Comunidade se mobiliza e Instituto de Física da USP reformula programa de saúde mental

Antigo programa de mentoria FísicAcolhe quer resgatar a coletividade entre estudantes, professores, pesquisadores e funcionários; Pró-reitoria de Inclusão e Pertencimento confirma nova edição de curso sobre saúde mental

 Publicado: 08/05/2024

Texto: Tabita Said

Banco com lousa comunitária e vista do Edifício Principal do Instituto de Física da USP ao fundo - 2021. Foto: Alexandre Suaide / Bancos de Imagens IF

Para muitos estudantes e pesquisadores, a pressão da vida universitária não acaba mesmo depois de passado o vestibular ou a entrega do projeto, tornando os espaços de ensino locais de vulnerabilidade e inadequação. Mas comportamentos limite para acabar com o sofrimento mental e psíquico podem ser evitados com medidas de prevenção, apoio e permanência estudantil. Com dois casos de suicídio e um de tentativa, do ano passado para cá o Instituto de Física (IF) da USP espelha o ambiente acadêmico: 35% da comunidade USP informou no Questionário de Inclusão e Pertencimento que a USP mais atrapalha do que ajuda sua saúde mental.  

O Instituto nunca negou falar sobre os casos. No ano passado, o pró-reitor de Pesquisa e Inovação e professor titular do IF, Paulo Nussenzveig, divulgou uma nota de pesar, republicada no site do IF, na qual lamentou a morte prematura de duas estudantes de graduação. Na nota, Nussenzveig destacou a preocupação crescente da USP com a saúde física, mas sobretudo a saúde mental dos estudantes.

Alunos do IF têm à disposição o FísicAcolhe – um programa de mentoria que promove orientações individuais, atividades coletivas e encontros com “portas abertas”, nos quais a comunidade do instituto pode se encontrar para conversar, tirar dúvidas, receber acolhimento e orientações. 

Em funcionamento desde 2018, o programa é um dos pioneiros na Universidade e conta com a coordenação de Marcia Rizzutto, psicólogos de formação que atuam como colaboradores do projeto, além de duas funcionárias, que apoiam e organizam as atividades. 

“Ele é um espaço de encontro, socialização e produção de vínculos dentro do Instituto de Física. Um dos objetivos é que os alunos se sintam pertencentes ao instituto”, destaca Mauro Mathias Jr., doutorando no Programa de Psicologia Escolar e do Desenvolvimento Humano do Instituto de Psicologia (IP) da USP e um dos colaboradores do FísicAcolhe

O psicólogo explica que a interação entre pessoas de diferentes idades, cargos e demandas possibilita falar das potências de cada um e de como o processo acadêmico influencia em suas vidas: se causa mais sofrimento psíquico ou produz mais desenvolvimento. 

“Mas uma marca importante do programa é que os membros podem fazer críticas sem serem julgados ou sofrerem retaliação. É um espaço seguro e de livre expressão que, por si só, produz saúde mental”, diz.

A mentoria deste ano foi reformulada a partir da demanda de estudantes do IF, que levou inclusive à mudança do nome para FísicAcolhe. Desde 16 de abril, o programa reúne docentes, funcionários e estudantes veteranos para conversas sobre as diversas questões que atravessam toda a comunidade do instituto: a formação dos estudantes de Física, gerenciamento de tempo, relacionamentos interpessoais, inseguranças, hábitos de estudo, perspectivas futuras e outros assuntos de interesse.

Sem burocracias para participar, as pessoas interessadas não precisam se inscrever. Os encontros acontecem todas às terças-feiras, das 17h30 às 18h30, no Edifício Principal do Instituto de Física da USP, na sala 2017. A participação consistente nos encontros gera créditos de Atividade Acadêmica Complementar de Extensão.

Para além da iniciativa do IF, a Pró-Reitoria de Inclusão e Pertencimento (PRIP) da USP criou uma diretoria de Saúde Mental voltada para toda a Universidade. A diretoria foi estruturada no Programa Ecos (Escuta, Cuidado e Orientação em Saúde Mental) que atua na Cidade Universitária, no Butantã, e oferece escuta e acolhimento individual, de segunda a sexta-feira, das 8 às 17 horas. Dados de atendimentos no Ecos em 2023 indicam que o IF foi a 8ª unidade da USP que mais utilizou o serviço dentre as 31 unidades atendidas.

Grupo FísicAcolhe, com mentores, mentorados e os psicólogos - Foto: Ana Laura Batista

Ações de Prevenção

A maior parte das unidades da USP dispõem de Comissões de Inclusão e Pertencimento, com mecanismos próprios de prevenção e assistência psicológica.

