Tubarões-tigre que interagem com turistas são maiores e têm níveis mais altos de hormônios, mostra estudo

Animais que ocupam locais onde mergulhadores oferecem alimentos apresentam maior concentração de testosterona e corticosteroides; impactos da interação com humanos ainda não são bem compreendidos

 29/11/2022 - Publicado há 2 anos
Foto: Neil Hammerschlag

 

André Julião, da Agência Fapesp

Tiger Beach, ou praia dos tigres, nas Bahamas, é conhecida pela beleza paradisíaca e por habitantes que poderiam espantar qualquer um de suas águas, mas acabam sendo as maiores atrações do turismo de mergulho praticado ali: os tubarões-tigre (Galeocerdo cuvier).

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As águas cristalinas e rasas, com cinco metros de profundidade em média, favorecem a visualização dos animais. Mas o fornecimento de alimentos pelas operadoras de turismo locais, como carcaças de peixe, é o que garante a presença dos predadores, que podem ultrapassar três metros de comprimento.

Um grupo de cientistas do Brasil e dos Estados Unidos, que inclui pesquisadores apoiados pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), descobriu que as fêmeas de tubarão-tigre que visitam essas áreas com frequência são maiores e têm níveis hormonais mais altos do que de outros indivíduos da mesma espécie que passam menos tempo nesses locais.

O estudo foi publicado na revista Animal Behaviour e ajuda a compreender os possíveis impactos dessa prática para os tubarões, além de ser o primeiro a descrever a influência da condição fisiológica no comportamento e na tomada de decisão nesses animais.

“Essas áreas são dominadas por fêmeas de grande porte. Algumas, inclusive, grávidas. De modo geral, os níveis de hormônios eram mais altos naquelas que estavam em locais onde ocorre o fornecimento de alimento do que nas ‘tigresas’ que não interagem tanto com mergulhadores. Além disso, as primeiras possuem uma condição nutricional melhor, com mais ômega-3 no sangue”, conta Bianca Rangel, que realizou o trabalho como parte de seu doutorado no Instituto de Biociências (IB) da USP com bolsa da Fapesp.

Em outro trabalho, a equipe já havia demonstrado que tubarões-lixa (Ginglymostoma cirratum) que vivem em áreas urbanas apresentam níveis mais elevados de gorduras saturadas e hormônios (leia mais em: agencia.fapesp.br/38557/).

Renata Guimarães Moreira – Foto: Marcos Santos/USP Imagens

“Não podemos dizer se o turismo está ou não prejudicando esse grupo, pois não tínhamos como fazer as coletas de material para os testes antes e depois da interação com os turistas, o que seria ideal. No entanto, agora temos um corpo de evidências que vai ajudar em avaliações futuras”, complementa Renata Guimarães Moreira, professora do IB apoiada pela Fundação e orientadora do estudo.

Tubarões monitorados

Diferenciar os tubarões que passam mais tempo pelas áreas de turismo daqueles que frequentam outros perímetros foi possível graças a um trabalho de monitoramento realizado desde 2011 na Flórida e nas Bahamas sob coordenação de Neil Hammerschlag, professor da Universidade de Miami que também assina o trabalho.

Os pesquisadores norte-americanos capturaram 33 animais ao norte do arquipélago das Bahamas entre 2013 e 2014, fizeram a identificação do sexo (todas fêmeas), além de medir o comprimento e verificar se estavam grávidas, usando um aparelho de ultrassonografia. Além disso, coletaram amostras de sangue, que ficaram congeladas até serem analisadas.

Antes de liberar os animais, foram implantados sob a pele dos tubarões pequenos transmissores acústicos. Graças a isso, cinco receptores afixados no leito do mar captavam a presença dos animais a cada vez que se aproximavam. Apenas 22 tubarões foram detectados e analisados no estudo.

Com os dados de uso do espaço, coletados durante 90 dias, foi possível estabelecer os animais que passavam mais tempo em áreas onde não ocorre o mergulho e aqueles que ficavam onde é ofertado alimento para que possam interagir com os turistas.

Bianca Rangel – Foto: Reprodução

“As fêmeas de grande porte dominam as áreas onde há o mergulho, enquanto as juvenis, de porte menor, ficam de fora. Isso mostra uma dominância por parte dessas predadoras, que provavelmente encontraram vantagens em estar nesses territórios e conseguem se impor perante as menores”, explica Rangel.

Um reflexo do uso do território na fisiologia das “tigresas” – como são carinhosamente chamadas as fêmeas de tubarões-tigre pelos pesquisadores – está na alimentação. Seu conteúdo pode ser medido pela concentração de ácidos graxos, as gorduras de diferentes tipos, e nos isótopos estáveis, que indicam em que degrau da cadeia alimentar estão os alimentos consumidos pela quantidade de nitrogênio acumulada.

Alimentadas com carcaças de garoupas e outros peixes gordurosos, as “tigresas” das áreas de mergulho tiveram valores mais altos de ácidos graxos do tipo ômega-3 e de isótopos de nitrogênio do que aquelas que passaram menos tempo nesse território.

A diferença entre as frequentadoras das áreas de mergulho e as outras fêmeas foi visível ainda na concentração de hormônios, no caso, valores médios de testosterona (três vezes maior), estradiol (quatro vezes superior) e corticosteroides (16,4 vezes mais).

“Não sabemos se esses hormônios estão mais elevados porque elas estão reunidas com muitos outros tubarões e acabam aumentando os hormônios para ter um comportamento social de dominância, talvez mais agressivo. Outra hipótese é que, por conta do estágio de vida, estejam prontas para se reproduzir e isso pode elevar o nível desses hormônios. Com as juvenis, que ainda não se reproduzem, esses hormônios seriam naturalmente mais baixos”, aponta Moreira.

Ainda que o estudo não seja conclusivo sobre as razões das alterações fisiológicas, ele ressalta a importância de se considerar a fase de vida, os hormônios e a condição nutricional dos tubarões para avaliar os impactos do mergulho na alimentação.

O artigo Physiological state predicts space use of sharks at a tourism provisioning site pode ser lido em: www.sciencedirect.com/science/article/abs/pii/S0003347222001865.

Este texto foi originalmente publicado por Agência Fapesp de acordo com a licença Creative Commons CC-BY-NC-ND. Leia o original aqui.


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