto. Poder conhecer quais eram as necessidades dele enquanto proprietário da casa foi o que mais contribuiu para que ele pudesse se aproximar mais da profissão e do que é ser um arquiteto. Conhecer a visão de um cliente e saber como realizar um bom projeto é fundamental.  

Pedro Sousa Brito, aluno do segundo semestre da FAU - Foto: Ulysses Varela

O que mais me chamou a atenção foram as aberturas e vãos que existem nos cantos da sala e da cozinha, além de ficar bem discretas permitem tanto o acesso as áreas quanto uma proteção e uma ventilação interessante para os espaços internos. Esta é uma ideia que certamente, no futuro, poderei utilizar em meus projetos” 

Pedro Sousa Brito

Conheça o projeto Arquigrafia

Pesquisa na plataforma Arquigrafia - Foto: Artur Rozestraten

O projeto “Experiencia Arquigrafia 4.0” conta com o apoio financeiro da FAPESP na condição de projeto temático até 2026, ele conta com uma equipe multidisciplinar de pesquisadores dedicados à investigação das condições contemporâneas de constituição de ambientes colaborativos autônomos na Web, explora experimentalmente a “desconstrução” e a apropriação contra hegemônica de elementos e estruturas funcionais disponíveis online tais como redes sociais (Facebook, Instagram, Twitter, Youtube e outras), freeware, open source software, hyperlinks para resultar em protótipos experimentais concretos e consistentes para uma autonomia crítica na Web 4.0.

Atualmente o projeto Arquigrafia retoma o trabalho realizado em fases que foram interrompidas em 2018 até o ponto em que o projeto se encontra hoje e busca estabelecer um elo de continuidade, reestruturação e ampliação do acervo público, coletivo e aberto que abriga.

Para conhecer a Plataforma Arquigrafia, clique aqui.

.

*Por Ulysses Varela – Jornalista bolsista JC-3 Fapesp junto ao projeto Experiência Arquigrafia 4.0.


Política de uso 
A reprodução de matérias e fotografias é livre mediante a citação do Jornal da USP e do autor. No caso dos arquivos de áudio, deverão constar dos créditos a Rádio USP e, em sendo explicitados, os autores. Para uso de arquivos de vídeo, esses créditos deverão mencionar a TV USP e, caso estejam explicitados, os autores. Fotos devem ser creditadas como USP Imagens e o nome do fotógrafo.