Fóssil exposto na mostra que será aberta nesta sexta-feira, dia 15, no Instituto de Geociências da USP – Foto: Marcos Santos / USP Imagens
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Ao entrar no Instituto de Geociências (IGc) da USP, uma trilha de pegadas de dinossauro guia os visitantes ao Museu de Geociências, onde parte de um riquíssimo tesouro brasileiro fica exposta a partir desta sexta-feira, 15 de dezembro. Trata-se da exposição Fósseis do Araripe, composta de cerca de 50 peças de um acervo de 3 mil fósseis oriundos da região da Bacia do Araripe, que se estende pelos Estados do Piauí, Pernambuco e principalmente Ceará. A coleção permite vislumbrar a biodiversidade que habitava a região no período Cretáceo (entre 145 e 65 milhões de anos atrás) e reúne exemplares raros, como o único pterossauro da espécie Tapejara navigans completo do mundo.
Os fósseis chegaram à USP em 2014, após uma ação da Polícia Federal (PF) batizada de Operação Munique, que apreendeu três caminhões que contrabandeavam o material para a Alemanha, Estados Unidos, países asiáticos e outros da Europa. Um dos caminhões se encontrava no Ceará, e sua carga foi enviada à Universidade Regional do Cariri. O restante da coleção, cerca de 3 mil itens interceptados em caminhões em Minas Gerais, no interior de São Paulo e na casa de um dos traficantes, em São Paulo, ficou sob custódia da PF na sede estadual. Posteriormente, a Justiça Federal determinou que a USP fosse a fiel depositária do acervo, com a responsabilidade de preservá-lo e colocar em prática o tripé da Universidade: pesquisa, ensino e extensão.
Conforme conta a professora do IGc Juliana de Moraes Leme Basso, curadora da exposição, a PF encontrou o material em condições péssimas de armazenamento e conservação, e o enviou lacrado em caixas sem numeração para o instituto. Após um ano catalogando cada peça na coleção científica da USP, pela qual Juliana é responsável, foi possível abrir o acervo para pesquisa, e desde 2015, em virtude de sua abrangência, há pesquisadores de diversas áreas trabalhando com ele, de universidades como a Federal do ABC, a Universidade Estadual Paulista (Unesp) e a Federal de Pernambuco, além da própria USP.
“Faltava apenas a questão da extensão, que se materializa agora com a exposição”, afirma a curadora. “Estamos inaugurando agora justamente para aproveitar o período de férias escolares, quando crianças e jovens poderão vir conhecer esse bem que nos foi entregue e que é um bem da União, de todos nós. Não fosse a ação da PF, hoje ele estaria fora do País, em museus do exterior ou, pior ainda, em coleções particulares. Isso seria terrível, porque privaria a sociedade do acesso e do estudo que pode ser feito sobre esse material tão rico, e que acabaria se tornando meramente um objeto decorativo único na sala de uma pessoa, para alimentar seu ego.” Fazendo referência ao trabalho da PF, há um mural na exposição com fotos do material apreendido e um texto que detalha as leis que enquadram o tráfico de fósseis como crime ambiental no País.
Tesouros à mostra
O ponto alto da exposição, segundo a professora, é o pterossauro Tapejara navigans. “Apesar de não ser uma espécie nova, é o único exemplar completo já encontrado no mundo. Isso permite que muitas dúvidas e detalhes sobre a morfologia do animal sejam respondidas, e não só questões da estrutura morfológica, que pode agora ser muito mais bem detalhada, mas também de paleoecologia. O modo de vida dessa espécie pode ter novas interpretações a partir de um fóssil bem preservado como esse, que tem até partes moles como a crista ainda intactas. Pode-se supor como ele vivia, do que se alimentava, qual era a sua relação com outras espécies de pterossauros”, explica.
Outro destaque é o Susisuchus anatoceps, um animal da ordem dos crocodilianos, cujo esqueleto em exposição é a junção de duas partes de indivíduos diferentes da espécie, formando o corpo completo. Trata-se apenas do segundo exemplar no mundo com o crânio inteiramente preservado.
Também muito raro é o peixe Oshunia brevis, do qual, até a chegada do material da Bacia do Araripe, só havia um fóssil na coleção de mais de 7 mil peixes que o Instituto de Geociências possui, o que, segundo a professora, dá ideia da dificuldade para se encontrar vestígios do animal. “Essa raridade dá muito valor ao fóssil, tanto no quesito científico, porque é possível estudar muito mais a fundo um animal nesse nível de preservação, quando no aspecto monetário, para os traficantes. O pterossauro, por exemplo, foi estimado em cerca de US$ 1 milhão”, ressalta Juliana.
