Criado em 2016, o Human Cell Atlas (HCA) é um consórcio que reúne pesquisadores do mundo inteiro para ajudar a construir um mapa com cada uma das trilhões de células do corpo humano e suas características. Um banco de dados com representatividade mundial, que englobe todos os continentes, etnias, condições socioeconômicas, gêneros e idades. Esse conhecimento, aberto para a comunidade científica, possibilitará a descoberta de novos métodos de diagnóstico e tratamento personalizado para diversas doenças, como a covid-19, câncer e doenças tropicais negligenciadas.
Com o apoio da Pró-Reitoria de Pesquisa e do Instituto de Ciências Biomédicas (ICB) da USP, o projeto será apresentado aos pesquisadores latino-americanos no workshop online HCA Latin America, nos dias 24 e 25 de setembro de 2020. Para participar do evento, é necessário se inscrever por meio deste formulário.
O objetivo é reunir interessados em contribuir com o HCA e incluir informações sobre a diversidade genética e fisiológica em células de indivíduos da América Latina. Isso possibilitará uma melhor compreensão das doenças predominantes da região, como Chagas, leishmaniose, dengue, malária, chikungunya, entre outras.
Para o pró-reitor de Pesquisa da USP, professor Sylvio Canuto, a participação da Universidade no projeto é essencial. “Mais do que isso, gostaríamos de incluir nossos parceiros continentais, abrindo uma janela para a participação de toda a América Latina.”
Trata-se de uma das iniciativas de maior impacto em ciência mundial desde a criação do Projeto Genoma Humano”, afirma Lucio Freitas Junior, pesquisador do ICB e membro do Comitê Científico HCA Latin America. O pesquisador faz parte do grupo Equidade do HCA, que trabalha para garantir a diversidade na construção do Atlas, e foi um dos responsáveis por apresentar o projeto à comunidade científica do Brasil.
Uma das principais técnicas aplicadas pelos cientistas do HCA é chamada de single-cell analysis (análise de células únicas, em português), uma tecnologia que permite identificar as características de cada tipo de célula, seja do pulmão, do coração, dos rins etc. Ou seja, é possível verificar os genes ativados em cada célula a partir do RNA transcrito por elas. “Todas as células de um indivíduo possuem o mesmo DNA. O que as diferencia é o RNA, que controla a síntese das proteínas. Cada célula expressa proteínas específicas, que é o que determina a sua função no organismo”, explica Freitas Junior.
Ao compreender individualmente o funcionamento das células de indivíduos saudáveis e extrair o RNA de cada uma, é possível comparar com as células de indivíduos doentes para entender o impacto de determinada doença a nível celular e pesquisar novas formas de combatê-la ou preveni-la.
Para o pesquisador Helder Nakaya, professor da Faculdade de Ciências Farmacêuticas (FCF) da USP e membro do Comitê Científico, esse tipo de informação detalhada que o HCA fornece é algo único.
O projeto poderia nos ajudar a entender o que está acontecendo no cérebro de um bebê que teve microcefalia causado por zika, por exemplo, e, a partir daí, estudar novas intervenções.”
O primeiro dia (24/9) do workshop HCA Latin America contará com a abertura do pró-reitor Sylvio Canuto, seguida de palestras dos membros do HCA e pesquisadores do Brasil, Chile, Uruguai e Argentina que já fazem estudos com análise de células únicas. Já no segundo dia (25/9), os participantes terão a oportunidade de aprender a usar o equipamento e trocar experiências e informações.
Células que expressam a proteína ACE-2 e a covid-19
No combate à pandemia, os cientistas do Human Cell Atlas conseguiram identificar em seu banco de dados as células que expressam a proteína ACE-2, considerada “porta de entrada” para o vírus SARS-CoV-2 em células humanas. Isso ajudou diversos pesquisadores de todo o mundo que estão testando fármacos contra a covid-19.
Com esse conhecimento, em vez de testar célula por célula, tecido por tecido, nós já sabemos quais células devemos utilizar como alvo em nossas pesquisas”, explica o pesquisador Lucio Freitas Junior, que testa em seu laboratório medicamentos já existentes para combater o vírus.
HCA no Brasil
A implementação do HCA no Brasil envolve alguns desafios. Para a pesquisadora Patrícia Severino, do Instituto Israelita de Ensino e Pesquisa Albert Einstein, também integrante do Comitê Científico do evento, a principal dificuldade será em termos de tecnologia. “Apesar da inquestionável expertise da comunidade científica brasileira, incluindo experientes grupos de bioinformática, ainda não possuímos no país centros de pesquisa com plataformas tecnológicas completas que permitam a análise de células únicas.”
No entanto, segundo ela, diversos laboratórios brasileiros têm buscado soluções para aplicar essa tecnologia no País. “Este evento virá em momento muito oportuno para que colaborações se estabeleçam e tornem esta etapa de implementação mais rápida.”
O HCA se compromete a auxiliar os cientistas latino-americanos a enfrentar esses desafios. Sarah Teichman e Aviv Regev, cofundadores do Human Cell Atlas, dão boas-vindas aos participantes. “O HCA busca ser uma comunidade realmente global. Estamos muito satisfeitos que esse encontro reunirá cientistas de toda a América Latina para se juntar ao esforço mundial de criar mapas de referência de todas as células humanas”, finalizam.
Rádio USP
Ouça a entrevista de Lucio Freitas Junior no Jornal da USP no ar.
Mais informações: e-mail angela@academica.jor.br, com Angela Trabbold, da Acadêmica Agência de Comunicação