Microscópio virtual auxilia na formação de médicos em Ribeirão Preto

Pesquisadores da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da USP avaliaram o uso de um microscópio virtual nas disciplinas de histologia, que estuda as células e os tecidos do corpo humano

 29/04/2021 - Publicado há 3 anos
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Com a microscopia virtual, o aluno consegue avaliar a lâmina inteira em diversas magnitudes, porque a grande maioria das ferramentas digitais funciona como um atlas físico que foi transferido para o meio digital – Foto: divulgação

 

Os alunos que estão cursando a faculdade atualmente, nasceram ou cresceram inseridos na tecnologia e, por isso, possuem facilidade com uso de recursos tecnológicos e apresentam um perfil de aprendizagem diferente das outras gerações. Para aumentar a satisfação dos estudantes nas aulas, pesquisadoras da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (FMRP) da USP avaliaram o uso de um microscópio virtual nas disciplinas de histologia, que estuda as células e os tecidos do corpo humano.

O artigo Virtual Microscopy as a Learning Tool in Brazilian Medical Education, que foi publicado pela revista Anatomical Sciences Education, apresenta resultados positivos sobre a percepção do uso da ferramenta virtual por alunos do curso de Medicina da FMRP. Entre as avaliações estão a relação com o manuseio, adequação, eficácia de aprendizagem, satisfação e desempenho acadêmico com a microscopia virtual.

Fernanda Somera dos Santos- Foto: arquivo pessoal

“Fizemos uma parceria com a Universidade do Chile que pode ser considerada o grande ponto de virada para o uso da tecnologia, pois enviamos parte do nosso acervo de lâminas para serem digitalizadas por um software on-line. Um ponto muito importante do desenvolvimento da microscopia virtual é que o aluno consegue avaliar a lâmina inteira em diversas magnitudes, porque a grande maioria das ferramentas digitais funciona como um atlas físico que foi transferido para o meio digital”, conta a primeira autora do trabalho, Fernanda Somera dos Santos, egressa da FMRP e médica residente no Hospital das Clínicas da FMRP (HCFMRP) da USP.

Após a digitalização das lâminas, o grupo implementou um laboratório virtual com lâminas usadas nas disciplinas de histologia para que os alunos pudessem acessar o conteúdo em qualquer dispositivo, como notebook ou celular, com acesso à internet. Os alunos participantes do estudo foram divididos em dois grupos, sendo que um deles era composto de 91 estudantes que foram matriculados em 2015 e que usaram o microscópio tradicional; e por 98 que foram matriculados em 2019 e que usaram a ferramenta digital e a analógica.

Percepções sobre o uso da tecnologia

Os resultados mostram que a microscopia virtual foi avaliada como fácil ou extremamente fácil de manusear por 87,51% dos alunos, enquanto que apenas 35,42% avaliaram o manuseio do microscópio tradicional como fácil ou extremamente fácil. “A facilidade com que a nova geração manuseia as ferramentas digitais é muito maior quando comparada com as analógicas. Por isso, implementar novas tecnologias tanto na educação médica como na prática clínica já se tornou uma realidade nos grandes países e é uma necessidade”, conta Fernanda.

Katiuchia Uzzun Sales – Foto: arquivo pessoal

Além disso, 94,75% dos estudantes indicaram que o microscópio virtual é eficaz ou altamente eficaz, contra 45,83% para o microscópio tradicional. A maioria dos alunos, mais de 95%, apontou que a microscopia virtual foi importante ou muito importante para o crescimento do aprendizado e apenas uma pequena parcela a considerou indiferente ou pouco importante quando comparada com a ferramenta analógica.

“A percepção do aluno é fundamental porque a metodologia só vai funcionar plenamente se houver engajamento tanto por parte de quem leciona, assim como por parte de quem aprende. O envolvimento do aluno com a ferramenta deixa o recurso educacional ainda mais produtivo. E, no nosso caso, a percepção do estudante foi um ponto muito positivo na utilização do microscópio virtual”, afirma a professora Katiuchia Uzzun Sales, da FMRP, coautora e orientadora do estudo.

As autoras do estudo apontam ainda que a excelente aceitação da ferramenta incentiva a busca por outras tecnologias que são mais amigáveis e interessantes para os estudantes. “Examinar percepções sobre o manuseio, eficácia e satisfação sobre a aprendizagem nos dá subsídios para futuros investimentos, treinamentos diferenciados e melhor adequação do tempo de aula e estudo no processo de preparação laboratorial”, aponta a professora Gleici da Silva Castro Perdoná, da FMRP e coautora do projeto.

