Fotomontagem de Beatriz Abdalla/Jornal da USP sobre fotos de Candida Vuolo e do acervo da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo (FAU) da USP

Os frutos de um valioso acervo em arquitetura e urbanismo

Coleções da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo (FAU) da USP geram ensino, pesquisa e extensão de alto nível

30/09/2020
Por Ana Lanna
Arte: Beatriz Abdalla/Jornal da USP

Em 1965, a Faculdade de Arquitetura e Urbanismo (FAU) da USP recebeu da família do arquiteto Carlos Millan, professor da faculdade, a doação de 70 projetos de edifícios comerciais, residenciais e institucionais produzidos em seu escritório. Iniciava-se, assim, a constituição do que é hoje um dos maiores acervos mundiais de arquitetura e urbanismo e design. A Biblioteca da FAU já era, naqueles anos 60, referência por seu acervo bibliográfico e audiovisual, assim como pela prestação de serviços diferenciados de auxílio à pesquisa e produtos, a exemplo do Índice Brasileiro de Arquitetura. Desde então, ao longo desses pouco mais de 50 anos, a FAU recebeu coleções de mais de 40 arquitetos, urbanistas e designers que atuaram em São Paulo e em outras cidades no Brasil e configuraram de forma definitiva as suas áreas de atuação, contribuindo também para a conformação de diversos campos profissionais no País e diversas vertentes projetuais, estilísticas e tipológicas. Essa diversidade permite traçar um panorama bastante amplo da riqueza e complexidade da produção arquitetônica e urbanística e de design realizada nos últimos 150 anos, além possibilitar a realização de pesquisas que confrontem e qualifiquem os cânones disciplinares.

A diretora da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo (FAU) da USP, professora Ana Lanna – Foto: Marcos Santos / USP Imagens

O acervo possui obras de profissionais que atuaram desde finais do século 19, como Vitor Dubugras e Ramos de Azevedo, até profissionais que ainda hoje participam ativamente de seus campos, tais como Eduardo de Almeida e Cauduro e Martino. O material sob guarda e responsabilidade da FAU, mais de 600 mil itens, inclui projetos em seus mais diversos suportes e materiais: cambraia, papel vegetal, papel-manteiga, papel cartão; em suas variadas técnicas de desenho: grafite, aquarela, carvão, guache, pastel, nanquim, lápis de cor, caneta hidrográfica; e também com ampla diversidade de técnicas de reprodução: blueprint, heliográfica, ferrogálica, fotográfica (viragem, em sépia, azul, cinza), Van Dych, anilina, ozalid; além de registros fotográficos, registros do escritório, correspondências, livros e revistas e objetos tridimensionais. A diversidade de materiais de cada uma das coleções permite recuperar a complexidade de atuação dos profissionais, como autônomos, professores, pesquisadores e/ou funcionários de empresas públicas e/ou privadas. Essa possibilidade é fruto da articulação entre o material de projeto e o que chamamos de documentação paralela, que garante que as pesquisas realizadas nesse imenso acervo apoiem e sinalizem para as novas e contemporâneas perspectivas de entendimento da produção arquitetônica, urbanística e do design, que ultrapassam a análise e o entendimento da obra isolada. O acervo bibliográfico inclui dentre seus milhares de títulos vários exemplares que integraram a coleção desses profissionais.Trata-se de pensar a produção desse vasto campo de conhecimento como inserida no mundo social, conectando diversos profissionais e saberes, espaços e referências, e também como produtoras de linguagens, sentidos e sensibilidades.

Técnicas variadas de fotorreprodução: blueprint, heliográfica, ferrogálica, Van Dyck, fotográfica e anilina – Foto: acervo da FAU-USP

O acervo de projetos e documentação paralela é hoje integrado por 44 coleções e está em permanente expansão. Ou seja, a FAU continua aberta para a recepção de novas coleções, a fim de ampliar esse importante acervo de pesquisa. Essa expansão continuada dos acervos coloca um outro desafio para a FAU, qual seja, a definição de uma política pública que sinalize diretrizes de expansão e de novas incorporações.