A professora afirma que as plantas fossilizadas à mostra também são especiais. “Todo esse material é do período Cretáceo, que foi quando surgiram as angiospermas, as plantas com flores, e temos aqui uma riqueza e diversidade muito grandes dessas plantas num período inicial da evolução delas. Para quem as estuda, é espetacular ter tamanha variedade tão bem preservada nesse estágio evolutivo.” Há ainda na exposição uma série de plantas aquáticas, samambaias, pinhas, insetos – como grilos, gafanhotos, baratas, cigarras, libélulas, moscas e mosquitos – e aracnídeos, como aranhas e escorpiões.
Devido a essa variedade, a curadora da exposição contou com uma grande equipe para ajudá-la na montagem. Enquanto ela assina os textos que explicam o que são e como surgem os fósseis, os murais que trazem informações sobre cada grupo de fóssil foram escritos pelos pesquisadores que atualmente trabalham com o material. Eles informam sobre a geologia da região, sua localização, quando os fósseis se formaram e características e curiosidades específicas que os tornam especiais ou interessantes.
Os pesquisadores também auxiliaram Juliana a selecionar as peças que seriam expostas. “Às vezes um fóssil tem imenso valor científico por trazer uma estrutura nunca descrita, por exemplo, mas não tem apelo visual. Uma criança, digamos, não vai querer ler os textos do mural, ela quer ver um fóssil bonito, fascinante, e fazer suas perguntas. Tivemos, então, essa preocupação de trazer as informações científicas corretas e com boas fontes, mas também de escolher peças que sejam visualmente atrativas para o público leigo. A exposição é para todo o público, não só para os acadêmicos. Queremos aproveitar o caráter público da Universidade para mostrar essa riqueza que o Brasil possui, e que muitos desconhecem, para a maior variedade de pessoas possível”, afirma a curadora.
Riquezas de outra era
Quem visita hoje a região da Bacia do Araripe jamais poderia imaginar a riqueza que já existiu ali – atualmente fossilizada sob a terra – entre 145 e 65 milhões de anos atrás, no período Cretáceo, último da Era Mesozoica. O que é hoje em dia parte do sertão nordestino, uma região de caatinga, já foi coberto de lagos e até pelo oceano, quando se deu a separação entre o continente africano e a América do Sul. Essas características, dentre outras, explicam por que se encontram tantos fósseis em elevado estado de preservação no local, de acordo com Juliana.
“Por ter sido uma região lacustre (de lagos), a Bacia do Araripe era muito rica em vida, tanto de plantas e animais aquáticos como crocodiliformes, peixes e tartarugas, quanto de vegetação terrestre e seres alados, como os pterossauros. Provavelmente o clima era favorável também para essa abundância de seres vivos, o que atraía predadores grandes. Quando esses seres morriam, seus restos eram sedimentados no solo calcário do local, que é uma rocha que preserva muito bem os sedimentos. E o fato de tratar-se de um lago, com águas calmas, e não uma região marinha de água rasa, na qual ondas quebram e podem danificar os ossos, o ambiente era excelente para a preservação, assim como ocorreu depois que foi coberto pelo oceano.”
Para ajudar a visualizar essa Bacia do Araripe tão diferente da atual, será exposto um mural com desenhos de como era esse ambiente quando os fósseis à mostra ainda eram vivos, e será exibido também um vídeo produzido por pesquisadores da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) sobre a região. Outras atrações previstas para a exposição são uma mesa interativa, na qual fósseis reais serão cobertos de areia para que as crianças possam encontrá-los, e mesas com desenhos dos fósseis para serem pintados.
“Temos em alguns lugares do mundo, como o Canadá, a Alemanha e a China, regiões tidas como excelentes para a preservação. E temos isso no Brasil também, é disso que se trata a Bacia do Araripe, e é por isso que ela é tão visada: é um local cujo ambiente tinha as características ideais para a preservação de qualidade impressionante dos seres que viviam ali, e aqui temos uma mostra dessa qualidade e dessa diversidade”, conclui Juliana.
A exposição Fósseis do Araripe abre na sexta-feira, 15 de dezembro, às 9 horas, e permanece no Museu de Geociências do Instituto de Geociências (IGc) da USP por um ano. As visitas podem ser feitas de segunda a sexta-feira, das 9 às 17 horas, com entrada gratuita. A exposição foi viabilizada por meio de um edital da Pró-Reitoria de Cultura e Extensão Universitária da USP. O endereço do IGc é Rua do Lago, 562, na Cidade Universitária, em São Paulo.
Veja abaixo uma parte do documentário Tesouros do Araripe, produzido por pesquisadores da UFPE e que será exibido na exposição, que mostra como era a região da Bacia do Araripe no período Cretáceo. As outras partes do documentário também estão disponíveis no Youtube.
https://www.youtube.com/watch?v=1_mrMy44RNg&list=PLHPifkNwYyYbgwZlqGgRPT3NJKhm6Mq7n&index=2
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