Desempenho acadêmico

Mariana Kiomy Osako – Foto: arquivo pessoal

Outro destaque é que, ao comparar os dois grupos de alunos, foi possível perceber que o desempenho acadêmico continuou igual. A performance foi verificada na avaliação das estruturas histológicas ou prova prática, que é uma avaliação focada no domínio cognitivo e envolve a identificação das estruturas nas lâminas preparadas com tecidos do corpo humano.

Ela revela ainda que as atividades e avaliações para a formação são importantes pois possibilitam feedback ao estudante sobre os conceitos que ainda não foram bem compreendidos, além de permitir que o docente reforce o conteúdo que os alunos apresentaram maior dificuldade de aprender.

“Acredito que apresentar os conceitos de maneira contextualizada e com atividades formativas permitiu a manutenção do desempenho acadêmico em ambas as situações de ensino: microscopia ótica e microscopia virtual”, complementa a professora Mariana. “Certamente apenas a tecnologia não é capaz de influenciar o desempenho acadêmico. Isto é, de impactar no aprendizado por si só. O ensino envolve estratégias selecionadas pelo professor para que o aluno atinja o desempenho acadêmico esperado”, comenta a professora Mariana Kiomy Osako, da FMRP e coautora do estudo.

Microscopia virtual na pandemia

O trabalho começou em 2015, com inúmeras tentativas de formato para o laboratório virtual, e em 2019 foi possível concluir a plataforma no formato do laboratório virtual de microscopia. Com a pandemia de covid-19 em 2020, a ferramenta se tornou um recurso essencial para o enfrentamento dos desafios da educação remota emergencial, que se tornou uma regra em todas as disciplinas da faculdade, o que obrigou os docentes a incorporarem o uso da tecnologia para se adequarem à necessidade das aulas on-line.

“É importante destacar ainda que, para utilizarmos o laboratório físico, precisamos dividir a turma de 100 alunos do curso de Medicina em dois grupos de 50 alunos cada. Assim, o tempo necessário para as aulas práticas é multiplicado por dois. Ainda, para que os alunos estudem com o microscópio ótico, horários precisam ser agendados no laboratório de microscopia. Com o estabelecimento do laboratório virtual de microscopia, os alunos podem acessar de casa e estudar o quanto acharem necessário”, completa a professora Katiuchia.

Microscópio virtual – Foto: divulgação

Educação médica

A preocupação com o desenvolvimento docente e a busca pela excelência na educação médica são pilares da FMRP. Este foi o primeiro trabalho que concluí na área. Houve muito incentivo da Comissão de Graduação (CG) e do Centro de Desenvolvimento Docente (CDDE), ambos da FMRP, para que o estudo fosse realizado. Isso foi muito importante porque realmente não era minha área de pesquisa. E, no final, foi muito gratificante implementar, avaliar e reportar uma nova ferramenta de ensino”, revela a professora Katiuchia.

Para o coordenador do CDDE, professor Valdes Roberto Bollela, o projeto e a publicação reforçam uma característica que está no DNA da FMRP, a produção de conhecimento através de pesquisas de ponta, que agora vem crescendo também, de maneira rápida e expressiva, na área da educação das profissões da saúde.

Valdes Roberto Bollela. Foto: Arquivo pessoal

“Nos últimos quatro anos, mais de duas dezenas de professores e preceptores vinculados à faculdade e ao Complexo HCRP participaram de oficinas de desenvolvimento docente para o ensino, e todos os participantes devem elaborar propostas de intervenção e melhoria da educação na faculdade. Muitas destas propostas já foram incorporadas ao ensino da faculdade e algumas se tornaram projetos de pesquisa e começam a produzir frutos, como este belíssimo trabalho coordenado pela professora Katiuchia, que sai publicado em uma das revistas mais importantes sobre educação médica do mundo.”

“Outro aspecto relevante deste estudo é o fato de estudantes de iniciação científica, como nossa ex-aluna Fernanda Somera, que é a primeira autora do artigo e que se formou em 2020. Outra característica marcante da FMRP”, completa o professor Valdes.

O artigo conta com a autoria da médica Fernanda Somera dos Santos e das professoras Katiuchia Uzzun Sales, Gleici da Silva Castro Perdoná e Mariana Kiomy Osako, todas da FMRP; e colaboração da biomédica Márcia Gaião Alves.

Mais informações: e-mail salesk@fmrp.usp.br


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