






Formada em Farmácia pela USP, Aline iniciou seu doutorado em 1983, sob orientação da professora Maria Helena Juliani, com o projeto Expressão gênica diferencial durante o desenvolvimento e na resposta ao choque térmico em Blastocladiella emersonii. Na época ela também era pesquisadora no Centro de Biotecnologia do Instituto Butantan liderado por Isaias Raw, por quem ela tinha muito respeito e admiração. Após concluir o doutorado, pediu exoneração do Butantan e seguiu para um estágio de pós-doutorado no laboratório de Claudette Klein, na Saint Louis University, onde descobriu sua paixão por Dictyostelium discoideum, um modelo para estudo de expressão gênica e sinalização molecular.
Continuou estudando o estilo de vida desta ameba ao retornar ao Brasil em 1991, já como docente do Departamento de Bioquímica do IQ-USP. No final dos anos de 1990, Aline se juntou às professoras Suely Lopes Gomes e Marilis do Valle Marques para integrar o seleto grupo de pesquisadores do Estado de São Paulo que participou do primeiro Projeto Genoma no Brasil, o sequenciamento do genoma da bactéria Xylella fastidiosa. Esse projeto resultou no primeiro genoma de um patógeno de plantas no mundo, sendo um marco no avanço científico do País. Após o término do projeto, Aline continuou estudando a biologia da Xylella pelo viés da genômica funcional, culminando em descobertas fundamentais sobre seus mecanismos de adesão celular, formação de biofilmes e comunicação intercelular.
Na mesma época, Aline participou do Projeto Genoma Câncer do Brasil, colaborando com os professores Sergio Verjovski, Eduardo Reis e outros, constituindo um dos primeiros grupos no mundo a investigar a expressão de RNAs não codificadores. O mergulho de Aline nestes projetos a inspirou a trabalhar com o professor Verjovski para fortalecer e modernizar a infraestrutura de pesquisa do Instituto de Química, criando e coordenando o Centro Avançado de Tecnologias em Genômica (CATG). Este centro oferece serviços de sequenciamento e análise de genomas e transcriptomas, e tornou-se referência na USP e fora dela.
Sua sede pelo contínuo aprendizado e inovação a motivou a fazer um sabático de seis meses, em 2011, no laboratório do professor Steven E. Lindow, na Universidade da Califórnia, em Berkeley, EUA, onde investigou os aspectos moleculares da interação de Xylella fastidiosa com seus hospedeiros vegetais.
Ao longo de toda sua carreira como docente do IQ-USP, Aline foi orientadora ativa no Programa de Pós-Graduação em Bioquímica do instituto, assim como no Programa de Pós-Graduação Interunidades em Bioinformática, do qual foi uma das fundadoras. Em 2022-2023, Aline foi presidente da Comissão de Pós-Graduação deste programa. Durante a carreira, ela formou 15 mestres, 24 doutores e supervisionou 12 pós-doutores e inúmeros alunos de iniciação científica.
Em 2012, com o estímulo do professor Luiz Juliano, da Unifesp, Aline e o professor João Carlos Setubal, do IQ-USP, iniciaram um ambicioso projeto de coletar, analisar e prospectar dados moleculares de microbiomas de diferentes ambientes do Parque Zoológico de São Paulo, em particular do seu processo de compostagem de matéria orgânica. Este projeto resultou em várias descobertas importantes, principalmente sobre o papel das comunidades microbianas no processo de compostagem.
Foi trabalhando neste projeto que Aline teve sua curiosidade científica despertada pelos bacteriófagos — vírus que infectam bactérias, geralmente abreviados por fagos. Os fagos tiveram um papel importante nos primórdios da biologia celular e molecular nos anos 1930 e 1940, passando em seguida por um longo período sem que atraíssem a atenção de muitos pesquisadores. Os fagos começaram a voltar ao primeiro plano de investigação científica há cerca de 15 anos, e Aline foi uma pioneira na USP neste processo de revalorização dos fagos.
Ela e sua equipe de alunos de pós-graduação e iniciação científica foram os primeiros a conseguir isolar fagos de compostagem, um ambiente onde sobrevivem organismos que toleram altas temperaturas. Ela também agregou vários grupos com competências complementares para estudar a estrutura molecular dos fagos e os mecanismos envolvidos na interação fago-bactéria. Seu entusiasmo pelos fagos foi recompensado pelo ressurgimento na literatura científica médica recente da velha ideia de usar fagos para combater infecções bacterianas resistentes a antibióticos, um procedimento conhecido como “fagoterapia”.
Ao longo de todos estes anos, Aline e seus orientandos participaram em um ciclo de seminários semanalmente organizado pela professora Suely Lopes Gomes, que incluiu grupos principalmente do Instituto de Química e do Instituto de Ciências Biomédicas, interessados em bactérias. Foi a partir deste grupo, conhecido como o grupo de Microbiologia Molecular, que nasceu em 2021 a ideia de lançar o projeto que deu origem ao Centro de Pesquisa em Biologia de Bactérias e Bacteriófagos, o Cepid B3, do qual a Aline era vice-diretora. A paixão de Aline pelos fagos e suas interações com bactérias formaram a base de uma das principais vertentes investigativas do Cepid B3.
Além de sua produção científica, Aline foi líder atuante em projetos de extensão e gestão acadêmica. Dentre outras atuações, ela integrou comissões da Fapesp e do CNPq por décadas, foi membro do Conselho da Academia de Ciências do Estado de São Paulo, contribuiu significativamente para sucessivas gestões da Sociedade Brasileira de Bioquímica e Biologia Molecular, e atuou como assessora na Pró-Reitoria de Pós-Graduação da USP na gestão do professor Armando Corbani Ferraz (2007-2010), durante a administração da reitora Suely Vilela.
Aline será lembrada por sua personalidade contagiante, sempre positiva e generosa. Seu sorriso iluminava qualquer ambiente e atraía alunos, colegas e colaboradores, que encontravam nela uma orientadora atenciosa, uma cientista de excelência e uma amiga leal. A Aline nos deixou cedo demais, mas seu legado permanece vivo nas muitas vidas que impactou. Sua paixão pelo ensino e pela ciência continuará inspirando todos aqueles que tiveram o privilégio de conhecê-la.
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