Arte sobre fotos/Preta.ID
Como combater os efeitos da covid-19 na periferia?
Essa questão levou alunos da USP a criarem o projeto Preta.ID, que realiza ações voltadas à população preta e periférica
16/09/2020
A pandemia evidenciou que moradores das periferias de cidades brasileiras são mais vulneráveis ao coronavírus. O motivo é a desigualdade social, que atinge desde trabalhadores informais que não podem permanecer em casa e precisam buscar renda a moradores com precariedade de acesso à água. O Preta.ID é um projeto que surgiu da inquietação de dois jovens estudantes da Faculdade de Medicina da USP (FMUSP), em São Paulo, por já saberem muitas das soluções para problemas sociais e de saúde e não estarem dispostos a esperar um diploma ou um salário para colocá-las em prática.
A parte educativa em saúde, por exemplo, é muito relevante em contextos periféricos. E foi isso que aprenderam logo no primeiro ano da graduação os alunos Larissa Alexandre, do segundo ano de Medicina, e Rafael Marques, do quarto ano de Fisioterapia. Além disso, conteúdos e práticas simples para o ambiente acadêmico podem se tornar complexos na periferia, onde demandas de saúde estão diretamente relacionadas com oferta de emprego, disposição geográfica e com o problema do racismo.
Por isso, quando a pandemia se iniciou no Brasil, eles sabiam que as projeções de desemprego e falta de renda iriam atingir muito mais a população preta e periférica. Começaram a pensar em como agir tendo como foco a comunidade São Remo, que fica ao lado do campus Cidade Universitária da USP, em São Paulo, e logo vieram as ideias de promoção de saúde com foco nas periferias. A partir daí, criaram ações para mitigar os efeitos da covid-19 nessas comunidades com campanhas de arrecadação financeira, vídeos educativos sobre higiene e também com a criação de um totem com álcool em gel para estabelecimentos comerciais.
Como estudantes negros periféricos, estamos dos dois lados da ponte, e isso nos oferece um leque muito maior de perspectivas para propormos soluções sustentáveis e realmente eficazes
Larissa Alexandre, aluna do segundo ano de Medicina
Na foto, Rafael Marques e Larissa Alexandre, estudantes da USP e criadores do projeto Preta.ID - Foto: Arquivo pessoal
Ajuda aos vizinhos da USP
E já tem muita gente se beneficiando com o projeto dos estudantes da USP. O Preta.ID foi selecionado no edital Doações Emergenciais do Fundo Baobá. Eles receberam uma verba de R$ 2,5 mil que se reverteu em doações de kits de higiene e limpeza, como água sanitária, sabão em pó, detergente e uma cartilha, para mais de 70 famílias da São Remo. Também foram montados 140 kits individuais com sabonetes e máscaras de pano.
Após essa mobilização, o grupo organizou, juntamente com o coletivo da São Remo e a ONG Visão Futuro Cidade São Paulo, a campanha Fica em Casa São Remo, que conseguiu arrecadar R$ 30 mil. O valor foi convertido em 200 cestas básicas de alimentos não perecíveis e materiais de higienização e prevenção ao coronavírus, distribuído aos pontos de comércio essenciais da São Remo.
Durante a campanha, o Preta.ID também produziu, em parceria com o Instituto Afro Amparo e Saúde, um material sobre saúde alimentar, física e mental no contexto da comunidade São Remo. O conteúdo foi compartilhado através de redes sociais e WhatsApp. O objetivo é fornecer opções de como preparar os alimentos distribuídos nas cestas básicas, como no caso do arroz e feijão (uma dupla nutricionalmente completa) e dar dicas de exercícios físicos, respiração e relaxamento para serem feitos em casa.
Também foi realizada a distribuição de informativos em papel semente que, após o uso, se transforma em mudas de hortaliças ou flores.
Moradora da favela São Remo recebe material informativo durante Feira Solidária promovida pelo Projeto Preta.ID - Foto: Preta.ID
4,5 toneladas de alimentos para 300 famílias
No dia 15 de agosto, o Preta.ID, em parceria com o Instituto Visão Futuro, a Central Única das Favelas (Cufa) São Remo e a Favela 1010, organizaram uma feira solidária na São Remo. Os alimentos foram pré-selecionados e cada pessoa das comunidades participantes podia retirar os produtos gratuitamente. Os resultados dessa ação garantiram produtos frescos e in natura na mesa de mais de 300 famílias, correspondendo a 4,5 toneladas de alimentos (navegue na galeria de imagens abaixo).
Para realizar a feira, os organizadores arrecadaram R$ 10 mil e realizaram a compra de alimentos cultivados por agricultores de roças do entorno da capital, sendo muitos deles vindos da produção de quilombolas. A ideia de procurar esses fornecedores faz parte da iniciativa de valorizar o trabalho de pequenos produtores.
Empreendedorismo social
e criação de conteúdo
Uma das ideias do Preta.ID para ajudar as pessoas se transformou em ferramenta de empreendedorismo: a criação de totens de álcool em gel para serem instalados na comunidade São Remo deu início a uma startup de promoção de saúde da população preta. Agora, a ação busca consolidar seu plano de negócios comercial. “A parte de impacto social já está bem consolidada e difundida com a ação que realizamos na São Remo”, diz Larissa.
Atualmente, a startup está em busca de investidores, fechamento de parcerias e validação comercial do projeto principal, o que irá possibilitar a discussão sobre saúde com a população preta em um contexto prático e estrutural. Nesse cenário, a venda do totem é o principal canal de monetização do Preta.ID. O totem é colorido e possui um desenho de uma mulher preta com cabelo cacheado. “Vimos que a representatividade é muito importante, principalmente na comunidade. A galera parece aderir mais quando vê um totem ou um vídeo com alguém parecido com ela”, explica Larissa.
A partir do Instagram, o coletivo também compartilha alguns projetos que pertencem à sua rede de parceiros, buscando sempre referências que já possuem relevância em suas áreas de atuação. Além disso, divulgam projetos que não têm relação direta com o grupo mas realizam o papel de ponte entre a periferia e o ambiente acadêmico, trazendo temáticas como saúde da população preta e de trabalhadores periféricos.
A startup possui projetos paralelos de parceria, como o podcast Pretória, realizado por Stephanie Marinho, também estudante da FMUSP.