Da moda à filosofia, acervo conta a vida de Gilda de Mello e Souza

Documentos da professora são destaque do projeto Acervo do Mês, do Instituto de Estudos Brasileiros da USP

 18/03/2021 - Publicado há 3 anos
Por
A professora da USP, filósofa e crítica literária Gilda de Mello e Souza – Arte de Lívia Magalhães sobre imagem de Arquivo IEB

 

“Elegância é a capacidade de distinguir, na moda, o relevante do supérfluo, para se deter apenas ao essencial”, escreveu, num caderno de anotações datado de 1999, a professora da USP, filósofa, crítica literária e ensaísta Gilda de Mello e Souza (1919-2005). Com uma abordagem pouco usual da moda, foi a primeira professora de Estética do Departamento de Filosofia da USP, onde também foi aluna de Roger Bastide, Jean Mougüé e Claude Lévi-Strauss, entre outros estudiosos franceses da primeira geração de professores da Universidade. Esse caderno de 1999, além de outros 440 documentos, faz parte do acervo do Instituto de Estudos Brasileiros (IEB) da USP e compõe o arquivo sobre a história pessoal e acadêmica de Gilda. Esse arquivo é um dos destaques deste mês do projeto Acervos do Mês, do IEB, que busca divulgar o patrimônio do instituto. Outros destaques do projeto são os arquivos dos professores Paul Singer e Maria Lupe Cotrim Garaude (leia o texto abaixo).

No total, o acervo do IEB conta com 16 cadernos de Gilda, desde a década de 1980 até o início de 2000, com cerca de 300 registros pessoais, cantigas, poemas e entre outras anotações que revelam o processo de estudo e reflexão da professora – inclusive no que se refere à sua visão pioneira sobre a moda do século 19. Sua análise das roupas dessa época foi o tema da sua tese de doutorado, orientada por Bastide, que acabou se tornando o ensaio O Espírito das Roupas, publicado pela primeira vez em livro pela Companhia das Letras, em 1987. Escrita em 1950, a obra traz uma visão crítica que ultrapassa as concepções estáticas sobre vestimentas até então. Nela, a professora relaciona corpo, gesto, atitude e gênero ao tecido e à função que ele desempenha na sociedade. “Há documentos relacionados à composição desse livro, que se mantém atual e é fundamental para estudos de áreas como o design de moda, a sociologia e a história”, escrevem, num texto exclusivo para o Jornal da USP, Elisabete Marin Ribas e Dina Elisabete Uliana, do Serviço de Arquivo do IEB. 

O catálogo eletrônico do IEB cita também 54 traduções de textos para o português, feitas por Gilda. Com o título De Noite, há uma tradução de um conto de Franz Kafka, além de versões da Cantiga de Amor de J. Alfred Prufrock e do poema Prelúdios, ambos de T. S. Eliot, da peça de teatro Convite ao Baile, de Jean Anouilh, e de breves citações de Paul Valéry. 

Gilda de Mello e Souza, primeira professora de Estética do Departamento de Filosofia da USP – Foto: Arquivo IEB

Gilda iniciou os estudos em Araraquara, sua cidade de origem, com sua mãe e com aulas particulares de francês, que foram importantes para a graduação em Filosofia na USP, na época ministrada apenas em francês. Ela se destacava pelo estudo das línguas e, apesar de não seguir essa área, esboçava rascunhos de traduções literárias em seus cadernos.

A trajetória acadêmica de Gilda foi marcada pelos intelectuais que a cercavam e pela atualmente chamada Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP, onde recebeu título de Professora Emérita em 1999. Em 1941, foi uma das fundadoras da revista Clima, ao lado de Alfredo Mesquita, Décio de Almeida Prado, Paulo Emílio Salles Gomes, Ruy Coelho, Lourival Gomes Machado e Antonio Candido. Como consta na minibiografia publicada no site do IEB, a professora foi assistente de Roger Bastide por dez anos na cadeira de Sociologia I, antes de fundar a disciplina de Estética na cadeira de Filosofia, para onde tinha migrado em 1954 a convite de João Cruz Costa. A professora ainda foi chefe do Departamento de Filosofia de 1969 a 1972, onde enfrentou restrições impostas pelo regime militar.

A relação dos documentos do Acervo Gilda de Mello e Souza, do IEB, está disponível neste link.

