Quando fui fazer graduação, tinha três opções em mente: arquitetura, física e filosofia. Escolhi física, mas, na verdade, também estudei filosofia uns três anos aqui nesse mesmo prédio da Rua Maria Antônia [prédio onde fica a sede da SBPC em São Paulo e no qual a entrevista foi concedida]. De manhã estudava física, de tarde dava aula e à noite fazia filosofia. As aulas eram aqui. Eu pensava, a princípio, em fazer história da física. Essa foi a ideia com a qual fui para a Europa. Mas lá me convenci de que devia fazer física mesmo e que a história poderia ficar para mais tarde. Naquele período, participei de atividades e estudos de história da ciência, de política científica, de revista de divulgação científica… Quando voltei para o Brasil, surgiu naturalmente a adesão aos projetos de divulgação científica, ao movimento de recuperação do ensino na universidade. Coordenei durante muitos anos o ciclo básico do curso de Física da UFRJ.
Foi com estas palavras que o físico e educador Ennio Candotti, falecido na quarta-feira (6) passada, conhecido por sua extensa contribuição à ciência brasileira, descreveu seu começo de carreira em antiga entrevista ao site Brasilianas, da Fiocruz. Candotti deixou um legado considerável na comunidade científica nacional, pois sua trajetória acadêmica foi marcada por uma intensa dedicação à ciência no País.
Nascido na Itália, Candotti emigrou para São Paulo ainda jovem. Formado pelo Instituto de Física (IF) da USP, em 1964, o físico foi professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) entre 1974 e 1996 e também lecionou na Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes).
Destacou-se ainda por sua atuação na Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência, da qual foi presidente por sucessivos mandatos, deixando uma marca na história da organização. Sua liderança na SBPC incluiu a mobilização da comunidade científica durante os anos 1990 na luta pelo impeachment de um presidente acusado de corrupção.
Legado na Amazônia
A paixão de Candotti pela ciência e seu compromisso com a Amazônia eram evidentes em seu papel como diretor do Museu da Amazônia, onde desempenhou função crucial nos últimos 15 anos. Autoridades, colegas e instituições científicas lamentaram profundamente a perda de Candotti. De acordo com os especialistas, sua atuação pela preservação da biodiversidade da região será lembrada como uma herança importante para as futuras gerações de cientistas.
Em nota de pesar, o Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa) relembrou seu compromisso com o desenvolvimento científico do País e sua dedicação incansável à causa. O presidente da SBPC e professor da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP, Renato Janine Ribeiro, destacou nas redes sociais sua atuação política e suas contribuições na educação e divulgação científica:
“Perdemos hoje Ennio Candotti, presidente da @sbpcnet em dois períodos e nosso presidente de honra. Mais que isso: ele colocou a SBPC na linha de frente da luta pelo impeachment de Collor, e a vida toda batalhou incansavelmente pela divulgação e educação científicas. Vivia na Amazônia, sua paixão final, pela qual também lutava com denodo. Difícil acreditar que ele fosse mortal”, escreveu Janine no Instagram.
Tornando a ciência acessível
Em vídeo registrado em 27 de maio de 1993, Candotti recordou seu período como estudante de Física na USP e celebrou o retorno ao prédio do Centro Universitário MariAntonia.
No testemunho, ele destacou a relevância desse espaço em sua formação acadêmica durante os anos difíceis da ditadura, ressaltando a transformação do prédio, outrora abandonado, em um símbolo não só da superação desse período, mas também de um renascimento intelectual. Ao final do depoimento, o então presidente da SBPC realçou o desafio de transmitir esses valores aos jovens na época.
Não por acaso, um desafio que Candotti enfrentou durante toda sua carreira. Em entrevista ao site da Fiocruz, o educador enfatizou a importância de termos mais fontes de informações sobre ciência, explicou como a comunicação científica é complexa e pontuou a necessidade de entender conceitos básicos para avaliar os riscos de forma consciente.
“Nas escolas, não há espaço para atividades experimentais crescentes e sucessivas. E, em uma sociedade onde a grande maioria não tem familiaridade com esses conceitos e códigos básicos da ciência, não há como fazer divulgação científica”, afirmou na época.
Diante de um mundo que permanece na batalha contra o negacionismo científico, Candotti esclareceu que “toda experiência científica é uma ação codificada, é uma ação escrita em uma língua própria, uma forma de comunicação que é própria daquela experiência. Há uma pré-teoria escondida atrás dessa experiência”. Na opinião do físico, portanto, a missão de tornar a ciência acessível e compreensível para todos sempre foi um imperativo crucial.
O Museu da Amazônia informou que, em respeito ao falecimento de Ennio Candotti, permanecerá fechado sem data definida para reabertura.