Histórias ancestrais: pesquisadora da USP cria catálogo com obras de escritores indígenas

Doutoranda em Semiótica, Vanessa Pastorini mantém página em rede social para divulgar livros de autoria indígena

 04/09/2024 - Publicado há 3 meses
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detalhe de homem indígena com pintura, colar e uma caneta e livro nas mãos
“O trabalho com o Escute, Jurua me auxilia a compreender o espaço cultural construído por estes autores e suas obras”, afirma a pesquisadora Vanessa Pastorini – Foto: Funai/ASCOM/Gov.br

Um catálogo que reúne obras escritas por indígenas, fruto da curiosidade de uma doutoranda transformado em trabalho de extensão universitária. A página Escute, Jurua é um perfil do Instagram que se dedica à divulgação de produções de autoria indígena. Criado em julho de 2023, o catálogo é coordenado pela pesquisadora Vanessa Pastorini e já conta com mais de 60 obras listadas. 

Vanessa Pastorini é graduada em Letras e mestre em Linguística pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Atualmente, Vanessa é doutoranda em Semiótica pelo Departamento de Linguística da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP.

Em sua tese, Narrativas de mulheres indígenas: territorializando a semiótica, a pesquisadora trata de analisar, a partir da semiótica, os sentidos culturais que perpassam as biografias de três mulheres indígenas: Maria Leusa Munduruku, Velha Marinha e Cacica Neca Borari.

Vanessa Pastorini – Foto: ResearchGate

Para aprofundar a sua pesquisa na questão da produção discursiva indígena, Vanessa embarcou em leituras de autores indígenas. Quando se deparou com a quantidade de obras, a pesquisadora diz ter ficado chocada com seu desconhecimento sobre o tema. 

“A página nasceu a partir da união das minhas pesquisas com o meu desejo de dar mais visibilidade a autores indígenas e suas obras, além de fornecer alguma contribuição à comunidade geral”, relata a pesquisadora. 

Toda segunda-feira, a doutoranda se dedica a publicar uma nova obra em seu catálogo. Após pouco mais de um ano da criação da página, além dos agradecimentos pela divulgação, a pesquisadora também recebe indicações de novas obras para veicular.

Conhecendo e catalogando

“São tantos detalhes, tantas nuances que me chamam atenção. É até difícil escolher as minhas preferidas” – Foto: Reprodução/ @escutejurua/Instagram

Ao longo do percurso do doutorado, Vanessa trilhou a pesquisa pela semiótica, porém, segundo a pesquisadora, existe um esforço em estabelecer um diálogo mais próximo com a antropologia. Um exemplo disso é a ida da doutoranda para a França, que acontece agora em setembro, para desenvolver a pesquisa junto ao Laboratório de Antropologia Social da École des Hautes Études (EHESS), em Paris.

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Na medida em que os seus estudos foram avançando, a pesquisadora passou a perceber que mesmo quem demonstra ter interesse tinha pouco conhecimento sobre a literatura de autoria indígena. Grandes autores como a poeta e geógrafa Márcia Kambeba; o cantor e escritor Juão Nyn; o premiado compositor, cineasta e escritor Cristino Wapichana, além de muitos outros não recebiam a devida atenção.

“Minha ficha caiu: eu acreditava que todos ao meu redor também tinham acesso aos mesmos debates e discussões que eu. E ao contrário de cultuar os isolamentos em torres de marfim, tão tipicamente acadêmicos, eu sempre fui favorável ao estabelecimento do diálogo com toda a sociedade”, reforça a linguista. 

Por se tratar de um trabalho proveniente de uma pesquisa, as obras catalogadas por Vanessa têm por padrão a sua disponibilidade de acesso. A pesquisadora explica que tenta acompanhar os lançamentos mais recentes, e leva para a sua lista apenas as obras que estejam disponíveis em bibliotecas próximas ou que tenham sua leitura integral à disposição na internet.  

Rigorosamente, toda segunda-feira, a página de Vanessa recebe uma nova obra. Atualmente, já passam de 60 livros divulgados, dos quais a pesquisadora destacou três: 

A obra bilíngue, com uma versão em yanomami e outra em português, publicada pelo Instituto Socioambiental (ISA) e pela Associação Hutukara Yanomami, reúne a concepção de cinco pesquisadores de etnia yanomami sobre a situação do seu povo com a presença de garimpeiros ilegais no território.

Os pesquisadores desenham o cenário atual dos yanomami, evidenciando aspectos como: os crimes sexuais cometidos contra as mulheres, a escassez de alimentos, a contaminação das águas, o desaparecimento dos animais de caça pelos ruídos do maquinário e pela matança excessiva, a chegada das doenças até então desconhecidas, dentre outros.

 


  • Shenipabu Miyui – História dos antigos (2008)

    Shenipabu Miyui – Histórias Dos Antigos – Foto: Divulgação/UFMG/Amazon

Publicado pela Editora UFMG, a obra bilíngue (kaxinawá e português) é composta por 12 narrativas dos mitos de fundação da nação indígena kaxinawá. Habitantes da região do Alto Purus, na divisa do Acre com o Peru, os kaxinawá perceberam a importância da escrita para a autopreservação.

Membros da Organização dos Professores Indígenas do Acre e sujeitos pertencentes a diferentes aldeias assinam o livro, considerado marco emblemático da luta dos povos indígenas na manutenção dos seus conhecimentos e no combate aos invasores. 

 


A obra, publicada pela editora Dantes, é resultado do trabalho de mestrado de Francy Baniwa em Antropologia Social pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Em sua pesquisa, Francy buscou transcrever e traduzir narrativas míticas de seu povo. A obra é dividida em seis capítulos, compostos por diferentes mitos da cultura baniwa.

Os textos que compõem o livro são frutos de reflexões da autora com seu pai, Francisco Baniwa, além de contar com as ilustrações em aquarela feitas por Frank Baniwa, seu irmão. Com a publicação, Francy se tornou a primeira mulher indígena brasileira a publicar um livro de antropologia. Atualmente, Francy é uma das três líderes da Cátedra Olavo Setubal de Arte, Cultura e Ciências, do Instituto de Estudos Avançados (IEA) da USP.

 

Estagiário sob supervisão de Tabita Said

 

 


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