Podcast resgata o protagonismo negro na história do Brasil

Com ex-alunos da USP na equipe, “Projeto Querino” venceu o Prêmio Vladimir Herzog recontando os principais marcos da história brasileira sob uma perspectiva afrocentrada

 07/11/2023 - Publicado há 1 ano
Personalidades negras retratadas pelo projeto: da esquerda para a direita, na parte superior, o militar Henrique Dias, o intelectual Manuel Querino e o curandeiro Mestre Tito; abaixo: a ialorixá Mãe Aninha, o alferes Dom Obá II e a compositora Chiquinha Gonzaga, ainda criança. - Fotomontagem de Jornal da USP com imagens de Reprodução/Instituto Archeológico e Geográphico Pernambucano; domínio público; Reprodução/Centro de Memória Unicamp; A. Lopes Cardoso/Coleção Princesa Isabel: Fotografia do século XIX.

“Como alguém que trabalha com podcasts, eu sempre penso que estou falando no ouvido de uma pessoa que não me conhece – e que provavelmente nunca vai ver o meu rosto – e eu quero que essa pessoa confie em mim para que a gente possa, juntos, criar uma história completa”, afirma Natália Silva, egressa do curso de Jornalismo da Escola de Comunicações e Artes (ECA) da USP, concluído em 2020, produtora da Rádio Novelo e uma das integrantes do Projeto Querino. Idealizado pelo jornalista e roteirista Tiago Rogero, o podcast foi anunciado vencedor do Prêmio Vladimir Herzog em 2023 na categoria Produção Jornalística em Áudio.

Projeto Querino lança-se à difícil tarefa de “falar ao ouvido” de milhares de pessoas sobre exatos 200 anos de história do Brasil, de 1822 a 2022. Tudo isso em apenas oito episódios. Mais do que isso, falar sobre alguns dos principais momentos – como a Independência do Brasil e a Abolição do trabalho escravo – sob o ponto de vista de pessoas negras e de seus descendentes, um grupo que, historicamente, foi invisibilizado em nosso País. “É um podcast que conta a história da independência brasileira a partir de um olhar afrocentrado”, explica a ex-aluna da ECA.


O nome do projeto é uma homenagem ao intelectual Manuel Raimundo Querino (1851-1923), jornalista, professor e abolicionista que, em 1918, publicou O colono preto como fator da civilização brasileira, obra que trata do protagonismo dos africanos e dos afrodescendentes para a formação do Brasil.

Natália Silva, ex-aluna do curso de Jornalismo da USP e produtora da Rádio Novelo - Foto: Reprodução/Instagram

Natália Silva é uma das 20 pessoas creditadas na produção (foram mais de 40 profissionais envolvidos ao todo). Ela atuou na revisão do roteiro e na direção de locução do podcast. A consultora de roteiro Paula Scarpin e o produtor executivo Guilherme Alpendre são outros dois ex-alunos da USP envolvidos no projeto. Paula e Guilherme são contemporâneos na ECA: ambos ingressaram no curso de Jornalismo em 2003.

Projeto Querino é resultado de um trabalho de dois anos, contou a jornalista e produtora Angélica Paulo durante a roda de conversa do prêmio, realizada no dia 25 de outubro. O primeiro ano foi todo dedicado à pesquisa histórica, coordenado pela professora Ynaê Lopes dos Santos, doutora pela USP e docente da Universidade Federal Fluminense (UFF).  “O Projeto Querino tem esse cuidado de não ser um achismo de nós, jornalistas”, conta a produtora, enfatizando o trabalho de pesquisa e de checagem das informações. É a esse trabalho que Angélica credita a boa recepção que o podcast tem tido junto a professores de história. “Aula sobre história preta ainda é uma coisa muito difícil no Brasil”, explica Angélica. “E uma das grandes contribuições do projeto é conseguir levar para esses jovens o Brasil que o Brasil não conhece.”Atualmente, o podcast está sendo adaptado para ser usado em sala de aula.

200 anos, 8 episódios

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Natália foi integrada à equipe do Projeto Querino já na reta final dos trabalhos, fazendo a revisão de roteiro e acompanhando o jornalista Tiago Rogero em parte das gravações de locução. “Como todos estavam debruçados no projeto há vários meses, meu papel era trazer um olhar fresco e fazer perguntas, para entender se o que estava nos roteiros era realmente o que eles queriam comunicar”, conta a jornalista. Para a ex-aluna da USP, o projeto fala sobre história, mas com a preocupação de manter o seu olhar sobre o presente. “O ouvinte é convidado a pensar sobre os impactos de algo que aconteceu há 200 anos no agora, no seu dia a dia. No mercado de trabalho, no sistema judiciário, na cultura, na educação”. Natália explica que, desse modo, o podcast estimula entender melhor o passado e o que acontece hoje.

A facilidade para trabalhar com o áudio foi algo que Natália observou desde o início da graduação. “Eu gostava da parte técnica, de fazer gravação e edição de som. Cheguei a fazer podcasts na ECA, mas não numa disciplina de áudio e sim de jornalismo digital. Isso foi em 2018, quando os podcasts viraram uma obsessão pra mim”, relembra. Ainda na graduação, Natália produziu seu primeiro podcast investigativo – Prato Cheio, sobre alimentação – fazendo, como ela mesma diz, “de tudo um pouco” – produção, roteiro e edição de som. Depois disso, foi editora de som e produtora de podcasts no jornal Folha de S. Paulo até chegar, finalmente, à Rádio Novelo.

“Eu dou o som. As vozes, as descrições, os fatos.
Cabe a quem ouve imaginar esse universo.
Sem essa disposição do ouvinte, a magia não acontece.”

Como trabalhar com podcasts?

Para a ex-aluna da ECA, o mercado de podcasts está longe de atingir todo o seu potencial.

E para quem gosta de podcasts e quer trabalhar com isso, a primeira dica é: escutar muitos podcasts. Mas só isso não basta. Natália sugere ouvir os episódios até o final, prestando atenção aos créditos de cada produção. “Quem trabalha nos podcasts que você mais gosta? Qual percurso essas pessoas percorreram para chegar onde estão hoje?”.

Na opinião da jornalista, ouvir podcasts, conhecer as trajetórias dos profissionais da área, fazer contatos e sugerir pautas ajudam a entrar no mercado de trabalho. “Tem muito terreno a ser explorado.”

*Com texto de Verônica Reis Cristo, do LAC – Laboratório Agência de Comunicação e informações do Projeto Querino


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