Os milhares de documentos, em diversos suportes, são cuidados por uma equipe diminuta, mas com alta qualificação técnica. Bibliotecárias e técnicos que trabalham de forma cotidiana sobre as coleções, cuidando, reparando, acondicionando, catalogando para disponibilizar para consulta esse precioso e único acervo. Trabalho esse que vem servindo de referência para outros profissionais e acervos do Brasil e do mundo por intermédio de publicações, visitas técnicas e eventos especializados.

Esse trabalho com as coleções expressa a transformação desses suportes quando saem dos escritórios e residências de seus proprietários e se transformam em coleções públicas de pesquisa.

Arquivos do acervo da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP – Foto: acervo da FAU-USP

É preciso apontar que, para além dos cuidados com os suportes físicos e condições de acondicionamento, o processo de catalogação e registro é o primeiro produto de atividade de pesquisa do material. Esse trabalho se pauta no respeito à forma pela qual o material foi produzido e que vem sendo realizado pela equipe técnica, em parceria com docentes e alunos de graduação e de pós-graduação. Esse processo transforma os registros em documentação e acervo.

A articulação entre pesquisa e ensino é uma característica fundamental do acervo público que vem sendo aprofundada e aprimorada ao longo dos anos, tendo como resultado, de um lado, a ampliação da catalogação e difusão das coleções e, de outro, fomentado teses, dissertações, trabalhos de conclusão de curso, livros e artigos produzidos a partir da pesquisa nesse material. A produção desse conhecimento (entre 2017 e 2019 cerca de 30 livros e 30 artigos, além de cinco documentários, foram resultado das pesquisas no acervo da FAU; 20 exposições nacionais e internacionais contaram com empréstimo de obras da FAU) e a formulação de novas pesquisas, por sua vez, implicam a continuidade do trabalho de cuidado físico e catalogação do material e a manutenção de sua potência ao se transformar em documento essencial na produção de conhecimento.

A articulação entre ensino, pesquisa e extensão tem outros desdobramentos para além dos já mencionados. Ela engloba não apenas publicações, mas a produção de filmes, documentários e exposições que na sua realização colocam novas questões para o acervo e fomentam novas perguntas para os documentos, reorganizando narrativas e formas de análises. Dessa forma, o contato com a documentação, além de orientar a montagem de uma exposição, por exemplo, pode trazer novas descobertas acerca da rede de relações profissionais e sociais de um determinado profissional a partir da documentação paralela; pode apontar a importância ainda não reconhecida de um membro do escritório ou de outra pessoa da relação com o profissional; a sua atenção com a difusão de sua obra; a articulação entre as duas diversas atividades profissionais ou contribuição para outros campos do saber, como ocorreu recentemente na Ocupação Rino Levi, produzida pelo Instituto Itaú Cultural em parceria com a FAU.

Acervo da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo (FAU) da USP é divulgado também através de exposições – Foto: Anna Carolina Bueno da Silva/Instituto Itaú Cultural

Tais descobertas podem então fomentar estudos acadêmicos mais detidos, que certamente resultarão em novas revisões  historiográficas. Vale apontar ainda que no processo de montagem da exposição é possível a produção de publicações que participem da extroversão do acervo, além de seminários que tratem especificamente da obra do arquiteto e/ou de temas relativos à sua produção e atuação profissional. Há, portanto, nos últimos anos, um investimento maior na articulação entre ensino, pesquisa e extensão universitária, tanto para o desenvolvimento de novas investigações quanto para a sua difusão para que o público conheça a história de sua cidade e arquitetura e urbanismo e design e reflita sobre seu presente.

