Pesquisadores da USP criam mapa interativo de sítios arqueológicos indígenas de São Paulo

Primeiro panorama sobre arqueologia indígena do Brasil deve se expandir para outros Estados; banco de dados público é resultado de pesquisa da USP envolvendo diferentes áreas

 13/05/2024 - Publicado há 6 meses     Atualizado: 16/05/2024 às 9:52

Texto: Guilherme Ribeiro*
Arte: Diego Facundini**

Um dos diferenciais do mapa arqueológico criado no MAE é a preocupação em apresentar a filiação cultural, informando sempre que possível o grupo indígena e o tipo de artefato encontrado, como pedras, lascas ou cerâmicas - Foto: Reprodução/ sites.usp.br/levoc/sobrelevoc/

Uma pesquisa em andamento no Museu de Arqueologia e Etnologia (MAE) da USP deu origem ao primeiro panorama sobre a arqueologia de povos indígenas no território que compreende o atual Estado de São Paulo. O mapa interativo apresenta ao usuário uma visão espacial das diversas manifestações culturais indígenas presentes em território paulista. 

“Estamos aqui tratando dos vestígios de materiais associados a grupos indígenas que ocuparam esta porção do Continente Americano desde tempos imemoriais. Não temos em nossos bancos de dados sítios associados ao contato com o elemento europeu ou africano”, explicam os pesquisadores do Laboratório Interdisciplinar de Pesquisas em Evolução, Cultura e Meio Ambiente (Levoc) do MAE, responsáveis pelo mapa. O grupo justifica utilizar o termo “indígenas” ao invés de “pré-coloniais” por um motivo simples: o recorte não é cronológico, mas cultural. 

Resultado de um Projeto Temático da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), o mapa conta com mais de 2 mil dados que foram cadastrados, até o lançamento, a partir de um banco de dados produzido com a compilação de teses, artigos e relatórios, além de informações coletadas no Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) e na biblioteca do MAE. O banco de dados que alimenta o mapa será regularmente atualizado, podendo ampliar as informações disponíveis. 

“No banco de dados podem ser consultados desde os sítios pré-coloniais até sítios mais recentes, do início do século 20. É a primeira compilação que unifica todas as informações, nunca tivemos isso e é um grande avanço tanto para o conhecimento científico quanto para a comunidade em geral”, afirma Letícia Corrêa, historiadora pela Universidade Metodista de Piracicaba (Unimep), mestre e doutora em arqueologia pelo MAE e uma das pesquisadoras envolvidas na criação do mapa.

Letícia Cristina Corrêa - Foto: Lattes

Novidade: Mapa Arqueológico

Mapa Interativo de Sítios Arqueológicos Indígenas de SP - areas vazias

Diferente da apresentação em tabelas, uma das vantagens do mapa é a possibilidade de observar regiões onde não há informações. O mapa apresenta duas áreas de São Paulo, com grandes vazios de informações arqueológicas: ao norte, todo o baixo curso do Rio Tietê e sua margem direita; ao sul , o vale do Rio do Peixe - Foto: Levoc / USP

O banco de dados foi criado utilizando coordenadas de localização UTM e dados WGS 84, disponíveis em aparelhos de GPS. Em sítios arqueológicos mais antigos, cuja localização não é precisa, o grupo de pesquisa optou por fornecer as coordenadas do centro do município onde se situa. Um dos diferenciais do mapa arqueológico criado no MAE é a preocupação em apresentar a filiação cultural, informando sempre que possível o grupo indígena e o tipo de artefato encontrado, como pedras, lascas ou cerâmicas. 

Para Astolfo Araújo, geólogo pelo Instituto de Geociências (IGc) da USP, mestre e doutor em arqueologia pelo MAE e coordenador do Levoc, a concepção do mapa só foi possível graças à interdisciplinaridade e colaboração entre diferentes áreas do conhecimento. Mas reforça a importância de se valorizar a informação advinda dos próprios povos tradicionais de cada território mapeado.

“Esse é um problema com o qual nos deparamos: infelizmente uma quantidade significativa de sítios foi cadastrada sem nenhuma informação sobre sua filiação cultural. Isso até seria aceitável nos primórdios da arqueologia brasileira, digamos até os anos 1960, mas de lá para cá já há um grande volume de conhecimentos e a atribuição dos sítios a algum referente cultural é quase uma obrigação”, afirma. 

