Depois de muita discussão, foi finalmente aprovado no início da semana o substitutivo da revisão do Plano Diretor da cidade de São Paulo, que inclui a possibilidade de que o setor imobiliário – aproveitando os incentivos que nada mais são do que uma renúncia fiscal – produza mais moradia perto do transporte coletivo. “Permanece muito forte nesse substitutivo uma produção de área construída que não necessariamente, eu diria quase certamente, oferecerá moradia para quem mais precisa e os usuários do transporte coletivo, até porque se aumentou o número de garagens, se permite apartamentos maiores e os controles sobre a destinação do que supostamente seria de habitação de interesse social, que estão no plano, são extremamente frágeis e fatalmente não serão aplicados”, diz a professora Raquel Rolnik. Ela observa, porém, que a área que vai estar sujeita a esse aumento de potencial ainda terá que ser definida na Lei de Zoneamento, uma legislação que vem sempre depois do Plano Diretor, “que aí define mais claramente, em cada terreno, o que pode e o que não pode fazer, então esperamos aí mais um round dessa briga na Câmara Municipal em torno do zoneamento”.
A colunista lamenta que o debate tenha ficado muito em torno da verticalização e que vários outros elementos não tenham sido levados em conta. “Por exemplo, na coleção de absurdos que fazem parte desse plano, um deles é que imóveis tombados – patrimônio histórico, agora com tombamento ambiental também – podem transferir esse potencial, ou seja, podem vender aquilo que não vão usar para outro. Isso já era assim e, na verdade, o projeto atual amplia isso, porque não só vai poder vender para outro agora, como daqui a dez anos vai poder vender de novo o mesmo potencial, como se fosse uma espécie de galinhas dos ovos de ouro, um terreno que vai produzindo potencial sem parar. Junto com isso, também uma outra coisa, um contrassenso total, aquele que produzia habitação de interesse social, ou seja, justamente aquilo que vai ser produzido com muitos incentivos – e que, na verdade, é fake habitação de interesse social – não apenas tem muito incentivo para produzir como também vai poder transferir o seu potencial construtivo, como se fosse, digamos, uma perda econômica para o empreendedor fazer isso ou produzir isso; enfim, são vários elementos que claramente privilegiam interesses do setor imobiliário, não levam em consideração as questões mais importantes da cidade, mas que, infelizmente, foram aprovados na Câmara Municipal de São Paulo”, argumenta Raquel Rolnik, que defende uma campanha pelo veto das coisas que considera absurdas no plano, assim como uma revisão profunda “de um planejamento urbano que está completamente dominado e controlado pela produção imobiliária”.
Cidade para Todos
A coluna Cidade para Todos, com a professora Raquel Rolnik, vai ao ar quinzenalmente quinta-feira às 8h30, na Rádio USP (São Paulo 93,7; Ribeirão Preto 107,9) e também no Youtube, com produção da Rádio USP, Jornal da USP e TV USP.
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