Empresária, colecionadora e mecenas, Ema Klabin (1907-1994) foi uma mulher à frente de seu tempo. Filha de imigrantes lituanos, teve destaque na sociedade paulistana ao assumir a frente nos negócios da família após a morte do pai, Hessel Klabin, no final da década de 1940, e também pela sua ligação com a arte.
Entre 30 de outubro e 19 de dezembro, a Casa Museu Ema Klabin apresenta Ema e a Moda no Século XX – As roupas e a caligrafia dos gestos, em formatos presencial e on-line. A proposta da exposição é contar a história da moda entre as décadas de 1920 e 1980, através de objetos que pertenceram a Ema Klabin — peças de vestuário, acessórios e itens colecionáveis, além de fotografias históricas do arquivo da instituição.
O título da exposição contém uma homenagem a Gilda de Mello e Souza (1919-2005), que criou o conceito de caligrafia dos gestos. Gilda foi filósofa, ensaísta, crítica literária e professora de Estética do Departamento de Filosofia da USP, do qual foi diretora entre 1969 e 1972.
A mostra está organizada em quatro eixos temáticos: História, Conceito e Individualidade, Contexto Sociocultural, Cultura Material: História do objeto e Moda: Linguagem estética. Curador da exposição, o pesquisador e escritor Brunno Almeida Maia destaca que Ema Klabin, “além de exímia colecionadora, que compôs um acervo que atravessa a história da arte, também esteve à frente de decisões da própria cultura paulistana”. Ela fez parte dos conselhos da Fundação Bienal de São Paulo e do Masp, por exemplo.
A vida de Ema foi marcada por sua paixão por literatura, filosofia, sociologia e história da arte, bem como pelas inúmeras viagens que realizou ao redor do mundo — que, nas palavras de Maia, refinaram seu espírito ao permitir o contato com outras culturas e uma pluralidade de pessoas. As peças selecionadas acompanham a trajetória de Ema, desde uma juventude em que seguia as tendências da moda, com o uso de vestidos de cinturas baixas e chapéus estilo coco, até o momento em que adotou um estilo mais clássico, na virada para a década de 1950, quando assumiu os negócios da família, com vestidos, casacos e tailleurs.
“A exposição mostra a variedade e a pluralidade de estilos que Ema compôs ao longo do século 20, sem perder de vista a singularidade da sua personalidade”, sintetiza Maia. Nesse sentido, o conceito curatorial da mostra busca entrelaçar a vida pessoal de Ema Klabin ao mundo, tendo em vista que ela esteve inserida nos principais acontecimentos histórico-sociais do período, conta Maia.
Assim, as peças de roupas configuram também um registro histórico do desdobramento da moda ao longo do século, na medida em que “materializam os contextos político, econômico, social, cultural e artístico” da época. Isso pode ser observado não apenas nas peças — de grandes criadores de moda da época, como Christian Dior — e fotografias, como também em ilustrações e capas de revistas. Completam ainda a narrativa acessórios como malas de viagens, leques, frascos de perfumes e sombrinhas.
Se optar por visitar a exposição em formato on-line, o público poderá assistir a um vídeo de realidade virtual que passeia pelos ambientes da casa museu, disponível no YouTube. Trabalho do multiartista Tadeu Jungle, a imersão digital também pode ser realizada no local, utilizando óculos higienizados de acordo com os protocolos de biossegurança.
A caligrafia dos gestos
O conceito de caligrafia dos gestos, parte do título da exposição, está presente em O espírito das roupas: a moda no século dezenove, de Gilda de Mello e Souza. Publicado em 1987 pela Companhia das Letras, o ensaio partiu da tese que conferiu o título de Doutora em Ciências Sociais a Gilda, em 1950.
Maia destaca que Gilda foi uma das primeiras filósofas brasileiras a pensar a moda não somente como fenômeno estético e social, mas também a elevar o conceito de moda à esfera das ciências humanas. “Se pensarmos na condição social da mulher dentro de um universo acadêmico predominantemente masculino, naquela época, Gilda teve uma ousadia em defender o que ainda é, infelizmente, considerado um tema menor”, reflete Maia. O espírito das roupas se destacou como um dos trabalhos mais importantes da teoria de moda brasileira, através de uma escrita muito afiada e apurada, nas palavras do curador.
De acordo com Maia, o conceito cunhado por Gilda expressava que, por meio da relação entre a vestimenta de moda e o corpo, a mulher — que tem uma alma reclusa por uma imposição da sociedade — tinha a oportunidade de destacar sua figura, sobretudo nas recepções sociais e festas. “Criando uma personalidade aparente, externalizando a sua individualidade e estetizando o seu eu. Ou seja, há a escritura de uma gestualidade no corpo por meio da vestimenta”, afirma o curador. Tal gestualidade diz respeito ao caimento da veste, à escolha do tecido, cor e textura adequados, que criam uma harmonia e um ritmo entre corpo e vestido.
O conceito é, portanto, representativo para se pensar na exposição, uma vez que ela diz respeito a Ema Klabin, ou seja, “uma vida concreta, uma pessoa real, e como ela compôs seu modo de vida, não só pelo colecionismo de arte, pela construção da sua casa na Rua Portugal, pelas viagens, festas e recepções sociais, mas também pelas roupas — como a roupa pode materializar, então, o modo de vida”, destaca o curador.
“Gilda diz que há uma cultura da feminilidade inscrita nesses objetos cotidianos da cultura material, o que inclui as roupas, e que a mulher pode se apropriar de forma harmoniosa deles para justamente criar a sua caligrafia dos gestos”, ressalta Maia. A professora considerava a moda como uma arte do movimento e, desse modo, o estilista seria um artista, “porque visa a materializar uma ideia, uma visão de mundo, os desejos, os sonhos, as utopias de uma época, traduzindo-os numa forma, que é a vestimenta”.
A exposição Ema e a Moda no Século XX: As roupas e a caligrafia dos gestos fica em cartaz até 19 de dezembro, na Casa Museu Ema Klabin (Rua Portugal, 43, Jardim Europa, São Paulo). As visitas mediadas, que acontecem de quarta a domingo, às 11, 14 e 16 horas, devem ser agendadas através do site emaklabin.org.br ou do telefone (11) 3897-3232. Visitas ao jardim e visualização presencial da realidade virtual funcionam de quarta a domingo, das 11 às 16 horas. Entrada franca.