Casas de acolhimento para mulheres em situação de rua de SP possuem diferentes tipos de atendimentos

Apesar de ser uma política pública, cada unidade possui uma dinâmica de funcionamento diferente que impacta na qualidade do serviço oferecido para as mulheres

 20/05/2024 - Publicado há 5 meses     Atualizado: 07/06/2024 às 9:52
Em 2021, mais de 3 mil mulheres viviam em situação de rua em SP – Fotomontagem com foto de Alan White /Fotos Públicas – Fotomontagem: Vinicius Vieira

 

Na cidade de São Paulo, existem oito Centros de Acolhida Especial (CAE) para abrigar mulheres em situação de rua. De acordo com dados de 2021, a população feminina nessa condição era de 3.691 mulheres. Entre elas, 47% se encontravam nos CAEs, que são casas cedidas pela Prefeitura de São Paulo especialmente para abrigar essa população. Contudo, como mostra uma pesquisa de mestrado desenvolvida na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) e no Centro de Estudos da Metrópole (CEM) – ambos da USP – cada unidade do CAE possui uma certa autonomia para conduzir seus serviços. A constatação foi feita por Juliana Reimberg, autora do estudo A implementação da política de acolhimento institucional para mulheres em situação de rua na cidade de São Paulo: uma análise a partir da atuação das Organizações da Sociedade Civil, que foi orientado pela professora Renata Mirandola Bichir.

“Enquanto um centro de acolhida permitia que a mãe deixasse sua criança para que ela pudesse ir trabalhar, algo que não é permitido de acordo com a regra pública, outro centro já não autorizava, por exemplo. Existe um código de regras que orienta como deve ser o dia a dia de convivência nesses centros, mas nem sempre os atores que trabalham nesses locais seguem à risca essas regras”, explica a autora do estudo.

Apesar do CAE Mulheres ser uma política pública criada pelo Estado, Juliana notou que existem algumas diferenças na forma como os serviços são oferecidos em cada espaço e que impactam no dia a dia das moradoras. Ela descobriu como as organizações responsáveis por gerenciar as casas influenciam na prestação de serviço: “Temos a política pública, porém, quem fica responsável em cada centro é um poder privado. E cada um tem uma forma, estrutura e lógica de trabalhar diferente”, pontua a pesquisadora.

Poder público e privado

Juliana Reimberg/ Arquivo pessoal

Os CAEs foram implementados pela Secretaria Municipal de Assistência e Desenvolvimento Social. Juliana explica que essa política social é aplicada na capital em parceria com Organizações da Sociedade Civil. “A Prefeitura abre o processo de chamamento público para ver quais são as organizações interessadas, faz uma seleção e passa o espaço para essa organização, que vai prestar o serviço de interesse público sem fins lucrativos”.

Algumas dessas organizações são grandes e já possuem um histórico de atuação na cidade, o que facilita na hora da seleção: “A Prefeitura acaba privilegiando organizações que já prestaram serviços anteriores, pois ela já teve uma experiência passada e gostou [do serviço]. Entretanto, isso acaba criando dificuldades para novas organizações entrarem”.

Parcerias e funcionários

A seleção dos espaços que irão abrigar as mulheres é feita pela organização junto com a prefeitura. “Em sua maioria, os espaços escolhidos são casas com quartos compartilhados. Mas têm alguns centros que são apenas um galpão com várias camas”, explica Juliana. Os centros de acolhida para mulheres funcionam 24 horas e, além de moradia, oferecem três refeições por dia: café da manhã, almoço e jantar. Além do abrigo, os centros precisam desenvolver algum curso para formação dessas moradoras.

O custeamento dessa política pública é feito pela Prefeitura, que destina uma quantia em dinheiro por vaga para o centro, cerca de R$ 1.600,00. Apesar disso, nem sempre o valor recebido é suficiente para atender a realidade do local. “Aí entram algumas mudanças que as organizações tomam, por exemplo, a busca por parcerias. Então eu vi que alguns centros ofereciam café da tarde só porque a organização conseguiu uma parceria com a padaria do bairro”, comenta Juliana.

Outra diferença que impacta positivamente na qualidade dos serviços é a contratação dos funcionários pelas organizações: “Essa seleção não é feita pela Prefeitura, mas sim pela organização e cada uma tem um critério de escolha diferente. Tem organização que contrata funcionário que já esteve em situação de rua e pode lidar melhor com esse público. Já outras contratam alguém que sabe costurar e pode oferecer isso como oficina para as mulheres”.

Seleção dos espaços que irão abrigar as mulheres é feita por Organizações da Sociedade Civil junto com a prefeitura – Foto: Arquivo pessoal de Juliana Reimberg

Burocracia lenta

A pesquisadora explica que as parcerias que os centros realizam são conversadas com a Prefeitura. Um processo que costuma ser burocrático. Isso porque, para realizar qualquer mudança, os centros precisam comunicar as organizações, que irão entrar em contato com a Prefeitura, que irá indicar um gestor de parceria, que, por sua vez, irá levar a demanda para o gabinete da Secretaria de Assistência Social. Seguindo esse fluxo, se tudo estiver de acordo, a mudança pode ocorrer.

Entretanto, a demora em receber a devolutiva do pedido se torna uma barreira quando há uma questão que precisa ser resolvida com rapidez, como o caso de pedidos de mães que precisam da autorização legal para deixar seus filhos nos centros e ir trabalhar. De acordo com a regra pública, não é permitido que a mulher deixe seu filho no centro, seja sob responsabilidade de outra mulher ou sozinho.

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Porém, há casos em que a organização flexibiliza a regra: “Eu encontrei mulheres que precisavam trabalhar panfletando no farol, mas não queriam levar o filho. E aí tinham serviços que eram mais flexíveis e deixavam [a criança ficar]. Existe a regra: não pode deixar! Mas nem todas as organizações vão seguir o fluxo de comunicação”, explica Juliana. “Há casos também em que essa flexibilização só acontece se a mãe conseguiu um trabalho formal de carteira assinada”, completa.

Além da burocracia, a pesquisadora ainda acrescenta a falta de conhecimento detalhado dos códigos como um dos motivos para esses funcionários não seguirem as normas: “E ainda que eles conheçam, existe uma falta de controle de como essas regras são aplicadas e interpretadas. Isso permite que eles tenham mais espaço para tomar decisões que irão impactar no dia a dia dessas mulheres. Um detalhe que faz toda diferença no final do dia delas”.

Mais informações: (11) 3091-4938

Lívia Lemos, do Serviço de Comunicação Social (SCS) da FFLCH, com edição de Antonio Carlos Quinto


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