Sucesso de Pelé foi arma contra a invisibilização dos negros no Brasil

Estudo de mestrado desenvolvido na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP mostra quando “Pelé se tornou Pelé”, constituindo-se na personificação do esporte mais popular do mundo

 11/01/2024 - Publicado há 10 meses
Pelé (número 10) passa por três jogadores suecos em partida da Copa de 1958 – Foto: Charlie Raasum/Wikipedia/Domínio público

 

Foi na Copa do Mundo de 1958, na Suécia, que Edson Arantes do Nascimento revelou-se para o mundo como Pelé. Ele havia iniciado sua carreira dois anos antes no Santos, mas nem sempre foi visto como um grande jogador. Por vezes, foi até mesmo ignorado e criticado pela mídia. Porém, depois de ser destaque na Copa de 1958, que deu à seleção brasileira seu primeiro título mundial, Pelé mostrou-se um craque. Desde então, sua imagem transformou-se cada vez mais na personificação do futebol, e o rosto de Pelé passou a ser um dos mais conhecidos do mundo. Assim, seu sucesso contribuiu, mesmo que involuntariamente, com a luta contra a invisibilização das pessoas negras.

Esse foi o objeto de estudo de Fernando José Lourenço Filho, professor de história que analisou, em dissertação de mestrado, a trajetória de Pelé e a forma como a imprensa o retratou ao longo dos anos. O pesquisador fez um levantamento de todas as menções ao nome de Pelé nos periódicos Gazeta Esportiva, Jornal dos Sports, Manchete Esportiva, Última Hora e O Cruzeiro, entre o início de sua carreira, em 1956, e a conquista da Copa do Mundo de 1958 pela seleção brasileira.

Pelé chora no ombro do goleiro Gilmar após a conquista do mundial de 1958 – Foto: Aftonbladet/Wikipedia/Domínio público

“Hoje, as habilidades de Pelé são inquestionáveis, mas ele nem sempre foi percebido pela mídia como um grande talento”, afirma Lourenço Filho.

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Os jornais começaram a mudar de ideia em 1958, quando o Brasil viu nascer um prodígio na Copa do Mundo. Com apenas 17 anos, Pelé tornou-se o jogador mais jovem a marcar gol em uma final de Copa – e marcou não só um, mas dois gols naquele Brasil x Suécia. “Meu grande objetivo foi justamente observar como esta transformação ocorreu e identificar o momento em que Pelé se tornou Pelé”, explica o pesquisador.

O Rei

Fernando José Lourenço Filho – Foto: Arquivo pessoal

Naquele mesmo ano, a genialidade do jogador já havia sido reconhecida por Nelson Rodrigues, um dos escritores e jornalistas mais importantes da época. Rodrigues publicou uma crônica na qual deu o título de rei para Pelé pela primeira vez, depois de um Santos x América-RJ com quatro gols dele. Ao colocá-lo em uma posição de tanto destaque, o escritor e jornalista “fez dele, mesmo ainda muito jovem, um protagonista da luta contra o racismo no Brasil – um racismo que era pouco debatido e bastante ignorado pela imprensa”, segundo Lourenço Filho.

O autor opina, ainda, que o jogador foi o brasileiro mais popular no mundo durante seu auge. “Falar de Pelé, um jovem negro em início de carreira, e cuja figura ocupou um papel de destaque no imaginário brasileiro na segunda metade do século 20, é também falar sobre os significados de ser negro em uma sociedade estruturalmente racista, como é a brasileira. Além disso, busco compreender como esta mesma sociedade trata estes indivíduos negros que ascendem socialmente”, destaca Lourenço Filho. O pesquisador afirma que a figura de Pelé cristalizou o espírito do Brasil da época, que era – e ainda é – um país apaixonado pelo esporte e pelo futebol. “E se tudo isso ainda por cima fosse pouco, ele se tornou a personificação do esporte mais popular do planeta”.

Pelé no Fórum Econômico Mundial na Suíça, 2006 – Foto: World Economic Forum/Wikipedia/CC BY-SA 2.0

 

A dissertação de mestrado Tornar-se Pelé: a ascensão de um jovem jogador negro no futebol brasileiro, escrita por Fernando José Lourenço Filho e orientada pelo professor Flavio de Campos, foi defendida em novembro de 2023 no âmbito do programa de Pós-Graduação em História Social da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP.

*Texto de Gabriela Ferrari Toquetti, estagiária do Serviço de Comunicação Social da FFLCH

 

 


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