O desafio de cuidar adequadamente do acervo é permanente e inúmeras são as restrições, de limitações de pessoal e orçamentárias. Cuidar de um acervo dessas dimensões, que articula o trabalho e ações de servidores, docentes e discentes, é um desafio agregado ao compromisso permanente com o acesso público. Para tanto, constituir um banco de dados que permita ao consulente uma primeira aproximação com as coleções foi esforço empreendido nos últimos anos. Em 2019, definiu-se um formato e as informações existentes estão sendo transpostas e adequadas para esse instrumento de consulta. Hoje, cerca de 20% do acervo tem as informações disponibilizadas. Bolsistas e alunos de graduação e de pós-graduação continuam trabalhando na catalogação e inserção de dados. Vale uma visita ao banco de dados acervos.fau.usp.br.

Visite o banco de dados da FAUUSP

A digitalização do material é outro desafio permanente. Hoje temos cerca de 75 mil imagens digitalizadas, em qualidade técnica muito distinta. A digitalização obedece a alguns critérios, tais como maior demanda por consulta e acesso, pecas mais frágeis e recursos oriundos de projetos de pesquisa e extensão. Digitalizar é imperioso, mas coloca problemas de constituição de um novo acervo, com suas demandas próprias, custos e desafios.

O acesso físico ao material é permitido a partir de necessidades específicas das pesquisas e as demandas dos pesquisadores são sempre atendidas

Área da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo (FAU) da USP reservada para a consulta de projetos – Foto: Ana Paula Nascimento

A FAU, nos últimos anos, ampliou e qualificou as reservas técnicas e condições de  acondicionamento do seu acervo, assim como expandiu as áreas de guarda das coleções. Constituiu também um espaço expositivo exclusivo para suas coleções, que convida a todos que transitam pela FAU a conhecer os acervos. As condições hoje existentes garantem cuidados mínimos ao acervo.

A expansão continuada dos acervos coloca um outro desafio para a FAU, qual seja, a definição de uma política que sinalize diretrizes de expansão, de novas incorporações e ações propositivas que incluam projetos compartilhados com outras instituições, nos moldes do que foi feito com o Instituto Itaú Cultural.

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Os múltiplos usos sociais dos acervos da USP

A formação de pesquisadores aptos a cuidar desses acervos na FAU e em outras instituições é compromisso e desafio de instituição que articula de forma permanente ensino, pesquisa e extensão.

Portanto, ser um acervo universitário confere a esse magnifico material potências e possibilidades únicas, diferenciando sua existência de muitos outros em outras instituições. Ao ser acolhido na Universidade, transformando-se em documento, esses registros se transformam em objeto de ensino, pesquisa e extensão, significando que cada ação, cada registro, cada disponibilização deve responder/dialogar com esses desafios.

Ana Lanna é diretora da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo (FAU) da USP.

Colaboraram a professora Joana Mello, da FAU, e a bibliotecária Gisele Ferreira de Brito, chefe da Seção de Materiais Iconográficos da FAU.

Diagnóstico geral do acervo de obras raras e projetos (1995) - Foto: Acervo Escritório Técnico Ramos de Azevedo, Severo & Villares
Tratamento para conservação de projetos originais de arquitetura - Foto: Candida Vuolo
Diagnóstico geral do acervo de obras raras e projetos (1995) - Foto: Acervo Ramos de Azevedo
Negativo em Vidro do Acervo Ramos de Azevedo, Biblioteca FAU USP (1994) - Foto: Acervo FAUUSP
Planta técnica em papel cartão - Foto: Beatriz Haspo e Norma Cassares
Parte da coleção de fotografias e dos negativos em acetato - Foto: Eliana de Azevedo Marques
Projetos em grandes formatos - Foto: Eliana de Azevedo Marques
Diagnóstico geral do acervo de obras raras e projetos (1995) - Foto: Norma Cassares
Tinta ferrogálica no papel manteiga - Foto: Beatriz Haspo e Norma Cassares
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