“Há dez anos, a revista Wired chegava às bancas com uma capa perturbadora. The Web is Dead (A Internet Morreu). A chamada de capa remetia a dois artigos de autoria de Chris Anderson e de Michael Wolff”, lembra Giselle Beiguelman em sua coluna Ouvir Imagens, da Rádio USP (clique e ouça o player acima). “Os coveiros da internet eram as redes sociais, os aplicativos e a alta concentração de serviços em algumas poucas empresas. Os autores mostravam como a virada da web 2.0 configurou um sistema em que o centro de interesses das empresas migrou do conteúdo para a tecnologia em si.”
Segundo a professora, o que chamamos de web 2.0 não remete à emergência de um novo protocolo de internet, mas a uma nova arquitetura de informação que viabiliza outro uso da internet. “Ao invés de ser apenas um gigantesco arquivo de páginas, ou seja, de conteúdo disponível para consumo, a internet passa a funcionar como plataforma, baseada em bancos de dados, para desenvolvimento e criação, sem demandar grandes repertórios tecnológicos dos usuários.”
O sistema, que promete a era do conteúdo gerado pelo consumidor, entrega uma concentração sem precedentes nas mãos de algumas poucas empresas. “Se é verdade que os bancos de dados facilitam o acesso por muitos, é fato também que a conexão de tantos sites, como existem hoje na www, só é possível através de centros altamente conectados e operados automaticamente, que apenas empresas de grande porte têm capacidade de manter.”
A colunista explica que, nessa arquitetura, consolida-se o modelo da computação em nuvem, baseado no compartilhamento de servidores interligados via internet. “Operam nas nuvens desde redes sociais, como Facebook e Twitter, a empresas de software, como Microsoft, lojas como Amazon, iTunes, Google Play, serviços como e-mail e armazenamento em drives virtuais, do tipo do Gmail, Outlook e Dropbox, além de programas governamentais de dados abertos.”
Na sua avaliação, a facilidade de uso é a razão de ser de seu sucesso, mas é também o que converteu a internet num espaço povoado de cidadelas fortificadas, onde as pessoas vivem dentro de alguns poucos sites e serviços populares dominantes. “A experiência de isolamento social determinado pela covid-19 consolida este modelo, evidenciando que uma das questões centrais do pós-pandêmico é pensar formas de reocupar os espaços informacionais. Afinal, eles são constituintes da nossa vida social e não só refletem como também acirram as desigualdades do mundo real em que estamos.”
Ouvir Imagens
A coluna Ouvir Imagens, com a professora Gisele Beiguelman, vai ao ar quinzenalmente, segunda-feira às 8h, na Rádio USP (São Paulo 93,7; Ribeirão Preto 107,9) e também no Youtube, com produção da Rádio USP, Jornal da USP e TV USP.
.