  • No IF, o acolhimento integrado realiza uma triagem e oferece orientação individual presencial ou on-line com colaboradores. O atendimento é direcionado a partir da queixa relatada, não se tratando de psicoterapia. 
  • Já o programa FísicAcolhe promove atividades em grupo para troca de experiências e visa proporcionar um espaço de reflexão em um ambiente de acolhimento e desenvolvimento pessoal. Os encontros semanais acontecem toda terça-feira, das 17h30 às 18h30, sem necessidade de inscrição prévia, no Edifício Principal do Instituto de Física da USP, na sala 2017.
  • Na USP, o programa Ecos (Escuta, Cuidado e Orientação em Saúde Mental) realiza escutas pontuais, presenciais e sem necessidade de agendamento. O horário de funcionamento é de segunda à sexta-feira das 8 às 17 horas na Rua do Anfiteatro, 181 – Favo 22 – Cidade Universitária. Em frente à portaria do Bloco C do CRUSP.
  • Também o Centro Escola do Instituto de Psicologia da USP (CEIP) dispõem de projetos públicos, gratuitos e oferecidos à comunidade USP e ao público geral do entorno do campus Butantã.

Caso haja urgência, os seguintes serviços podem ajudar:

  • Pronto Socorro Municipal Prof. João Catarin Mezomo | P.S. Lapa – Pronto Atendimento em Psiquiatria 24 horas | Av. Queiroz Filho, 313 – Lapa – Telefone: 4878-1701.
  • Centro de Valorização da Vida (CVV): realiza apoio emocional, atendendo voluntária e gratuitamente pessoas que querem e precisam conversar, sob total sigilo. Telefone (188), e-mail, chat e voip 24 horas todos os dias.
  • Centro de Atenção Integrada à Saúde Mental (CAISM) | Rua Maj. Maragliano, 241 – Vila Mariana – Telefone: 3466-2100.

Lidando com sofrimento e luto

No ano passado, a Organização Mundial da Saúde (OMS) divulgou a maior revisão mundial sobre saúde mental desde a virada do século. O documento destaca que uma em cada oito pessoas no mundo vive com algum transtorno mental, e que o suicídio é uma das principais causas de morte entre os jovens. Apesar da baixa notificação e das dificuldades de registros, o Relatório Mundial sobre Saúde Mental da OMS informou que pode haver 20 tentativas de suicídio para cada morte e, ainda assim, o suicídio é responsável por mais de uma em cada 100 mortes. Estudos anteriores já demonstraram que estudantes universitários são particularmente vulneráveis a problemas de saúde mental, como ansiedade e depressão. 

“Outra questão que a gente percebe são os efeitos da pandemia, que deixaram os laços mais enfraquecidos e prejudicaram a capacidade de socialização. É fundamental fomentar espaços de diálogo, troca e vínculo para resgatar os laços coletivos e a saúde mental”, afirma a psicóloga Ana Laura Batista, que atua como colaboradora no FísicAcolhe.

Não há dados que mostrem que estudantes da USP, no geral, e do Instituto de Física, especificamente, apresentem um quadro de saúde mental diferente da população acadêmica jovem brasileira. No entanto, os recentes casos ocorridos no IF mobilizaram a Universidade pela prevenção e posvenção do suicídio.  

Na Física, rodas de conversas gerais e reuniões de acolhimento com estudantes de graduação e pós-graduação procuram socializar os sentimentos e pensamentos despertados após a morte de duas alunas. O instituto também apostou na abordagem com grupos menores e segmentados, por meio de reuniões com turmas das disciplinas de Mecânica e Eletromagnetismo.   

Para consolidar a prevenção, a PRIP também vem oferecendo o curso Saúde Mental na USP: inclusão e pertencimento. Trata-se de um curso de difusão (20 horas) voltado para a comunidade uspiana, abordando os pontos principais da política de saúde mental em construção na USP e alguns tópicos relacionados às situações de crise em saúde mental na Universidade. 

Já foram realizadas duas edições, em 2022 e 2023, e uma terceira deve ter início no dia 22 de maio. “O público-alvo é a comunidade USP, em todos os seus segmentos (servidores técnico-administrativos e docentes, alunos de graduação e pós-graduação, pesquisadores), privilegiando aqueles que têm envolvimento com projetos de saúde mental em suas unidades e setores”, informa o diretor da área de saúde mental da PRIP, Ricardo Teixeira, ao Jornal da USP. O curso está previsto para ocorrer de forma on-line e síncrona, nas segundas e quartas-feiras, das 18 às 20h30, totalizando nove aulas. De acordo com Teixeira, as inscrições serão abertas pelo sistema Apolo e divulgadas no site da PRIP em breve.

Ricardo Teixeira é médico sanitarista e coordena a Diretoria de Saúde Mental e Bem Estar Social da Pró-Reitoria de Inclusão e Pertencimento da USP - Foto: PRIP/USP

Documento obtido pelo Jornal da USP afirma que a direção de saúde mental e bem-estar social da PRIP planeja ainda outras ações de formação para 2024, como a realização do curso Promoção da saúde mental e acolhimento de sofrimentos psicossociais em contextos universitários. O curso estaria voltado para a formação de “brigadas de saúde mental” nas unidades da USP. Os grupos seriam treinados para atuarem como referências para questões de saúde mental em seus espaços de estudo e trabalho, como “escutadores” ou socorristas em situações de crise.

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