Uma arte de memórias, que acolhe e leva o público para casa

A exposição Biógrafo: Daniel Senise está no Museu de Arte Contemporânea da USP, recebendo o espectador entre lembranças e vazios

 19/10/2023 - Publicado há 7 meses

Texto: Leila Kiyomura

Arte: Simone Gomes

Quase infinito, 1992, óxido de ferro e esmalte sintético sobre cretone – Foto: MAC/Divulgação

E de repente vem a sensação de que você está visitando algum lugar que ficou na memória. E as lembranças vão subindo pelas paredes para habitar as 37 obras da mostra Biógrafo: Daniel Senise, em cartaz no Museu de Arte Contemporânea (MAC) da USP. Foram produzidas entre 1992 e 2022. São imagens difusas de salas, quartos… Casas que trazem a história do artista que nasceu no Rio de Janeiro (1955), se formou em Engenharia Civil (1980), mas decidiu ingressar na Escola de Artes Visuais do Parque Lage. E construir o seu caminho nas artes.

A obra Quase infinito, 1992, desenhada em óxido de ferro e esmalte sobre cretone, sugere com o símbolo do infinito, na sua forma de oito deitado, que a arte que se apresenta “quase” não tem começo. Nem fim. Mas o espectador vai seguindo em frente e encontra Casa, 2005, uma monotipia de piso em tecido e acrílico sobre madeira. Parece uma construção com muros em que se pode ver os tijolos sob tintas esmaecidas. Talvez um desenho do tempo. As monotipias de piso de madeira vão crescendo nas paredes. Imagens que levam o espectador a algum canto com os velhos assoalhos de madeira.

Daniel Senise - Foto: MIro

Daniel Senise - Foto: Miro

Sob a curadoria das professoras Helouise Costa e Marta Bogéa, do MAC, Biógrafo: Daniel Senise entra também na construção da arte contemporânea. No texto de apresentação da mostra, elas esclarecem: “Esta exposição reúne, dentre a vasta produção do artista, obras que partem dos lugares que ele habita e que lhe são caros: a casa, o ateliê e o museu. A casa surge como lugar de memórias pessoais, o ateliê abriga o trabalho minucioso de transferir a matéria coletada para a superfície das telas, enquanto o museu, situado no limite entre pintura e fotografia, exerce seu poder de reenquadrar a arte e sobrepor camadas de múltiplos significados”.

“Os lugares aqui apresentados não são dóceis, ágeis ou rapidamente decifráveis. Alinhados ao processo de criação do artista, exigem do observador tempo e disposição de olhar.”

Senise é reconhecido como pintor. Mas tem uma técnica sensível e inusitada ao produzir suas próprias tintas com resíduos encontrados em locais abandonados, repletos de vivências e memórias soterradas pelo tempo. Segundo análise das curadoras, esses resíduos são coletados por meio de um processo moroso de decalque, cujos resultados são “frutos de certo acaso”.

A obra Reino VI 2011, uma monotipia de piso de madeira em tecido e acrílico sobre madeira, cerca o espectador. É levado para uma casa e acolhido pela arte. Uma sensação que Helouise e Marta esclarecem no texto exposto na entrada da mostra: “Os lugares aqui apresentados não são dóceis, ágeis ou rapidamente decifráveis. Alinhados ao processo de criação do artista, exigem do observador tempo e disposição de olhar. Temas recorrentes na pintura e na história da arte, por exemplo, são tratados por meio de uma espécie de lente que altera elementos habitualmente presentes no mundo. A obra Ela Que Não Está, de 1994, evidencia esse modo particular de observação. Ao revisitar um afresco de Giotto, pintor italiano do início do Renascimento, Senise registra e destaca uma falha, marca da ausência de pigmento no corpo da obra, sublinhando o que lá não está.”

A arte de Daniel Senise tem a leitura de Geciane Porto, artista e professora titular da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade de Ribeirão Preto da USP, que aprecia e acompanha a trajetória do pintor. Ficou surpresa com o espaço da mostra privilegiada pela luz e pelo diálogo que estabelece com outros espaços do MAC: “Os trabalhos de Senise nos transportam para outros lugares, com suas obras de grandes dimensões, com nuances muito sutis de sua paleta de cores, que passam pelo branco, sépia, marrom… Associado ao processo de monotipias das paredes e pisos, o artista constrói um universo muito particular. Se passarmos desatentos, perdemos a imensidão de detalhes dos lugares criados”. 

Geciane Porto, artista e professora, visita a exposição - Foto: MAC/Divulgação

 Reino VI (díptico), 2011, meio acrílico e resíduos sobre tecido – Foto: MAC/Divulgação

“A obra O Sol Me Ensinou Que a História Não É Tão Importante, de 2010, é arrebatadora em todos os sentidos, pela sua dimensão, que torna o visitante pequenos componentes da própria obra, como a natureza do material que utilizou, ou seja, papel reciclado de publicações de instituições de arte. Visitar a exposição de Senise é um mergulho reflexivo em um ambiente que nos aponta que a pressa, a urgência do cotidiano, nos faz perder a sutileza da existência”, conclui Geciane.

A exposição Biógrafo: Daniel Senise fica em cartaz até 10 de março de 2024, de terça-feira a domingo, das 10 às 21 horas, no Museu de Arte Contemporânea (MAC) da USP (Avenida Pedro Álvares Cabral, 1.301, Ibirapuera, São Paulo). Entrada grátis.


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