A leishmaniose visceral é uma enfermidade que afeta tanto humanos quanto cachorros e causa graves problemas nos órgãos internos. A letalidade da doença no Brasil vem crescendo gradativamente e, de 2000 a 2012, aumentou de 3% para 7%. O médico infectologista José Angelo Lauletta Lindoso, diretor científico do Instituto de Infectologia Emílio Ribas e pesquisador do Instituto de Medicina Tropical da Faculdade de Medicina da USP, analisa os casos da zoonose no país e explica os métodos de prevenção e tratamento da enfermidade.
Segundo o especialista, a leishmaniose visceral é uma doença de evolução insidiosa e, no Brasil, o parasita responsável é o Leishmania infantum. Ele conta que os vetores da zoonose, ou seja, os animais que a transmitem, são os flebotomíneos, popularmente conhecidos no país como mosquito-palha ou tatuquira. Lindoso conta que a transmissão ocorre através da picada somente das fêmeas do inseto.
Conforme o docente, essa espécie de Leishmania nas Américas tem preferência pelos órgãos chamados ricos em células do Sistema Fagocítico Mononuclear, dentre os quais estão o baço, o fígado, a medula óssea e os linfonodos. Ele explica que, consequentemente, se o parasita se proliferar, haverá adoecimento desses órgãos, que resultam em crescimento do baço e do fígado, além do comprometimento da medula. “No passado, devido à desnutrição, era comum observar também pessoas com muita perda de massa muscular e aumento do volume abdominal, a barriga crescia. Portanto, ocorrem repercussões clínicas e laboratoriais e podemos dizer que a leishmaniose visceral é uma doença caracterizada pela hepatoesplenomegalia febril, isto é, aumento do baço e do fígado associado à febre”, afirma.
Tratamento
Conforme o especialista, existe o tratamento para essa doença no Brasil e ele é disponibilizado pelo Ministério da Saúde através de dois medicamentos: o Anfotericina B, utilizado há muito tempo para o tratamento de infecções fúngicas, e o Antimonial Pentavalente, que existe desde a década de 1930. “Esses dois medicamentos, por exemplo, não estão à venda nas farmácias para comercialização, mas o Ministério da Saúde libera o medicamento para qualquer pessoa que seja acometida pela leishmaniose visceral, independente se esteja no Sistema Único de Saúde, desde que o diagnóstico tenha sido confirmado”, diz.
Em relação à imunização, Lindoso afirma que não existem vacinas para humanos contra essa doença em nenhuma parte do mundo, mas o Brasil possui uma vacina registrada contra a leishmaniose visceral canina. Além disso, ele diz que existe uma outra vacina produzida na Europa que tem ação para proteção dos cães, o que pode reduzir a infectividade, pois os flebotomíneos picam cachorros infectados e, posteriormente, podem transmitir a zoonose para um humano também picado.
Métodos
De acordo com o especialista, o processo de controle da leishmaniose visceral é complexo, até porque a doença se urbanizou, e o principal meio contra a proliferação do flebotomíneo era a borrifação de inseticida nas casas, mas esse era um processo custoso e difícil de ser implementado. Além disso, afirma que, com o passar dos anos, foi observada uma maior resistência dos insetos aos inseticidas utilizados nos domicílios.
Outro processo citado pelo médico era baseado no sacrifício dos cães infectados com o intuito de evitar novas contaminações, porém esse método sempre foi tema de muitos debates e tinha grande reprovação da população. Posteriormente, surgiu a ideia da utilização de coleiras caninas impregnadas com inseticidas, sendo que no Brasil a substância utilizada é a deltametrina.
A coleira impregnada é colocada nos cães e leva um certo período para agir, porque é necessário que o inseticida impregne em todo o corpo do animal, Além de repelir o mosquito, Lindoso diz que o deltametrina também é capaz de exterminá-lo. O médico afirma que existem alguns trabalhos comparando localidades distintas e demonstrando que o uso desse dispositivo mostra eficácia contra a infecção canina e, consequentemente, na propagação da zoonose entre os seres humanos.
“Ainda temos alguns poréns em relação ao uso da coleira, como a questão da manutenção, já que geralmente tem que trocar o equipamento a cada seis meses ou quando os próprios animais retiram ou danificam ele. Mas de certa forma, esse método é muito mais interessante do que a promoção da eutanásia canina, desde que, logicamente, seja implantada apenas naqueles cães que ainda não estão infectados”, discorre
Bolívia
País fronteiriço com o Brasil, a Bolívia vem enfrentando um surto de leishmaniose visceral entre seus residentes e, devido a isso, o governo brasileiro disponibilizou uma doação de mais de 10 mil coleiras caninas ao país vizinho, com o intuito de amenizar a situação no local. Para Lindoso, a atitude é correta e pode ajudar a evitar que a contaminação chegue aos brasileiros que residem nas áreas próximas às fronteiras.
“É uma ação importante porque a Bolívia tem uma relação de parceria com o Brasil e, além disso, os índices de casos de leishmaniose visceral humana na Bolívia estão muito altos, inclusive na região de fronteira próxima à cidade de Corumbá, no Mato Grosso do Sul. Então pode acabar melhorando também as condições da população brasileira nessa região, porque, ao reduzir a infecção canina, também reduz a mortalidade da leishmaniose visceral no homem”, finaliza.
*Estagiário sob supervisão de Marcia Avanza e Cinderela Caldeira
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