Produção da USP estreia em mostra de cinema que debate ligação Brasil-África

Essa Gunga Veio de Lá – Tradição Africana nos Sinos do Brasil abre a mostra Marcas Afrodiaspóricas, na Casa de Rui Barbosa, no dia 11 de abril; mostra de filmes segue até julho

 Publicado: 08/04/2024

Texto: Redação*

banner de divulgação da mostra de cinema "Marcas Afrodiaspóricas"

Mostra de cinema Marcas Afrodiaspóricas: História, Cinema e Memória é promovida pela Quiprocó Filmes e Fundação Casa de Rui Barbosa - Imagem: Divulgação

Mostra de cinema "Marcas Afrodiaspóricas: História, Cinema e Memória" é promovida pela Quiprocó Filmes e Fundação Casa de Rui Barbosa - Imagem: Sino do Benim / The Metropolitan Museu of Art

Investigar o processo diaspórico e a ligação histórica entre Brasil e África por meio de filmes, pesquisas e conversas. Esse é o mote da mostra cinematográfica Marcas Afrodiaspóricas: História, Cinema e Memória, promovida pela Quiprocó Filmes e pela Fundação Casa de Rui Barbosa, que, até julho, vai promover sessões de cinema gratuitas, seguidas por conversas críticas com cineastas, pesquisadores e convidados. 

A mostra abordará temas como os vínculos entre Brasil e África, o patrimônio material e imaterial gerado pelo processo afrodiaspórico e sua preservação, a luta dos diferentes povos negros e afrodescendentes por permanência e memória, entre outros. A curadoria é dos historiadores Eduardo Possidonio e Ivana Stolze Lima, especialistas em história da África e das heranças africanas no Brasil.

A primeira sessão será no dia 11 de abril, às 18 horas, com o filme Essa Gunga Veio de Lá – Tradição Africana nos Sinos do Brasil, uma produção do Jornal da USP, publicada em dezembro de 2023 no Canal USP. O documentário é baseado na pesquisa de doutorado em História Social do historiador e etnomusicólogo Rafael Galante, que participará de um bate-papo com o curador Eduardo Possidonio após a exibição. A mediação será de Ivana Stolze Lima. 

A tese de doutorado de Galante recebeu o 1º lugar do Prêmio Sílvio Romero de Monografias de Folclore e Cultura Popular do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) em 2023.

As sessões acontecem uma vez por mês, até julho, e ainda serão exibidos os filmes A Rainha Nzinga Chegou, de Júnia Torres e Isabel Casimira (9 de maio); Atlântico Negro: Na Rota dos Orixás, de Renato Barbieri (13 de junho); e Pedra da Memória: Diálogos Brasil Benim, de Renata Amaral (4 de julho). A  mostra marca também a retomada de eventos na Fundação Casa de Rui Barbosa, no Rio de Janeiro.

Negros sineiros do Brasil

Essa Gunga Veio de Lá – Tradição Africana nos Sinos do Brasil, com edição de Mariana Franco e direção de Tabita Said, aborda o universo urbano do Oitocentos, em que africanos e seus descendentes, escravizados, livres e libertos, atuavam com desenvoltura como sineiros nas principais igrejas das cidades brasileiras. O documentário fala ainda sobre a capoeira que, no século 19, era ligada ao universo espiritual afro-brasileiro, e tinha em sua iniciação as torres de sinos das igrejas.

“Nós tivemos, no Rio de Janeiro, a influência de sineiros que eram capoeiristas das várias maltas que existiam naquele período. Ao tomarem um território, sua primeira atitude era subir à torre da igreja e tocar o sino, anunciando que estavam assumindo o domínio daquele território”, afirma no documentário Mestre Valdenor, mestre de capoeira e doutorando pela Faculdade de Educação da USP.

