Uma das mais recentes publicações da Editora da USP (Edusp), O Rinoceronte de Ouro: Histórias da Idade Média Africana, do historiador e arqueólogo francês François-Xavier Fauvelle, remonta a um continente africano intermediário entre a África da Antiguidade e a atual. Valendo-se de várias fontes – desde fragmentos de uma obra escrita por um oficial chinês do século 8 até vestígios do périplo africano empreendido pelo navegador português Vasco da Gama (1469-1524) -, o autor narra a história de uma África desconhecida, que não aparece nos livros didáticos.
A Idade Média africana não se assemelha àquela vivida na Europa no mesmo período. Tampouco corresponde à visão estereotipada que se vende nos filmes. “É preciso desfazer-se da imagem de uma África ‘eterna’, da África das ‘tribos’, da África espelho das origens, pois, realmente, é de uma África na história que vamos falar”, escreve Fauvelle.
A riqueza cultural de inúmeras civilizações surgidas e desaparecidas é o principal destaque do livro. Os capítulos são dispostos cronologicamente e situam o leitor por meio de ilustrações, fotos e documentos, que esclarecem um pouco dos “séculos obscuros” da África.
Essa designação ‒ que relaciona as sombras ao esquecimento de fatos importantes sobre o continente ‒ é empregada por Raymond Mauny (1912-1994), historiador francês precursor dos estudos sobre a África antiga, e retomada por Fauvelle. O período só é chamado de “obscuro”, diz, devido à escassez de fontes para reconstruir em detalhes o passado.
A existência dessas lacunas na história da África vai além da falta de documentação: é também reflexo dos costumes dos povos que lá habitavam. Muitas das sociedades que se desenvolveram no período não utilizavam a escrita e, portanto, poucos materiais resistiram ao passar dos anos. Entre esses materiais constam estatuetas – como um rinoceronte folheado a ouro, que inspirou o título do livro –, ornamentos típicos, elementos arquitetônicos e alguns poucos pergaminhos e inscrições em pedra. A partir disso, tenta-se reconstituir uma antiga realidade fragmentada e quase perdida.
Cada descoberta arqueológica e documental sobre a Idade Média africana representa um avanço em relação ao desvendar desse passado. Por meio de um artefato encontrado em um sítio coberto por areia no deserto do Saara ou em uma sala escondida em um templo religioso, a vida das várias sociedades da época vão sendo desmistificadas e seus costumes, revelados.
O objeto que dá nome à obra de Fauvelle tem uma história bem interessante. A imagem do animal foi encontrada em um túmulo em Mapungubwe, na África do Sul, em 1932, porém, segundo pesquisadores, ele teria sido um produto importado da Ásia, já que possui apenas um chifre – e não dois, como as espécies africanas. De qualquer forma, após sua descoberta, o Rinoceronte de Ouro se tornou símbolo da civilização que habitava a região.
Outros objetos mostrados no livro são afrescos pintados com imagens de santos cristãos, o que denota a expansão do cristianismo no continente, e cartas trocadas entre membros da aristocracia europeia com líderes de cidades africanas, que explicam as principais rotas comerciais intercontinentais. O livro é repleto de referências e o autor busca reunir o maior número de detalhes possível sobre cada século estudado.
O Rinoceronte de Ouro propõe uma reflexão sobre a geopolítica e a história do continente, explorando o sincretismo cultural e também as questões sociais dos povos descobertos. Mais detalhes sobre o livro estão disponíveis no site da editora.
O Rinoceronte de Ouro: Histórias da Idade Média Africana, de François-Xavier Fauvelle, Editora da USP (Edusp), 296 páginas, R$ 48,00.