Araújo explica que, a partir de cada relação entre local e tradição arqueológica determinada pelo mapeamento, fica mais fácil compreender e visualizar quais áreas eram ocupadas por cada povo indígena. 

“A arqueologia tem um potencial enorme para dialogar com os grupos indígenas. Quando vemos algumas exposições, a impressão é que esses grupos não têm passado. Você nunca vê uma peça arqueológica exposta para mostrar como a presença deles é antiga”, completa o geólogo.

Astolfo Gomes de Mello Araújo - Foto: Leonor Calasans/IEA-USP

mapa interativo lançado pelo Levoc é um dos resultados obtidos pelo projeto temático A ocupação humana do Sudeste da América do Sul ao longo do Holoceno: uma abordagem interdisciplinar, multiescalar e diacrônica, financiado pela Fapesp. O objetivo do projeto é analisar os processos relacionados à ocupação, sucessão e convivência do sudeste brasileiro pelos primeiros grupos humanos que chegaram às Américas, abrangendo os territórios dos atuais Estados de São Paulo e Paraná, e abarcando todo o período do Holoceno – cerca de 11 mil anos atrás até o presente.

“Creio que iniciativas como esta são imprescindíveis para o futuro da arqueologia, por um simples motivo: o cérebro humano funciona muito melhor em termos visuais. Geólogos têm mapas geológicos, geógrafos têm mapas topográficos, mas os arqueólogos não tinham nada semelhante. Agora temos”, comenta Araújo.

A exemplo da importância dos artifícios visuais para o entendimento humano, o mapeamento de sítios já levanta indagações para os arqueólogos. “A presença da Tradição Aratu na porção norte do Estado, apesar de bem conhecida, ganha agora contornos mais definidos. Aparecem também sítios que apresentam evidências de contato cultural Aratu e Tupi-guarani, cuja presença e localização engendram, novamente, uma multiplicidade de temas de pesquisa. Por exemplo, a grande quantidade de sítios mostrando contato entre essas duas tradições sugeriria um cenário de ausência de conflito? Haveria um caráter cronológico nesse cenário?”, são algumas das questões levantadas pelo grupo de pesquisa. 

Evolução, cultura e meio ambiente

Coordenado por Astolfo Araújo, o Laboratório Interdisciplinar de Pesquisas em Evolução, Cultura e Meio Ambiente (Levoc) é um laboratório temático vinculado ao MAE, criado em março de 2010. A iniciativa reúne docentes, discentes e especialistas com o objetivo de desenvolver pesquisas interdisciplinares. 

O mapa de sítios arqueológicos, além da contribuição de Letícia Correa e de Astolfo Araújo, conta também com a participação de Glauco Perez e Renan Rasteiro, ambos doutores em arqueologia pelo MAE, e de Arthur Miyazaki, engenheiro de sistema do Laboratório de Sistemas Integráveis Tecnológico (LSI-TEC) da USP.

Este que não é o primeiro projeto do gênero que o Levoc desenvolveu. Além do último lançamento, o laboratório conta com outros três mapas interativos, sendo um de datações de radiocarbono pelo Brasil, outro de grafismo rupestre pelo Estado de São Paulo, além do Mapa dos Sítios Líticos do Interior Paulista, primeiro lançamento do laboratório. O mapa dos sítios líticos foi produzido como ferramenta de pesquisa da tese de doutorado A variabilidade das indústrias líticas no interior paulista: uma síntese regional, de Letícia Cristina Corrêa, que investiga como se deu a dispersão dos artefatos de pedra lascada pelo interior de São Paulo .

Além dos mapas, a equipe do Levoc conta com diversas contribuições para a arqueologia. No site do laboratório, é possível encontrar informações sobre os diversos trabalhos de campo que o grupo faz desde sua criação, pelo Brasil e pelo mundo. Como em 2015, com explorações na Jordânia e na Itália

*Estagiário sob supervisão de Tabita Said
**Estagiário sob supervisão de Moisés Dorado

Texto atualizado às 13:32 do dia 14/05 corrigindo a informação sobre a instituição de graduação da historiadora Letícia Corrêa

 


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