Vindos da África Central-Ocidental e compreendendo diferentes povos da faixa atlântica do continente, esses africanos trouxeram consigo um conhecimento antigo de uso e manipulação de sinos. Muito mais do que isso: um complexo sistema de línguas tonais, seus ouvidos estavam treinados para escutar e mandar mensagens por meio de instrumentos como os agogôs, utilizados também em rituais religiosos.

Rafael Galante, Mestre Valdenor e Olúmúyiwá Adékòyà falam da relação entre africanos e capoeiras para a tradição sineira do Brasil - Imagem: reprodução / Canal USP

“Na iniciação, somos preparados para que quando se ouve aquele toque, haja uma comunicação entre o toque e sua preparação”, explica Olúmúyiwá Anthony Adékòyà, mestre em História Social pela Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP e especialista em língua iorubá. Ele também é um dos personagens do documentário. 

Quando os negros chegam ao Brasil, o instrumento amplamente utilizado nas igrejas católicas passa a receber influências afros, amparadas pela tradição do instrumento no continente africano, dando novos contornos à sua utilização. O documentário relata que os sineiros impuseram novas formas de tocar o sino, e em igrejas com vários deles era possível apresentar rítmicas apuradas das manifestações afro-brasileiras existentes. Em algumas, inclusive, o toque dos sinos chegou a ser usado para promover encontros não católicos.

“Esses toques foram patrimonializados (no Brasil) numa lógica que ainda deve muito à cultura afro-brasileira. Porque eles foram reconhecidos em um sentido muito oficial, como toques da igreja da tradição católica, que é explicada a partir da Idade Média. Mas quando você vai efetivamente ouvir os toques de sinos, a matriz musical não é europeia”, destaca Rafael Galante no filme.

Cinema, história, memória e divulgação científica

Mais do que uma mostra de cinema, Marcas Afrodiaspóricas: História, Cinema e Memória é um projeto de divulgação científica e formação crítica para o conhecimento dos vínculos entre Brasil e África. O projeto é realizado através da Lei Paulo Gustavo de incentivo à cultura. 

“Muito além do trabalho forçado, mulheres, homens e crianças africanas trouxeram conhecimentos, técnicas e experiências comunitárias que emprestam, a uma história de violência e dor, uma possibilidade de sobrevivência, resistência e criação cultural que importa a todos nós”, explica a curadora da mostra e doutora em História pela Universidade Federal Fluminense, Ivana Stolze.

Nesta edição, a curadoria quis apresentar filmes e pesquisas focadas na relação com a África Central (a região comumente chamada Congo-Angola) e com o Golfo do Benim na África Ocidental.

Ivana Stolze

Ivana Stolze é pesquisadora da Fundação Casa de Rui Barbosa - Foto: Lattes

Eduardo Possidonio

Eduardo Possidonio é doutor em História Social pela Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro - Foto: Lattes

Além da análise dos temas e conteúdos apresentados nos documentários, o objetivo é também aprofundar a discussão sobre o processo criativo dos filmes, questionando as fundamentações teóricas que guiam as abordagens dos cineastas. As conversas com produtores, pesquisadores e especialistas permitem que o conhecimento extrapole o contexto do filme, assim como os conceitos que influenciam suas escolhas e seleções.

“As muitas dimensões das travessias no mundo atlântico apresentadas nos documentários serão ponto de partida para uma reflexão e debate públicos que contribuam para perceber e emprestar visibilidade e valor às marcas afrodiaspóricas do Brasil atual”, conclui Eduardo Possidonio. Doutor em História Social pela Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, também é curador da mostra em exibição na Fundação Casa de Rui Barbosa, no Rio de Janeiro.

Serviço:

Mostra de cinema Marcas Afrodiaspóricas: História, Cinema e Memória
Data: 11 de abril de 2024, quinta-feira
Horário: 18 horas
Local: Auditório da Casa de Rui Barbosa – R. São Clemente, 134 – Botafogo, Rio de Janeiro.
Grátis. Livre.

* Com informações de Mario Camelo, da Quiprocó Filmes


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