A Com-Arte, editora-laboratório do curso de Editoração da Escola de Comunicações e Artes (ECA) da USP, lançou neste mês duas obras. Uma delas é Relembranças, de Zepa Ferrer, formado em Letras pela USP, um livro de memórias, reflexivas e sentimentais, recuperando acontecimentos e histórias que o autor ouviu ou criou. A outra é Com os Burros N’Água, de Nelson de La Corte, professor aposentado do Departamento de Geografia da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP, que, com esse lançamento – uma novela sobre o universo rural -, dá continuidade ao seu livro A Vaca e o Brejo, também editado pela Com-Arte.)
“Em Relembranças, o paulistano Zepa Ferrer remexe o pretérito sem saudosismo”, como escreve o professor Jean Pierre Chauvin, da Escola de Comunicações e Artes (ECA) da USP, na introdução. “Nas crônicas, quase todas de extensão similar, prevalecem os dois tons: o da anedota, com que o autor nos convida à leitura pelo riso sugerido pelos parágrafos iniciais; outro ético, a lição que ele tirou das coisas – fossem elas maiores ou menores”, explica Chauvin. O segundo caso está presente em “O Gabi tá andando”, em que, durante uma reunião de um grupo de esquerda, uma militante comunica o fato de seu filho de 11 meses dar os primeiros passos. Sem êxito, ela fica chocada com a indiferença, causando-lhe estranhamento e desmotivação. “Quem só tem olhos para o geral perde a liga com a vida, com o cotidiano, com o particular. Isso também é alienação”.
Na crônica “Banho d’água fria”, Ferrer conta sobre os encontros com os amigos adolescentes que copiavam frases das paredes de um bar próximo ao antigo prédio da USP (hoje Centro Universitário Maria Antonia). “A gente costumava, nos últimos anos do colegial, ir até o Bar sem Nome, ou Quitanda, que ficava na Rua Dr. Vilanova, pertinho da Filosofia da USP, bar que Chico Buarque, tempos antes, frequentara. As paredes do bar eram cheias de frases espirituosas, do tipo ‘Deus está morto (Nietzsche) / Nietzsche está morto (Deus)’ ou ‘A América Latina para os latinos-americanos’. Frases que copiávamos e publicávamos no Rooteiro, jornal do grêmio do Colégio Roosevelt. Uma dessas, principalmente, deu encrenca.”
São pequenos textos divertidos, acompanhados de ilustrações feitas por ele mesmo. “Ao chegar às cerca de 50 crônicas que me propus a escrever, tenho a impressão de que já se esgotou tudo o que teria para relembrar de interessante em minha vida. É como se tivesse de viver mais 50 anos para somar outras tantas experiências de vida que pudessem trazer momentos de identificação, prazer, emoção aos que me lessem”, escreve o autor. “Finalmente, cheguei ao tema que para mim tem gosto de rito de passagem, um trabalho de conclusão de curso de cronista: a minha falta de assunto. Nisso, o velho Braga (Rubem Braga) e eu somos iguais. Como cada um lida com a sua falta, são outros cinquenta.”
Novela rural
De volta ao universo rural, Nelson de La Corte continua a história de João Batista em A Vaca e o Brejo com a novela Com os Burros n’Àgua. “Aqui nesta, que seria o ‘Tomo II’ da história, diferentemente daquela, o locus central de toda a trama desloca-se das terras de velha ocupação de parte do Sudeste do Brasil para os novos espaços de reprodução da economia e da demografia do País, correspondentes a setores das novas fronteiras produtivas abertas com a ocupação dos vastos espaços do centro e do norte do território brasileiro, a partir da segunda metade dos novecentos”, informa o autor na apresentação do livro. E continua: “Se no primeiro texto prevalece a força inercial dos antigos valores, onde tudo parece se repetir num tempo que não passa, aqui o que comanda os acontecimentos é sua nova configuração produzida por um período de mudança qualitativa das relações, marcado pela velocidade, oportunismo e violência nas explorações de terra e do homem”.
Relembranças, de Zepa Ferrer (216 págs., R$ 30,00), e Com os Burros n’Água, de Nelson de La Corte (112 págs,, R$ 24,00) .