O economista Paul Singer – Foto: Arquivo IEB

 

Os acervos de Paul Singer e Lupe Cotrim

O projeto Arquivos do Mês destaca outros dois acervos do IEB: o do economista Paul Singer (1932-2018) e o da professora da USP Maria Lupe Cotrim Garaude (1933-1970).

De acordo com o site do IEB, Singer foi um dos mais destacados pensadores econômicos do Brasil da segunda metade do século 20. Sua trajetória foi marcada pela atuação no Sindicato dos Metalúrgicos de São Paulo. Graduou-se em Economia na hoje chamada Faculdade de Economia, Administração, Contabilidade e Atuária (FEA) da USP, onde foi professor titular. Nos anos 1970, como pesquisador do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap), elaborou estudos inovadores sobre a relação entre desenvolvimento econômico, tecnologia, mercado de trabalho, urbanização e dinâmica populacional. Sua vida política esteve ligada à criação do Partido dos Trabalhadores (PT) e à atuação como secretário de Planejamento da Prefeitura de São Paulo na gestão de Luiza Erundina (1989-1993) e na Secretaria Nacional de Economia Solidária (Senaes), vinculada ao Ministério do Trabalho e Emprego, entre 2003 e 2016.

“Sua obra se caracteriza pela inovação metodológica e pela perspectiva crítica, compreendendo mais de uma centena de livros e artigos publicados em periódicos e coletâneas em várias línguas, escritos durante 60 anos de intensa atividade intelectual e política”, destacam Elisabete Ribas e Dina Uliana, no texto para o Jornal da USP. Elas destacam que a atuação do professor contribui para o desenvolvimento do conceito mais conhecido apresentado por ele, o da economia solidária.“Paul Singer foi um grande intelectual, mas, ao lado da teoria e de um pensamento sofisticado, vemos refletido em seu arquivo sua atuação em ações concretas que, a partir de várias experiências práticas que ele acumulou em sua vida, somadas a seus estudos, permitiram o desenvolvimento da teoria da economia solidária”, escrevem Elisabete e Dina.

O Arquivo Paul Singer do IEB ainda se encontra em fase de catalogação.

Lupe Cotrim com Hilda Hilst – Foto: Arquivo IEB

 

Já o  acervo de Maria Lupe Cotrim Garaude soma 72 documentos, entre agendas, álbuns, anais, anotações, artigos, árvores genealógicas, atestados, aulas e biografias. Segundo o site do IEB, poeta e professora, Maria José Cotrim foi desde menina chamada de Lupe. Sua primeira graduação foi em Cultura Geral e Biblioteconomia no Sedes Sapientiae, em São Paulo. Em 1963, iniciou o curso de Filosofia na USP. Em 1965, lançou seu primeiro livro de poemas, Monólogos do Afeto. Destacam-se, em sua obra, a coletânea Cânticos da Terra e O Poeta e o Mundo. Em 1965, viaja para Santiago do Chile, onde conhece Pablo Neruda. Além deste, em sua correspondência, há o diálogo com Ruth Cardoso, Menotti Del Picchia e Carlos Drummond de Andrade. Em 1967, publicou o livro de poesia Inventos e ingressou como professora na Escola de Comunicações e Artes (ECA) da USP, faculdade que faria uma homenagem a ela dando seu nome ao centro acadêmico. O livro Poemas ao Outro recebeu por unanimidade o Prêmio Governador do Estado, em outubro de 1969. “Infelizmente Lupe morreu jovem. A sensibilidade de seus poemas e seu legado, registrado em sua obra, nos fazem questionar quantos outros livros a escritora teria produzido, se tivesse tido a oportunidade de viver mais”, destaca o texto assinado por Elisabete e Dina. 

A relação dos documentos do Acervo Lupe Cotrim, do IEB, está disponível neste link.

 


Política de uso 
A reprodução de matérias e fotografias é livre mediante a citação do Jornal da USP e do autor. No caso dos arquivos de áudio, deverão constar dos créditos a Rádio USP e, em sendo explicitados, os autores. Para uso de arquivos de vídeo, esses créditos deverão mencionar a TV USP e, caso estejam explicitados, os autores. Fotos devem ser creditadas como USP Imagens e o nome do fotógrafo.