Onde há pobreza e falta de políticas de proteção, tubarões somem e arraias predominam

Estudo global mapeia ameaças a espécies que vivem em recifes de corais, que podem inviabilizar o turismo e a pesca de subsistência

 19/06/2023 - Publicado há 1 ano     Atualizado: 22/06/2023 às 18:37

Texto: Ivan Conterno

Arte: Gabriela Varão

Tubarão-lixa - Foto: Wikimedia Commons

Um extenso estudo detalhou ameaças a comunidades de tubarões que habitam recifes de corais ao redor do mundo. O artigo, assinado por 120 pesquisadores de 48 países e territórios, foi publicado na revista Science revelando os prejuízos da captura desenfreada e da poluição das águas a essas espécies. Os cientistas correlacionaram esse impacto a regiões onde há poucas políticas governamentais de conservação e conscientização. 

Ainda que os animais às vezes despertem medo – na maior parte das vezes injustificado, já que o ser humano não é visado como presa deles em situações normais – a manutenção dos tubarões é uma importante fonte de renda para milhões de pessoas no mundo. A preservação desses peixes no topo da cadeia alimentar é essencial para o turismo ecológico, gerando empregos nas mais diversas áreas da economia. E é muito mais lucrativa que a simples pesca.

A presença massiva de arraias é um índice de perturbação ecológica nos recifes de corais. Na falta de tubarões, a população desses predadores intermediários aumenta descontroladamente e consome todos os recursos primários. Os acidentes com tubarões e pessoas são fruto do próprio desequilíbrio ambiental, uma vez que os humanos não são presas interessantes para esses peixes. Além da pesca intensiva, a degradação da qualidade da água e as mudanças climáticas também colocam em risco os ecossistemas dos recifes de corais.

“Com a quebra desse balanço ecológico, outras espécies começam a desaparecer. Além disso, os tubarões controlam a proliferação de doenças, porque os indivíduos mais velhos e mais doentes acabam sendo consumidos”, explica o pesquisador Hudson Tercio Pinheiro, do Centro de Biologia Marinha (Cebimar) da USP, que fez parte do time de cientistas do estudo.

A pesquisa relaciona as comunidades de arraias e tubarões de 391 recifes de corais às características dos governos e das populações locais. Para isso, os pesquisadores percorreram 67 países e territórios usando 22.756 estações de vídeo com iscas operadas remotamente conhecidas como Bruvs (baited remote underwater video). Foi registrada uma redução no número de tubarões em todo o planeta, que varia entre 60% e 73% (veja quadro abaixo).

Hudson Tercio Pinheiro - Foto: Arquivo Pessoal

Hudson Tercio Pinheiro – Foto: Arquivo Pessoal

De acordo com os dados coletados, as comunidades dominadas por tubarões tendem a persistir próximas aos corais em países com mais medidas de proteção ambiental e maior nível socioeconômico, enquanto a predominância de arraias está relacionada às regiões pobres, onde a pesca não é controlada. Embora haja diferenças significativas, as arraias pertencem à mesma subclasse de peixes cartilaginosos que os tubarões, os elasmobrânquios.

Fotos: Hudson T. Pinheiro

As espécies de tubarões mais importantes no Atlântico são o tubarão-recifal-caribenho e o tubarão-lixa, conhecido também como cação-lixa, que é o mais ameaçado no Brasil. O recifal-caribenho é mais frequentemente visto no arquipélago de Fernando de Noronha, onde a preservação é mais eficaz por se tratar de um santuário ecológico protegido por lei.

O Brasil é referência para o estudo de tubarões. Hudson Pinheiro atuou com outros pesquisadores brasileiros em diferentes pontos da costa, que vão do Norte ao Sudeste do País, passando pelas ilhas oceânicas. “Os resultados gerais desse projeto de uma escala global podem ser aplicados aqui, principalmente porque o Brasil é um país continental com diferentes ambientes, alguns mais isolados e protegidos e alguns desprotegidos e mais pescados”, conta o ecólogo ao Jornal da USP.

O gráfico mostra o índice da redução de tubarões-recifal-caribenhos (caribbean reef) e de tubarões-lixa (nurse) em cada país ou território do Atlântico. Os pontos mais à esquerda representam alta ameaça, enquanto à direita representam alta preservação. No Brasil, há regiões de grande preservação e regiões com mais ameaças e, por esse motivo, mantém-se próximo a uma média aceitável - Infográfico: Science

A mesma representação gráfica foi feita para peixes do Pacífico e do Índico. Regiões com alta poluição e muita gente dependente de recursos naturais devido à pobreza são as mais afetadas - Infográfico: Science

Entre os países que mais preservam os sistemas de corais estão as ilhas oceânicas como Palau e Bahamas, com enfoque muito grande no turismo. Regiões com alta poluição e grande número de pessoas que dependem de recursos naturais devido à pobreza são as mais afetadas.

Bruv

O Bruv é uma estrutura de ferro que contém duas câmeras com uma isca entre elas, que podem ser sardinhas. Nos métodos tradicionais de mergulho, muitas espécies raras fogem dos pesquisadores, que podem ser confundidos com caçadores. O novo equipamento, pelo contrário, consegue atrair inclusive superpredadores e filmar essas interações. O conjunto de câmeras tem como vantagem estimar o tamanho dos animais.

Bruv - Foto: Wikimedia Commons

Nem tudo está perdido

Outras pesquisas, mencionadas no artigo, apontam que as populações de tubarões podem ser recuperadas em menos de uma década caso medidas de preservação sejam implementadas. Além de serem fundamentais para o turismo, essas políticas são essenciais também para a continuidade da pesca, uma vez que a extinção das espécies inviabiliza até mesmo a pesca de subsistência.

Mais informações: e-mail htpinheiro@usp.br, com Hudson Tercio Pinheiro.


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