Entre a homenagem e a agressão: pesquisa analisa monumentos polêmicos de São Paulo

“Por quais estátuas os sinos do nosso luto dobram?" analisou artigos de opinião com diferentes visões sobre patrimônios arquitetônicos do Brasil considerados racistas e colonialistas

 15/06/2023 - Publicado há 1 ano

Gabriel Gama*

Estudo investigou diferentes perspectivas da discussão sobre monumentos quando manifestantes reivindicavam a derrubada de estátuas homenageando traficantes de escravos e colonialistas - Foto: Ravena Rosa/Agência EBC

Os monumentos históricos fazem parte da paisagem urbana e do cotidiano das cidades. Eles estão por toda parte e muitas vezes são vistos como um retrato fiel do passado. Entretanto, essas obras não são isentas de contradições e materializam visões de mundo particulares dos artistas e do contexto no qual estão inseridas. A avaliação é de Thabata Dias Haynal, formada em Letras e pesquisadora da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP. Sua dissertação de mestrado, intitulada Por quais estátuas os sinos do nosso luto dobram?: construindo o argumentário do dissenso em torno de monumentos racistas e colonialistas no Brasil, analisou as diferentes perspectivas da discussão sobre monumentos considerados polêmicos na cidade de São Paulo, como aquele em homenagem aos bandeirantes que figura no início deste texto.

A pesquisa se baseou em dez artigos de opinião publicados no jornal Folha de S.Paulo no mês de junho de 2020. Nesse período, o debate sobre monumentos estava em alta na sociedade: o assassinato de George Floyd nos Estados Unidos, um homem negro que foi sufocado por um policial branco, gerou uma série de protestos antirracistas ao redor do mundo. Em alguns deles, manifestantes reivindicavam a remoção de estátuas de figuras relacionadas ao racismo e ao colonialismo. O fato que ganhou mais repercussão foi a derrubada da estátua de um traficante de escravizados em Bristol, na Inglaterra.

Apesar de ser uma discussão recorrente, Thabata comenta que há poucos trabalhos acadêmicos sobre o tema. “Pareceu muito difícil achar material conectando os monumentos dos bandeirantes com as discussões sobre memória e argumentação. É um dos únicos trabalhos nesse caminho, que unifica as abordagens”, diz.

Thabata Dias Haynal, formada em Letras e pesquisadora da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP - Foto: Reprodução/Lattes

As análises permitiram identificar diferenças no discurso entre autores que eram a favor da permanência dos monumentos como eles estão e aqueles que pautavam medidas alternativas, como a instalação de contra-monumentos e a transferência das obras para museus. Os argumentos favoráveis à continuidade defendiam que esses materiais são parte do patrimônio histórico-cultural da cidade, e por isso não deveriam ser alterados. Outros autores abordavam o caráter ofensivo das esculturas e sugeriam que houvesse alguma intervenção para reparar esse dano.

“Há um juízo de valor sobre as estátuas que é construído socialmente, não é porque elas são um patrimônio histórico-cultural que não devam ser motivo de reflexão”, afirma a pesquisadora.

Estátua de Borba Gato em chamas após ser incendiada por manifestantes - Foto: Lucas Martins / reprodução FFLCH

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O caso dos bandeirantes

Os monumentos de bandeirantes, como a estátua de Borba Gato em Santo Amaro e o Monumento às Bandeiras no Ibirapuera, são os casos mais emblemáticos em São Paulo. Antes vistos como figuras heroicas que ajudaram a construir a cidade no período colonial, hoje há o entendimento de que eles escravizaram e causaram enorme violência a povos indígenas e negros.

De acordo com Thabata, eles não eram considerados heróis no século 17. “A valorização dos bandeirantes que surgiu de lá para cá, em específico no começo do século 20, se deve ao modernismo brasileiro, em um contexto de exaltação de São Paulo dentro do cenário nacional”, explica.

Além das estátuas, os bandeirantes estão presentes em nomes de avenidas e rodovias. Em março, o Metrô de São Paulo decidiu alterar o nome de uma futura estação da linha 2-verde de Paulo Freire, educador brasileiro, para Fernão Dias, bandeirante conhecido por caçar e escravizar indígenas. A Justiça proibiu a alteração, com base na Lei nº 12.781/13 que veta a denominação de bens públicos em homenagem a pessoas conhecidas pela exploração de mão de obra escrava.

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“Os bandeirantes continuam no imaginário social como heróis e isso incomoda uma população que historicamente é marginalizada. Não podemos ignorar a violência que continuamos cometendo contra eles”, destaca a pesquisadora. Em sua visão, é necessário ampliar o acesso à História.

Thabata avalia que o principal problema é a falta de intervenções que motivem a discussão crítica sobre essas obras. “O Brasil não superou questões de violência contra as pessoas indígenas e negras. É inaceitável os monumentos estarem da forma que estão no espaço público, porque é uma manutenção do ponto de vista que desumaniza e apaga o sofrimento dessas populações. Qual memória queremos preservar?”, questiona ela.

 

*Do serviço de Comunicação Social da FFLCH


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