Retomada nos estudos de poéticas guaranis marca encontro na USP

Palestra recupera conhecimentos silenciados por herança colonial na educação e celebra a primeira tradução direta para o português da narrativa indígena “Ayvu Rapyta”, a Ilíada ameríndia; produção de material pedagógico na educação básica e no ensino superior é uma das propostas do evento

 27/04/2023 - Publicado há 1 ano
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Palestra recupera conhecimentos silenciados por herança colonial na educação  – Foto: Cecília Bastos / USP Imagens

 

Na próxima terça-feira, 2 de maio, às 14 horas, o Centro de Estudos Ameríndios (Cesta) da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP promove a palestra A Cosmopoética Guarani-Mbya: (Re)traduzindo o Ayvu Rapyta. A obra representa um compilado de mitos orais que narra a formação do mundo, sendo uma das grandes e mais fundamentais narrativas ameríndias, equiparável aos clássicos da antiguidade tais como a Ilíada e a Odisseia de Homero. O livro significa também um importante alicerce nas concepções cosmológicas dessa comunidade indígena. O evento, gratuito e sem necessidade de inscrição prévia, acontece na sala 114 do prédio das Ciências Sociais da FFLCH. 

Pedro Cesarino pesquisa sobre xamanismo, cosmologia e tradições orais – Foto: Reprodução

A primeira tradução do Ayvu Rapyta foi publicada em castelhano – o espanhol falado em países andinos e da América do Sul – na Revista de Antropologia da USP, em 1953, e pode ser acessada atualmente pelo Portal de Revistas da USP neste link. Desde então, poucas traduções foram feitas. Por isso, os organizadores do evento celebram a retomada dos estudos das poéticas indígenas Guarani-Mbya na Universidade. Para Pedro Cesarino, professor do Departamento de Antropologia da FFLCH, “o desconhecimento de tal obra é sintoma do silenciamento dos conhecimentos indígenas e do epistemicídio colonial que ainda vigora em nosso País. Os estudos e o evento representam uma tentativa de reparar essa lacuna”, conta o professor, um dos responsáveis pela organização do encontro. 

Um dos convidados para cooperar na construção dos debates no evento é Adalberto Muller, professor associado de Teoria Literária da Universidade Federal Fluminense (UFF). O escritor e tradutor tem realizado estudos acerca da tradução da obra protagonista na cosmopoética indígena. Essa é a primeira vez que a obra indígena está sendo traduzida em português diretamente do guarani sem passar por traduções de outros idiomas primeiro. Atualmente, o professor desenvolve o projeto de pesquisa Ombojera: Desdobramentos Tupi-Guarani na Literatura Brasileira, dedicando-se às cosmologias Guarani Mbyá e Kaiowá. Quem media a conversa é Anai Vera, doutoranda no Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social (PPGAS) da FFLCH.

Segundo Pedro, toda tradução representa também uma atividade de risco. “Não existe tradução pura. Toda tradução envolve risco, seja ela realizada por pessoas indígenas ou não indígenas. No entanto, o risco maior é o do silenciamento, da exclusão e da incompreensão dos conhecimentos indígenas, que perpetuam ciclos de violência e de desigualdade”, afirma. “Povos indígenas vivem, hoje, em uma relação inevitável com a escrita, que se tornou também uma ferramenta política e de conhecimento usada por eles próprios e por seus aliados”, ressalta o docente, que pesquisa etnologia indígena com foco em tradições orais. 

Ele comenta, ainda, que o encontro irá ampliar a produção de conhecimentos, não apenas para pesquisas no ensino superior, mas também para a educação básica. “Trata-se de uma demanda institucional, histórica e política que precisa ser suprida”, pontua.

Retradução necessária 

Anai Vera – Foto: Arquivo pessoal

Como a primeira tradução do Ayvu Rapyta foi realizada há quase 70 anos, era preciso uma retradução de termos que, para os dias de hoje, não são cabíveis. “Algumas questões precisam ser revisadas. Por exemplo, ayvu e ñe’ẽ significam linguagem e alma, respectivamente, e muitas vezes foram traduzidos apenas como palavra-alma. Para os guaranis, o nome e a alma não se separam, há uma origem divina associada. É uma questão muito mais profunda e poética ”, explica Anai, que atualmente pesquisa sobre interações vegetais na Mata Atlântica com a comunidade Guarani-Mbya. 

Embora não seja indígena, Anai vera pensa como o escritor Eduardo Galeano, ao relatar que “na América todos temos sangue indígena; alguns nas veias, outros nas mãos”, diz.

A nova tradução do professor Adalberto respeita o ritmo dos primeiros cantos, com o auxílio das comunidades indígenas Guarani-Mbya. O linguista, de descendência indígena na terceira geração, nasceu em uma zona de conflito entre indígenas e fazendeiros, na fronteira trilíngue do Brasil com o Paraguai (Ponta-Porã/Pedro Juan Caballero). Ele diz que, apesar disso, “convive com a língua guarani desde o ventre”. ,com o Centro de Estudo Ameríndios da USP

Saiba mais: @cestausp


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