Mercado de trabalho brasileiro apresenta recuperação após a pandemia de covid-19

Hélio Zylberstajn afirma que o Brasil diminuiu a desocupação e aumentou a ocupação, mas que existem ressalvas

 05/02/2024 - Publicado há 3 meses
Em 2023, a cada dez novos ocupados, sete se ocuparam em postos de trabalhos formais, grande parte com carteira assinada – Foto: Wikimedia Commons
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O ano de 2023 apresentou dados positivos referentes às taxas de desemprego no Brasil, que fechou o ano com a menor taxa desde 2014, 7,8%. Além disso, apontou uma redução de 17,6% em relação ao ano anterior no número de indivíduos desocupados, com média de 8,5 milhões, e aumento na quantidade de trabalhadores com carteira de trabalho assinada e na renda média do País.

O professor Hélio Zylberstajn, da Faculdade de Economia, Administração, Contabilidade e Atuária (FEA) da Universidade de São Paulo e responsável pelo projeto Salariômetro, afirma que o Brasil está recuperando o que foi perdido durante o período da pandemia de covid-19 e que foi um ano bom para o mercado de trabalho no geral.

Recuperação do mercado de trabalho

“Chegamos a uma marca histórica de 101 milhões de brasileiros ocupados e isso aconteceu porque houve um crescimento apreciável de 1,6 milhão de novos postos de trabalho. Temos 8,1 milhões de desocupados, isso é uma queda de 500 mil, ou seja, diminuímos a desocupação e aumentamos a ocupação”, explicita. No entanto, ele completa que o fato desse resultado ter sido alcançado por uma aceleração no quarto trimestre pode ofuscar o brilho desses dados.

Para o especialista, isso pode ter ocorrido por um efeito sazonal, no qual no último trimestre de todo ano há o aumento da atividade econômica e, consequentemente, o crescimento de empregos. Um terço das ocupações aconteceu nesse período destacado, e, nesse sentido, ele comenta: “Isso significa, na minha avaliação, que esse ritmo deve cair, talvez a gente tenha até uma perda no próximo trimestre, mas, de qualquer maneira, fechamos muito bem o ano”.

Mudanças positivas

De acordo com Zylberstajn, o entendimento do que é a formalização do trabalho mudou, visto que, até pouco tempo, eram considerados apenas aqueles que tivessem carteira de trabalho assinada ou fossem funcionários públicos. Porém, hoje existem outras formas de não informalização, entre elas ele destaca o microempreendedor individual (MEI), que formaliza a posição do indivíduo no mercado e o registra — contribuindo com o INSS, por exemplo.

Hélio Zylberstajn – Foto: Cecília Bastos/USP Imagens

Em 2023, a cada dez novos ocupados, sete se ocuparam em postos de trabalhos formais, grande parte com carteira assinada. Ademais, o professor ressalta que o rendimento médio obteve um crescimento real de 3,1% em comparação a 2022 e diz: “Normalmente, quem entra no mercado de trabalho ganha menos do que quem já está trabalhando e, portanto, como a gente teve um crescimento expressivo de novos ocupados, se tivesse uma queda no rendimento médio, seria um efeito estatístico, mas um aumento na média significa que quem entrou já entrou ganhando igual ou mais”.

Outro ponto importante que o docente realça é a massa de rendimentos mensal, que chegou a cerca de R$ 302 bilhões, e a anual ficou próxima dos R$ 4 trilhões — em torno de 40% do PIB brasileiro. “O ideal é que fosse 60% do PIB, como é nos países em desenvolvimento, mas a massa de rendimento teve um crescimento real de 5%. O crescimento da área de comércio e de serviço empurra o PIB para cima, porque uma grande parte dele vem do consumo e o consumo vem diretamente do rendimento dos trabalhadores”, desenvolve.

Ressalvas

Na opinião de Hélio Zylberstajn, o governo federal não está ajudando para que esse cenário positivo se mantenha no longo prazo, uma vez que, de maneira indireta, a transferência de renda, em especial o Bolsa Família, está promovendo um aumento no número de pessoas que não adentram no mercado de trabalho — crescimento de 400 mil brasileiros. Portanto, para ele, a taxa de desemprego caiu pelo crescimento da ocupação e, também, pela redução de indivíduos à procura de emprego.

“Você pensar que o rendimento médio hoje é de R$ 3 mil e para as pessoas de menor ocupação deve estar perto de R$ 1.500, se a família recebe uma ajuda do governo de R$ 600, não que seja muito, mas atrapalha a decisão de ir para o mercado de trabalho. Não compensa tanto, eu vou ter que perder tempo com condução e não vou poder cuidar da minha família por uma diferença que não vai ser tão grande assim”, opina.

Diante desse cenário, o especialista ressalta que isso está reduzindo a oferta de trabalhadores menos qualificados e, dessa forma, as empresas reclamam dessa escassez. Em sua visão, no Brasil há uma competição populista e esses dois polos da economia disputam quem distribui mais dinheiro para as populações vulneráveis: “Isso sinaliza que é preciso um controle para que esse programa seja bem focalizado. Ao mesmo tempo que ele ajuda a sobrevivência da família, ele induz essa família a sair da condição de pobreza, a ponto de desistir da participação no mercado de trabalho, pois perderia o benefício”.

Além disso, Zylberstajn destaca que 2023 foi um ano importante para a discriminação contra a mulher no mercado de trabalho, com a professora Cláudia Goldin vencendo o Prêmio Nobel de Economia 2023. Sua carreira acadêmica é focada no estudo do que determina a diferença de rendimento entre homens e mulheres e, assim, ela chegou à conclusão de que a causa principal não é a discriminação por si só.

O docente explica: “Por causa do avanço tecnológico na área da produção, as empresas perceberam que precisavam combater a rotatividade para que a produtividade aumentasse, nisso as mulheres ficaram em desvantagem”. De acordo com ele, o principal fator para isso é a gravidez da mulher, visto que ela necessita sair do mercado de trabalho por um período para cuidar dos filhos.

Nesse sentido, o Ministério do Trabalho regulamentou uma lei que instituiu a igualdade salarial nas empresas, que serão obrigadas a informar o salário de todos os funcionários de acordo com sua ocupação e o Ministério irá produzir um relatório que define se há discriminação na instituição. Ele alerta que isso atrapalha a decisão da contratação das mulheres e o ambiente de negócios, o que pode comprometer o que foi construído no ano passado.

Por fim, ele diz que, para resolver essa situação, deveria ser mudado o eixo das políticas de proteção à maternidade e igualar o pai e a mãe: “Se a licença maternidade pudesse se transformar em uma licença parental, tanto o homem como a mulher possuiriam essa licença. Isso já é feito em alguns países, e o resultado não só é uma diminuição na diferença salarial, mas também um aumento na taxa de natalidade”.


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